Realmente é o tempo que faz as
canções valerem a pena. Sou uma cortesã da velhice; uma amante embriagada das
rugas e das mãos trêmulas; uma cortejadora dos olhos saudosos e profundos que
só o passar do tempo pode proporcionar.
Na velhice se tem menos
vitalidade, mas se tem mais vida. Tem menos novidades, mas se tem mais
sabedoria - sabe o velho que novidades são andorinhas de veraneios e sabedoria
águia de todas as estações.
Um dia, um senhor chamado
Antônio, morador do Lar de Idosos, disse-me que mesmo ali a vida valia o viver;
que todas às vezes que via o sol se pôr, seu coração lhe trazia uma graça.
Quando, ignorante de mim mesma, perguntei o porquê, ele me respondeu que no seu
tempo pode-se apreciar o sol e aceitar o que ele traz. Poucos ensinamentos
tocaram tão fundos o meu ser. Aceitar o que o sol nos traz é uma dádiva de
compreensão infinita.
A velhice – quando não renegada
em seu esplendor – é a aurora do completo e bom entendimento. Os olhos já estão
aptos a ver as cores, por isso, pode-se melhor apreciar a aquarela dos espaços.
O coração, embora muitas vezes calejado, já se mede em grande extensão, já se
faz capaz de aceitar com menos sangue o latejo e com mais calmaria a angústia.
As mãos, trêmulas não por desequilíbrio, mas por palpitar a dança da vida,
reconhecem o apreço do toque e a nobreza da pele de um bem amado. E se as
costas são curvadas é porque aprendeu com a relva a se abaixar para que as tempestades
passem; e seus passos poderão dizer que sobreviveu a todas elas.
Sei que não se pode dizer que um
ancião é sábio ou virtuoso devido aos anos, porém, penso que se pode dizer que
é sábio e virtuoso àquele que se sabe ancião.
Quem bem aproveita dessa estação
da vida, jamais poderá provar da morte sem ter plantado flores no coração dos
vindouros, sem ter colhido amoras frescas de lábios admirados, sem ter feito
poesia junto às estrelas, tornando-as ainda mais reluzentes. Quem comunga da
experiência dos anos também comunga do firmamento. Lá, bem dentro dos seus
úmidos olhos, há uma prece bendita para a sua própria alma, para a sua idéia de
cosmos, para a sua morada bem decorada e reminiscente.
Há quem julgue que a minha
juventude enfeita a velhice; que seja. Só sei que é nela que o Belo melhor se
expressa para mim. É nos contornos da pele pálida e flácida de um velho que
percebo a natureza do Tempo e sua indelével razão.
Fernando Pessoa se questiona qual
a sede da alma. Tive uma boa e inesperada resposta de uma vizinha de 81 anos:
“a alma tem sede de não sentir o tempo, mas usá-lo para seus sentidos”. Bem
sabemos que os sentidos da alma não são os mesmos enganosos sentidos físicos,
mas sim àqueles que nos fazem silenciar frente o esplendor de uma nascente ou à
alvura de um amanhecer; diante ao choro de protesto ou emoção de um
recém-nascido; ou mesmo quando nos deparamos conosco e vemos que crescemos
alguns centímetros em nosso próprio coração. Na velhice, a fonte que se mata a
sede é ainda maior. Realmente, penso que a minha vizinha tem razão, a alma tem
sede de sentido para o Tempo.
E embora o mar seja grande e a
vida seja breve, o velho marujo sabe bem aproveitar o recuo e o avanço das
ondas, consciente que não poderá acrescentar mais dias a sua vida, mas pode dar
mais vida aos seus dias.
Se a minha velhice chegar, que
ela me venha velha em totalidade e rejuvenescida em descobertas; mas se me
escapar, saiba ela que a amei sem prová-la, como o poeta que não viverá para
ver seus versos nos lábios do próprio filho; como a amante árdua que nunca
provou o gélido beijo do amado, como a gota de chuva transparente caindo no
inverno, ansiosa para se ver branca, e derretida por um lampejo de sol.
(Escrito por Daniella Paula
Oliveira)
www.pagina20online.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário