sábado, 3 de agosto de 2013

AOS MEUS OLHOS: A VELHICE


Realmente é o tempo que faz as canções valerem a pena. Sou uma cortesã da velhice; uma amante embriagada das rugas e das mãos trêmulas; uma cortejadora dos olhos saudosos e profundos que só o passar do tempo pode proporcionar.

Na velhice se tem menos vitalidade, mas se tem mais vida. Tem menos novidades, mas se tem mais sabedoria - sabe o velho que novidades são andorinhas de veraneios e sabedoria águia de todas as estações.

Um dia, um senhor chamado Antônio, morador do Lar de Idosos, disse-me que mesmo ali a vida valia o viver; que todas às vezes que via o sol se pôr, seu coração lhe trazia uma graça. Quando, ignorante de mim mesma, perguntei o porquê, ele me respondeu que no seu tempo pode-se apreciar o sol e aceitar o que ele traz. Poucos ensinamentos tocaram tão fundos o meu ser. Aceitar o que o sol nos traz é uma dádiva de compreensão infinita.

A velhice – quando não renegada em seu esplendor – é a aurora do completo e bom entendimento. Os olhos já estão aptos a ver as cores, por isso, pode-se melhor apreciar a aquarela dos espaços. O coração, embora muitas vezes calejado, já se mede em grande extensão, já se faz capaz de aceitar com menos sangue o latejo e com mais calmaria a angústia. As mãos, trêmulas não por desequilíbrio, mas por palpitar a dança da vida, reconhecem o apreço do toque e a nobreza da pele de um bem amado. E se as costas são curvadas é porque aprendeu com a relva a se abaixar para que as tempestades passem; e seus passos poderão dizer que sobreviveu a todas elas.

Sei que não se pode dizer que um ancião é sábio ou virtuoso devido aos anos, porém, penso que se pode dizer que é sábio e virtuoso àquele que se sabe ancião.

Quem bem aproveita dessa estação da vida, jamais poderá provar da morte sem ter plantado flores no coração dos vindouros, sem ter colhido amoras frescas de lábios admirados, sem ter feito poesia junto às estrelas, tornando-as ainda mais reluzentes. Quem comunga da experiência dos anos também comunga do firmamento. Lá, bem dentro dos seus úmidos olhos, há uma prece bendita para a sua própria alma, para a sua idéia de cosmos, para a sua morada bem decorada e reminiscente.

Há quem julgue que a minha juventude enfeita a velhice; que seja. Só sei que é nela que o Belo melhor se expressa para mim. É nos contornos da pele pálida e flácida de um velho que percebo a natureza do Tempo e sua indelével razão.

Fernando Pessoa se questiona qual a sede da alma. Tive uma boa e inesperada resposta de uma vizinha de 81 anos: “a alma tem sede de não sentir o tempo, mas usá-lo para seus sentidos”. Bem sabemos que os sentidos da alma não são os mesmos enganosos sentidos físicos, mas sim àqueles que nos fazem silenciar frente o esplendor de uma nascente ou à alvura de um amanhecer; diante ao choro de protesto ou emoção de um recém-nascido; ou mesmo quando nos deparamos conosco e vemos que crescemos alguns centímetros em nosso próprio coração. Na velhice, a fonte que se mata a sede é ainda maior. Realmente, penso que a minha vizinha tem razão, a alma tem sede de sentido para o Tempo.

E embora o mar seja grande e a vida seja breve, o velho marujo sabe bem aproveitar o recuo e o avanço das ondas, consciente que não poderá acrescentar mais dias a sua vida, mas pode dar mais vida aos seus dias.

Se a minha velhice chegar, que ela me venha velha em totalidade e rejuvenescida em descobertas; mas se me escapar, saiba ela que a amei sem prová-la, como o poeta que não viverá para ver seus versos nos lábios do próprio filho; como a amante árdua que nunca provou o gélido beijo do amado, como a gota de chuva transparente caindo no inverno, ansiosa para se ver branca, e derretida por um lampejo de sol.
(Escrito por Daniella Paula Oliveira)

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