ALZHEIMER - SENTIMENTOS E EMOÇÕES DO CUIDADOR

terça-feira, 17 de outubro de 2017

A MENTE AMEAÇADA PELO ALZHEIMER

Postado por Artesanato Terapia às 05:51 Nenhum comentário:
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PROPOSTA DO BLOG

A partir dos diagnósticos de demência vascular e demência de ALZHEIMER de minha querida MÃE em 14/03/2013, tenho passado por longas e silenciosas METAMORFOSES em minha vida. De Servidora Pública de Carreira, Assistente Social, passei a assumir um novo papel, o de “CUIDADORA".

Um abismo abriu-se em minha volta. Várias perguntas ficaram sem respostas. Por que com a minha amada mãe? Muitas crises de choro, muita dor, depressão, impotência, revolta, ou seja, um somatório de sentimentos que somente quem convive com um portador de Doença de Alzheimer - DA, tem esta compreensão.

Após o choque inicial acompanhado de uma avalanche de sentimentos, busquei informações da DA, através de leituras médicas, artigos na Internet e visitas a vários blogs que tratam desta doença. Resolvi compartilhar os conhecimentos adquiridos, os sentimentos e as emoções enquanto CUIDADORA, com a criação deste blog. Não pretendo transformar em um "Diário de uma CUIDADORA".

A partir de então, o blog passou a funcionar como uma terapia, um divisor de águas em minha vida. É puro sentimento. Busquei colocar como categorias depoimentos, artigos, crônicas, poesias, vídeos, dentre outros, tendo em sua essência maior: DA, o CUIDADOR DE IDOSO e a VELHICE. Um novo olhar da velhice em seu somatório de trajetória de vida enquanto ser humano. As mudanças, as transformações operadas em cada pessoa, tanto no nível biológico, quanto no emocional e psicossocial.

Não poderia deixar de colocar a categoria de “Música”, tão importante em nossas vidas. A música altera nosso estado de espírito. O corpo reage às vibrações dos sons, despertando emoções que interferem no funcionamento de nosso organismo. Tudo na minha vida tem um fundo musical. A vida , as lembranças , os momentos de uma pessoa , não teriam sentido sem a música. Costumo , por exemplo , “afogar “ minhas mágoas ouvindo música. Ela alegra a alma, alivia o espírito, acalma , relaxa , e até mesmo serve como um combustível diário à medida que nos dá força e esperança para crer em dias melhores.

O abismo inicial foi substituído por uma fortaleza, claro que com muitas rachaduras, precisando diariamente de retoques para não desabar. Todos os procedimentos requeridos para o tratamento da doença foram tomados, um verdadeiro exército de profissionais: neurologista, psicólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, geriatra, etc. para o tratamento de minha amada mãe.

Infelizmente, mesmo com o avanço da medicina, a DA não tem cura. É uma constante evolução. Apesar de todo o acompanhamento de profissionais de saúde, bem como o tratamento medicamentoso/farmacológico, é imprescindível uma associação maior ao tratamento: o AMOR e o CUIDAR.

Tenho hoje um pouco de conhecimento da doença e os sentimentos e emoções vivenciados pelo CUIDADOR, em função da minha experiência no dia a dia, o que me leva a compartilhar com as pessoas que estão convivendo com esta realidade.

(Virgínia Célia)

Dor profunda

As mudanças em minha vida estão ocorrendo de forma tão acelerada, que muitas vezes não consigo processar toda esta avalanche de acontecimentos. As consequências são muitas vezes desastrosas, com reflexos na saúde e no próprio bem estar .É bastante visível a evolução da doença de minha amada mãe, com a perda cognitiva em múltiplos domínios: atenção, memória, linguagem, temporalidade e eventos recentes. Como isto é sofrido, é uma dor tão profunda, que muitas vezes tenho receio de não suportar"

(Virginia Celia)


O corpo fica e a essência vai-se embora ...

