Empresta-me as tuas memórias. Esqueci as minhas, no virar da vida, entre o tempo e o nada, num (quase) silêncio de quem já fui.
Conta-me
de ti e do amor que te tinha. Acende os meus olhos com a luz dos teus e
faz-me lembrar do tempo em que éramos felizes e estávamos juntos e eu
te falava da vida e do futuro e do sol que acorda a esperança em cada
manhã.
Aperta-me
a mão. Dá-lhe, de novo, a vontade de te acariciar o rosto, como se o
teu rosto fosse o meu ninho, a coragem de limpar as tuas lágrimas, a
habilidade de voltar a enfeitar de flores a tua mesa. Fala-me de que
as minhas mãos sabiam fazer, antes de me perder de mim. Explica-me como
nos aconchegávamos no nosso abraço e nos deixávamos levar a galope no
bater do nosso coração.
Empresta-me
as tuas memórias, meu amor. Diz o meu nome baixinho. Chama-me, outra
vez, mãe, pai, amigo, companheira. Mostra-me o mapa de nós. Pode ser que
assim…
Constrói
comigo a nossa casa, aquela onde fomos nós, na abrangência do que
éramos, corpo, espírito, vontade, futuro. Escreve comigo o dia de ontem,
a hora que acabou, o poema que não revimos, o romance que não
terminámos, o livro que ficou marcado numa página do meio.
Toca
a música daquele dia (qualquer um dos nossos dias), como se isso fosse o
último canto dos pássaros. Traz-me a tua voz. Preciso dela para me
ouvir. Há-de chegar; eu sei que há-de chegar.
Traz-me
a mim. Lembra-me o nome que a minha mãe me deu. Lembra-me a forma dos
sorrisos e dos sentires. Lembra-me de nós. E não me deixes cair na
tentação de te esquecer.
Abraça-me. Só um bocadinho. Diz-me que me amas, mesmo assim.
Não me lembro do teu nome. Mas nunca, nunca me deixes esquecer que moras dentro de mim.
A minha memória és tu.
(Graça Alves)