Ladrão de corações e almas e memórias
"Olhando
para trás, suponho que parece óbvio, mas no princípio achei que a
confusão dela era compreensível e normal. Começava por esquecer onde
pusera as chaves, mas quem não o esquece? Esquecia-se do nome de um
vizinho, mas não de alguém que conhecíamos bem ou com quem
socializávamos. Às vezes ela escrevia o ano errado quando passava os
cheques, mas de novo o punha de parte como um simples erro que se faz
quando se está a pensar noutras coisas.
Não
foi senão quando os acontecimentos mais óbvios começaram a ocorrer que
comecei a suspeitar do pior. Um ferro de engomar no frigorífico, roupas
na máquina da louça, livros no forno. Outras coisas também. Mas no dia
em que a descobri no carro três quarteirões mais abaixo a chorar sobre o
volante porque não conseguia encontrar o caminho para casa, foi o
primeiro dia em que fiquei verdadeiramente assustado. E ela também
estava assustada, porque quando bati na janela, virou-se para mim e
disse, "Meu Deus, o que é que me está a acontecer? Por favor ajuda-me."
Senti um nó no estômago, mas não ousei pensar o pior.
Seis
dias mais tarde o médico viu-a e começou uma série de exames. Não os
entendia então e não os compreendo agora, mas suponho que seja porque
tenho medo de perceber. Demorou quase uma hora com o Dr. Barnwell, e
voltou lá no dia seguinte. Esse dia foi o mais longo que alguma vez
passei. Folheei revistas que não conseguia ler e joguei jogos em que não
pensava. Por fim ele chamou-nos aos dois ao consultório e mandou-nos
sentar. Ela dava-me o braço com confiança, mas recordo claramente que as
minhas próprias mãos estavam a tremer.
- Lamento muito ter que vos dizer isto - começou o Dr. Barnwell -, mas parece que está nos primeiros estágios da doença de Alzheimer...
A minha mente ficou em branco, e tudo o que podia pensar era na luz que brilhava por cima das nossas cabeças. As palavras ecoavam-me na cabeça: os primeiros estágios da doença de Alzheimer..
O mundo
rodava em círculos, e sentia o braço dela tenso a apertar o meu. Ela
sussurrou quase para si própria: "Oh, Noah... Noah ... "
E quando as lágrimas começaram a cair, a palavra veio até mim outra vez: ... Alzheimer...
É
uma doença estéril, tão vazia e sem vida como um deserto. É um ladrão
de corações e almas e memórias. Não sabia o que lhe dizer enquanto ela
me soluçava sobre o peito, por isso apenas a abracei e embalei para trás
e para diante."
O Diário da Nossa Paixão - Nicholas Spark
O Diário da Nossa Paixão - Nicholas Spark
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Diário de uma Paixão (The Notebook) é um filme baseado nesse livro.