"Só quem conhece alguém que sofre com a Doença de Alzheimer é capaz de mensurar a dor que se sente ao perceber que aos poucos uma história vai sendo apagada, sem deixar vestígios. E isso não se trata de uma dor física, mas uma dor emocional, que toma conta da gente e nos deixa impotentes diante de uma situação tão difícil. Se fosse para resumir o que a Doença de Alzheimer representa, poderíamos dizer que somente o corpo fica e a essência vai-se embora!".

(Virgínia Célia)

"Uma pessoa com Alzheimer não pede nada além de uma mão para segurar, um coração que cuide dela e uma mente para pensar por ela quando não for mais capaz. Alguém para protegê-la à medida que entra em uma jornada não planejada, desconhecida e perigosa".

(Virgínia Célia)

"Os ventos que às vezes nos tira algo que amamos, são os mesmos que nos trazem algo que aprendemos a amar. " (Casimiro de Abreu)

O Mal de Alzheimer

“O Mal de Alzheimer é talvez a mais cruel das doenças. Destrói a capacidade de ter lembranças, destrói os laços afetivos mais profundos, como aqueles que, geralmente, unem mãe e filho, pai e filha por toda a vida. Preserva funções vitais, mas mata a vaidade, o orgulho, a memória e a capacidade de amar. Nos último estágio, destrói conhecimentos instintivos, como o de mastigar e engolir. O doente pode morrer de inanição, pois não sabe o que fazer com sua fome... Para os parentes, os filhos, a mulher, o marido, os netos, é como se o Mal de Alzheimer tivesse levado a pessoa amada e deixado sua carcaça, como a provar que a crueldade da vida não tem limites. Em vez de chorar seu morto à beira da sepultura, após um enterro digno e uma despedida emocionada, vai-se despedindo dele todos dias, a cada por do sol”

O CUIDADOR

"O contato íntimo e frequente com a dor e o sofrimento pode gerar tensão emocional crônica para o cuidador”. Todo aquele que cuida, também precisa se nutrir de cuidados e desenvolver recursos que o fortaleçam. “Os cuidadores devem investir no autoconhecimento, descobrir seus próprios limites, estabelecer pausas, dosar auto exigências e se permitir quaisquer e/ou pequenas alegrias, condizentes com seus sistemas de valores".

Doença de Alzheimer: superando com AMOR

“Solidariedade e carinho de parentes e familiares fazem a diferença para enfrentar os difíceis obstáculos impostos por esse distúrbio”. Ver uma pessoa amada “desaparecer” aos poucos até virar uma lembrança do que já foi, embora permaneça presente fisicamente, aprender a lidar com a enxurrada de sentimentos que isso traz e não permitir que essa situação destrua a vida de quem cuida do paciente, é a dura realidade da DA”.


Metamorfoses

Metamorfoses

O que importa ...

“O que importa na vida não é o ponto de partida, mas a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.” (Cora Coralina)

Perda de Memória

“Como é viver com uma memória que vai nos abandonando, primeiro, no registro dos fatos mais recentes, até que o passado se torne um vazio translúcido? A memória nos define. É com ela que construímos nossa identidade. Sem ela, não temos consciência de quem somos e a que mundo pertencemos. A perda de memória por conta do Alzheimer se afigura a um livro que se despedaça ao vento. A cada página que se vai arrancada, um evento ou um personagem desaparece para sempre. É um fenômeno inverso ao que alguns filósofos empiricistas acreditavam ser a mente: uma folha em branco que a experiência vai preenchendo. Com a Alzheimer, as palavras vão sumindo até que a mente volte a ser uma folha em branco. E morremos vivos sem reconhecer a nós mesmos”.

(Virgínia Célia)


Carta de um idoso com alzheimer ao seu cuidador


“Prezado Cuidador,

Lembre-se de que sou uma pessoa consciente, portadora de uma doença que compromete minha memória, minha linguagem e meu raciocínio. Por isso, ajude-me a aceitar a demência sem revolta e infelicidade. Não perca a paciência se eu pedir a mesma coisa por mais de uma vez. É a única maneira que tenho de dizer que eu não lembro o que falei antes.

