Desde o anuncio do diagnóstico de Alzheimer em minha amada mãe, tenho passado por transformações de vida de tal forma, que gostaria de compartilhar a minha experiência com as pessoas que convivem com o portador de DA, as mudanças ocorridas durante esta minha trajetória.
Inicialmente um "caos
" generalizado, sem saber como lidar com esta nova situação.
Depressão, raiva, revolta, impotência, dentre muitos sentimentos
negativos.
Como ponto de partida,
procurei pesquisar tudo relacionado a doença. Criei o Blog
"Alzheimer: sentimentos e emoções do cuidador",
que com o tempo foi se transformando num "divisor de águas em
minha vida”. Quanto conhecimento adquirido, quantos depoimentos
sofridos, quantas dores compartilhadas.
Tomei logo de início ,
uma atitude que até então achava a mais correta: a de
abandonar tudo e dedicar-me integralmente a minha amada mãe.
Deixei de ser Servidora Pública , para uma nova profissão, a de
cuidadora.
Com o tempo, fui passando por um processo tão grande de depressão e tristeza, que estava tirando todas as minhas forças. Estava em um processo de "adoecimento", até então desconhecido. As transformações ocorridas não somente no aspecto emocional, como também com o meu próprio corpo, considerando um aumento de peso de 10 k. Estava mergulhada em um poço profundo de tristeza.
Não podia mais continuar
assim. Procurei o neurologista que acompanha minha amada mãe e em
uma consulta relatei todas as minhas angústias e meu processo de
"adoecimento". Tive a partir daí, de
repensar as minhas atitudes. Tinha que buscar o meu "eu"
perdido neste caos provocado pela DA.
Passei a tomar anti-depressivos, que tem me ajudado muito, entrei em uma academia, onde já perdi 06k, voltei a olhar no espelho, voltei a cuidar de mim. Tinha que estar bem para cuidar de minha amada mãe.
O caos inicial foi aos
poucos transformando-se em aceitação, serenidade e uma paz
interior. Sei que tinha que passar por todo este sofrimento, para
então com um novo olhar, uma nova fortaleza, mesmo cheia de
rachaduras, continuar dando amor e atenção a minha amada
mãe.
Claro que ainda tenho muitos momentos de tristezas, muitos conflitos familiares, muitos choros incontidos, mais tenho um amor que brota cada dia mais no meu coração, e a certeza de um"Deus" maior em minha vida.Vou a cada dia, superando os obstáculos.
Uma outra atitude foi tirar pelo menos 01 dia na semana para "Virginia", onde procuro realizar coisas que gosto, tipo: idas ao shopping, cinemas, restaurantes, leituras, ouvir musicas, dentre outras alternativas prazerosas.
A mudança mais
importante, foi o retorno ao trabalho, apenas 04 horas, voltei a
produzir, voltei a ter contatos com várias pessoas no dia a dia .
Foi uma renovação em minha vida.
Hoje "estou bem", continuo dando total assistência à minha amada mãe. Como é grande o nosso amor, a nossa cumplicidade. Sinto-me mais leve, consigo sorrir, brincar, e cantarolar com minha amada mãe .
A doença em evolução
rápida. Comprometimento motor. O “aqui e agora”, não mais
existe. Quanto ao passado, ainda preserva algumas lembranças.
Repetitiva em demasia. Olhar parado. Dificuldades de expressão.
Esquece as refeições, e com muita ansiedade solicida comer varias
vezes ao dia. É o alzheimer invadindo todo o ser de minha
amada mãe. Contratei uma "cuidadora"
durante o período noturno, o que foi aceita por ela, sem contar com toda a equipe de saúde, cardiologista, geriatra, endocrinologista, neurologista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, dentre outros.
Como estava muito cansada
e continuando o meu processo de mudanças, optei por fazer uma viagem
para Buenos Aires, como foi maravilhoso, senti-me como nunca "viva".
Por que estou a relatar
tudo isso? Para mostrar que precisamos estar bem, precisamos
continuar a "viver", precisamos aceitar a
evolução da doença, uma vez que não existe a cura.
Acredito que o melhor remédio para o tratamento, não é apenas o medicamentoso. O mais importante é o amor, carinho, atenção e paciência.
O amor que
muitos dizem não conhecer, já o praticam nas mais variadas formas,
porque amar, não é apenas dizer “Eu te amo” de forma
automatizada, sem sentimento e de maneira irrefletida. É
transparecer na expressão de uma emoção ou de um ato como um
olhar, um abraço, um beijo, um aperto de mão, que representa muito
mais que mil palavras. Logo, o amor é ação, é atitude, é
a alegria de viver, não só para o cuidador, mas para o doente
também. E, ao estarmos cuidando, amparando, sendo os
”interpretadores” das suas necessidades, estamos
praticando, sem esforço, o amor verdadeiro e, melhor, sem nos darmos
conta que estamos nos deixando amar pelo nosso próximo e por Deus.
Paciência,
a faceta mais exigida e mais presente na vida de quem cuida, acaba se
tornando virtude em algumas pessoas. Só que não é simples
assim, é necessário que aceitemos o outro, o seu sofrimento, a sua
dor e passemos a entender o que se passa em seu interior, permitindo
que ele se expresse, mude, tenha uma chance para demonstrar que está
feliz conosco.
Nesse exercício da
paciência, só conseguimos êxito se tivermos a humildade de sairmos
de nosso casulo e sentirmos ou vivenciarmos o que o outro está
sentindo. Temos que aprender a aceitar as imperfeições dos outros,
pois também somos pessoas dotadas de imperfeições; temos que
alavancar o espírito positivo do nosso semelhante e nunca julgar ou
condenar pelos seus atos.
O perdão, outra faceta do amor que muitos dizem ser única e exclusivamente de Deus, pois é uma das mais difíceis, se não a mais difícil, porque exige do ser humano a chance de melhorar, de encontrar a paz interior e a sua saúde espiritual. Dizem que o perdão nos livra de doenças, de sentimentos destrutivos que não nos fazem bem. Muitas vezes, ele parece mesmo ser intransponível, principalmente, a quem já sofreu maus tratos.
O cuidador precisa
entender que, no estágio em que se encontra o doente, este já não
se lembra do que fez, apenas sente se é amado. A escolha deve ser
nossa, porque quem perdoa faz bem a si próprio, reata o amor e
encontra a alegria de viver.
Enfim, é o mergulhar
neste mundo desconhecido e aproveitar cada momento, pois sabemos que
o Alzheimer tira além da dignidade do doente, rouba também a alma,
o sentimento, tornando-se um ser vazio, esquecido de tudo e de todos.
Portanto, vamos aproveitar os últimos resquícios de lucidez da
pessoa amada, antes de tornar-se um ser inerte e vegetativo .
Hoje estou bem ...
Como te amo, amada mãe.