Poema
dedicado a minha mãe
Lembro-me perfeitamente dos tempos de
infância
De correr pelas campinas, apartar as
vacas
Brincar com meus irmãos, ir aos bailes
para namorar
O tempo passado me é o mais presente
Esse presente que são apenas borrões
Sei que fico agressiva, irritada
Repito as mesmas perguntas o tempo todo
Os que estão a minha volta também se
irritam
Não sei o que acontece comigo
Esforço-me para lembrar, mas não
consigo
Percebo minha fala estranha
Não consigo formular frases, nem as
mais banais
Por isso acho melhor ficar calada
Esqueço o chuveiro ligado, mas nem
sabia
Que tinha ido ao banheiro
Alguns rostos à minha frente não
consigo distinguir
Acho que são meus, mas não me lembro
Dizem que são meus filhos, meu marido
Mas eu não os acho na minha memória
São estranhos que brigam comigo
Meu andar já não é tão fácil como
nos tempos de juventude
Será que caí e me machuquei?
Não me lembro
Vejo os dias nascerem e partirem
E vou criando um mundo só meu
Pareço uma estranha diante de tantos
estranhos
Só queria que não brigassem comigo
Fico sozinha querendo entender as
coisas
E me disperso com tanta facilidade
Será que estou doente e não me dizem
nada
Ontem tentei comer um pãozinho sozinha
Mas as minhas mãos me traíram
Agora elas tremem e evito segurar as
coisas
Porque esses estranhos brigam comigo
Passo horas olhando o céu, existe
alguém lá
Mas não consigo me lembrar
Hoje eu ganhei um abraço, fiquei tão
feliz
Mas não sei quem é a moça
Ela diz que é minha filha
Mas eu não sei se tenho filhos
Fiquei com pena dela, coitada
Ela acha que eu sou a mãe
Vejo-me tão enrugada, acho que estou
velha
Mas nem sei que idade tenho
Será que já cheguei aos quarenta?
Perguntei isso outro dia e um
rapaz
Que eu nem conheço me chamou de vó
Achei
tão estranho...
( http://daalmaparaaescrita.blogspot.com.br/)