Eu não sou deliberadamente teimoso, mau, ingrato ou desconfiado. A deterioração do meu cerébro faz com que eu me comporte diferente do que eu gostaria. Se eu tivesse um braço quebrado, você com certeza não ficaria irritado comigo por estar impossibilitado de fazer certas coisas, não é mesmo? Mas eu tenho um cérebro que está a cada dia se deteriorando. Então, não me culpe pelos efeitos que a doença de Alzheimer tem em minha habilidade de executar certas tarefas.

Eu não esqueço a finalidade de magoar, irritar, embaraçar ou confundir. A doença me faz confuso e desorientado. Nove de dez vezes você está certo em me lembrar de algo, vá em frente; por mais que eu demonstre constrangimento ou me aborreça. Eu sei que preciso que me lembrem de tudo.

Não tire todas as responsabilidades de mim. Eu estou vivo e quero estar incluído na sua vida e nas decisões que têm de ser tomadas. Não desista de mim. Me estimule sempre. Não solucione todos os meus obstáculos. Isto somente me faz perder os respeito por mim mesmo e por você. Não me repreenda ou discuta comigo. Isso pode fazer você se sentir melhor, mas só piora as coisas para mim; eu me reprimo mais e me afasto mais das pessoas com receio de errar sempre.
Não tenha vergonha de mim, não me esconda em casa. Leve-me para passear, ver o sol nascer, o jardim florido, as crianças na praça… eu posso até não entender o que estou fazendo nos lugares, mas com certeza SINTO. Com certeza, eu vejo a beleza do mundo que me cerca. Olhe-me nos olhos quando for falar comigo. Transmita-me paz e serenidade. Não fale de mim como seu eu não estivesse ali. Mantenha minha dignidade.

Não zombe de mim quando eu fizer minhas confissões; quando eu confundir os nomes dos filhos, do cônjuge, dos netos, o local onde estou, quando eu me perder dentro de minha própria casa. Lembre-se que eu preciso de ajuda e compreensão. Por isso, conheça a doença para poder entender o que eu passo e sinto.

Você poderá se sentir sozinho quando a doença avançar, mas saiba que não foi minha escolha ter demência. Por isso, não me abandone. A natureza da minha doença me faz mudar de personalidade. Quando estivermos reunidos e sem querer faça minhas necessidades fisiológicas, não fique com vergonha e compreenda que não tive culpa, pois já não posso controlá-las.

Não me reprima quando não quero tomar banho; não me chame a atenção por isto. Quando minhas pernas falharem para andar, dê-me sua mão terna para me apoiar. Não tenha vergonha, nem preconceito de mim. Afinal, eu não escolhi ter Alzheimer. Não fuja da realidade: eu tenho uma doença maligna. Não chore por mim, nem se deprima por ter que conviver com um demente. Não se sinta triste, enjoado ou impotente por me ver assim. Dê-me em seu coração, compreenda-me e me apóie.

Por último, quando algum dia me ouvir dizer que já não quero viver e só quero morrer, estiver em fase terminal e vegetal, não se enfades. Algum dia entenderás que isto não tem a ver com seu carinho ou o quanto te amei. Trate de compreender que já não vivo, senão sobrevivo, e isto não é viver.” (autor desconhecido)

"Cada marca no meu rosto é da longa caminhada que fiz em vida"

"Tenha sempre presente que a pele se enruga, o cabelo embranquece, os dias convertem-se em anos...Mas o que é importante não muda... a tua força e convicção não tem idade. O teu espírito é como qualquer teia de aranha. Atrás de cada linha de chegada, há uma de partida." [ Madre Teresa de Calcutá ]





Para sempre Alice

“Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente. Num amanhã próximo. Esquecerei que estive aqui diante de vocês e que fiz este discurso. Mas o simples fato de eu vir a esquecê-lo num amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele. Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância.”




" O mal...É não cuidar Bem!

Não sei o que se passa... Esqueço-me do hoje... Do agora... Acabei de fazer... Mas o que fiz?... Já não me lembro mais... Em minha mente... Lembranças antigas e distantes... Estranho... Porque me lembro?... Faz tanto tempo... Sonhos de uma vida errante... Cenas emocionantes... Confusa está minha mente... Realidade ou ficção... Vive agora meu coração... Mas... de repente!... Lá estou... Tão jovem bonito esperando ela!... Ela quem? O Meu Grande Amor... Depois estou aqui!...Onde estou?... Não me reconheço... Estava jovem até agora...

Agressivo eu fico... Inseguro estou... Já não compreendo... Já não sei quem sou... Agora sou criança... Ah como sou!... Quanta infância eu perdi... De meus amigos eu esqueci... E de mim... eles se esqueceram... Sou assim... pergunto por pessoas... que dizem não existirem mais... Mas como não!? ... Se eu conversei com ele ontem... Ou talvez não... Ah! quanta confusão... Meu passado está presente... Meu presente solidão...Tenha paciência comigo... Não me abandone não... Eu já não sei quem sou...

Pouco sei quem são... Mas... mesmo estando assim... ainda sou pra ti... quem eu sempre fui... Lembra de mim!... De quando "sã"... estava minha mente... Cuida de mim!... Não me abandone não... Sendo eu seu Pai... Amigo... Mãe ou Irmão... Não me deixe esquecido... em um canto qualquer... Não me prive de seu carinho... amor e atenção... Não me condenes... Por minha confusão... Lembre-se de Mim!... Ajude-me a lembrar de você... Por que em minha solidão... e estranha mente confusa... Ainda vejo flash de luz difusa... Que traz a mim... sua vaga lembrança... E ai.. quanta emoção!... Em meu velho coração... Nunca!!!... Se esqueça de mim... Não me abandone Não... Não me deixe preso... Em minha própria solidão...Texto Dedicado a todas as famílias... que possuem... Pessoas com Alzheimer... Reflita! Reflita... " O mal...É não cuidar Bem! " (By, Aisvelaus)

Carta de uma mãe para sua filha

“Minha querida menina, no dia que você perceber que estou envelhecendo, eu peço a você para ser paciente, mas acima de tudo, tentar entender pelo o que estarei passando.

Se quando conversarmos, eu repetir a mesma coisa dezenas de vezes, não me interrompa dizendo: “Você disse a mesma coisa um minuto atrás”. Apenas ouça, por favor. Tente se lembrar das vezes quando... você era uma criança e eu li a mesma história noite após noite até você dormir.

Quando eu não quiser tomar banho, não se zangue e não me encabule. Lembra de quando você era criança eu tinha que correr atrás de você dando desculpas e tentando colocar você no banho?

Quando você perceber que tenho dificuldades com novas tecnologias, me dê tempo para aprender e não me olhe daquele jeito...lembre-se, querida, de como eu pacientemente ensinei a você muitas coisas, como comer direito, vestir-se, arrumar seu cabelo e lidar com os problemas da vida todos os dias...o dia que você ver que estou envelhecendo, eu lhe peço para ser paciente, mas acima de tudo, tentar entender pelo o que estarei passando.

Se eu ocasionalmente me perder em uma conversa, dê-me tempo para lembrar e se eu não conseguir, não fique nervosa, impaciente ou arrogante. Apenas lembre-se, em seu coração, que a coisa mais importante para mim é estar com você.

E quando eu envelhecer e minhas pernas não me permitirem andar tão rápido quanto antes, me dê sua mão da mesma maneira que eu lhe ofereci a minha em seus primeiros passos.

Quando este dia chegar, não se sinta triste. Apenas fique comigo e me entenda, enquanto termino minha vida com amor. Eu vou adorar e agradecer pelo tempo e alegria que compartilhamos. Com um sorriso e o imenso amor que sempre tive por você, eu apenas quero dizer, eu te amo minha querida filha.” (autor desconhecido)

Esta fita de cor púrpura representa a Doença de Alzheimer.

Esta fita de cor púrpura representa a Doença de Alzheimer.

ALZHEIMER - A DESPEDIDA PARA O MUNDO DO NADA

"Este é o último dia de mim. O dia em que me despeço do que sou tentando carimbar com estas palavras todas as histórias, momentos, sorrisos que ainda cabem na memória do que fomos. Depois do meu segundo fim, esqueçam esta carta. Esqueçam o meu novo lugar. O amanhã é ainda uma porta que não sei muito bem o que está do outro lado.

Sei que num primeiro momento ficarei confusa e não perceberão porquê. Talvez nessa altura resmunguem comigo pela incompreensão do que me tornei e na tentativa vã de me resgatarem de uma viagem sem regresso.

Sei que depois irei esquecer-me de pequenas coisas. Não saberei mais como apertar os cordões destes sapatos ou como segurar nos talheres de um qualquer almoço de família. Nesse dia compreenderão que sou algo diferente do que conheceram. Serei levada a um médico e terão a notícia que hoje escrevo aqui – sou uma doente com Alzheimer.

Leio pela primeira vez este veredicto de não existência e é com dificuldade que me aceito num diagnóstico que vai arrancar tudo o que vive em mim. Serei resumida ao meu corpo, como se fosse uma morada sem destinatário. Tenho um bilhete para um mundo que a pouco e pouco fica mais pequeno. Um mundo carente de imagens, de cheiros, de significados e com sentimentos dispersos em flashes da minha história que a cada segundo ficam mais embaciados.

Sei que mais tarde me esquecerei do nome de todos, do meu nome. Assusto-me, quase morro quando pressinto o vosso sofrimento. Gostaria tanto de me lembrar do que fomos um dia. Ficaria tão feliz se as vossas palavras voltassem a ter eco em mim. Nesse dia será o meu primeiro fim. Se me esquecer de vocês não me lembrarei como é amar e quando não sentimos não existimos.

Sei que chegará o dia que estas etapas serão as vossas últimas lembranças de mim. Sei que um dia tudo o que escrevo agora será o vazio absoluto e serei um silêncio ensurdecedor permanente. Nesse dia as palavras, os sons, o mundo serão para mim como quando nos falam numa língua que não conhecemos.

Fecho muito os olhos. Imagino um lugar onde este nada em que me tornarei é menos penoso para quem estará aqui ao meu lado e já não verei. Um sítio onde os retalhos de uma vida cruzados com a tela branca em que se tornará a minha memória serão menos perigosos - estar aprisionado num corpo que já não sabemos nosso é um risco constante.

Olhamos para o espelho e temos medo da pessoa que o reflexo nos devolve. Caminhamos e não nos lembramos da rua onde moramos nem conhecemos o café onde passámos tantas vezes. Tememos o que gostávamos, uma simples festa de família torna-se numa confusão tão grande que só queremos fugir. Vemos uma janela ou uma varanda e não sabemos como nos proteger.

Entrar num lugar sem memória é ter medo de tudo o que nos rodeia. É fugir de tudo, até daqueles que amamos. Estas novidades exigem mudanças. O lugar que falo não tem janelas ou varandas abertas ou espelhos. Tem caminhos, labirintos sem fim para que possa passear e não me perca. Tem uma rotina que não se quebra com barulhos até aqui conhecidos mas que de repente são um susto que não sei ultrapassar.

Nesse lugar há outros filhos e netos que conversam com os meus sobre os seus receios, sobre como é estarem com o meu corpo comigo ausente, como é amarem alguém que já não está cá, que não sorri quando chegam e grita sem sentido. Há médicos e psicólogos que escutam toda a dor dos meus familiares e os ajudam a preencher este meu novo lugar e a aceitar este meu novo Eu.

Há planos criados entre as famílias e os técnicos que apaziguam a fúria, a minha inexpressão, as perguntas que me perseguem e nem me apercebo. Nesse lugar há a compreensão da minha ausência e do diagnóstico que serve como aviso do meu segundo fim. Nesse lugar aquilo que sou hoje fica guardado entre as fotografias, as histórias que eternizei em bilhetes, postais.

Se um dia encontrar esta carta não saberei que foi com esta caneta, neste papel e com a minha mão que foi redigida. Não reconhecerei a caligrafia que aparece em todos os documentos com o meu nome. Quando vocês a lerem já não encontrarão o que fui num rosto cravado de um nada que roubou a lucidez.

Olhem para mim, reconheçam-me em tudo o que ficou guardado nas gavetas do meu passado, da memória que têm de mim quando sabia tudo sobre vocês e vos contava a nossa história. Depois do meu segundo fim, esqueçam esta carta.

Esqueçam o meu novo lugar. Esqueçam o corpo ausente que me transportou nos últimos anos. Lembrem-se apenas de tudo o que vivemos até ao minuto em que escrevi a primeira palavra desta carta".
(Liliana Trigueiros)

Colcha de Retalhos

Colcha de Retalhos

" Já não sei quem sou, nem me lembro de quem fui...

Na tela da minha memória apenas resquícios de um passado remoto, mas que pra mim, hoje, é meu presente...

É como se o relógio do tempo tivesse parado ali ou lá, já não sei, eternizando apenas uma fração da minha existência. Minha infância, talvez, ou minha mocidade, sabe-se lá...quem poderá compreender a incógnita da minha memória, que se esvai como a água que corre para o ralo?

Não há como deter qualquer tipo de informação, ou imagem, ou lembrança, ou sentimento...nada! No minuto seguinte se foi, se apagou sem deixar rastro.

Meu olhar se perde no vazio, minha vitalidade dá lugar à lentidão, meu vocabulário se escasseia dia-a-dia e falo coisas sem pé nem cabeça com tanta naturalidade, como se tivesse algum sentido ou lógica.

Todos os rostos que vejo têm a mesma identidade. A daquela pessoa cuja imagem e o nome ficaram gravados na minha memória. Ela é meu elo de ligação com o que fui e a minha atual realidade. É meu porto seguro, minha referência. Com ela, e só com ela, troco carícias e confidências, mesmo que ininteligíveis.

Vivo aqui, vivo lá, vivo acolá...tenho meu próprio universo. Tenho meus amigos imaginários (ou não) e teço com eles as tramas do meu enredo como uma colcha de retalhos. Fragmentos do que fui e sou, lembranças em desalinho, nenhuma conexão.

Nos lampejos de consciência, cada vez menos frequentes, sinto saudades de mim mesma e de tudo que deixei para trás... minha família, meus filhos e netos, meu bichinho de estimação, meu trabalho, tudo enfim! Sinto saudades da minha vida, saúde, eloquência, viço, lucidez...

Mas o jogo da minha vida tem cartas marcadas e o final sabemos bem... Ganho eu, ganha você, porque não desperdiçamos a oportunidade de crescimento que nos foi dada nesta existência. Um dia, tenho certeza, nos reencontraremos em algum lugar e vamos reunir todos os retalhos da colcha que tecemos, rir e chorar de nossas lembranças e finalmente daremos ,juntas, o ponto final que nos libertará". ( Crônicas da Vida).

Alzheimer

Ruiu a ponte gasta

que me levava à outra margem

e nenhum barco avisto

deste lado do silêncio.

O dia fecha-se num ocaso salino

e a luz desvanece-se

num voo de sombras perdidas

sobre o leito seco da memória.

Como uma estrela decadente

atraída pelo buraco negro do vazio

tombo no fundo cego

de um alçapão de névoas.

Não sei já quem sou

ou aquilo que algum dia fui.

Tudo se desvanece dentro de mim

numa maré de poeira e esquecimento.

Não reconheço nenhum destes vultos

que murmuram nos véus da penumbra

nem o brilho anónimo e distante

dos olhares que se confundem

numa metamorfose de rostos sem feições.

Confuso, vacilo na retina enferrujada

de um labirinto de fantasmas

mendigando o sol exilado

de velhas lembranças que me pertenceram.

Órfão de um passado sem retorno

persigo o cortejo de sombras

nas paredes caiadas de escuridão

por entre a luz que me resta

e ecos que o vento, ocasionalmente,

traz do outro lado da margem

onde completamente me perdi

à procura de mim.

(http://saboreamo-nos.blogspot.com.br)


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