quinta-feira, 25 de junho de 2015

REALIDADE - "DE VOLTA A VIDA"


Desde o anuncio do diagnóstico de Alzheimer em minha amada mãe, tenho passado por transformações de vida de tal forma, que gostaria de compartilhar a minha experiência com as pessoas que convivem com o portador de DA, as mudanças ocorridas durante esta minha trajetória.

Inicialmente um "caos " generalizado, sem saber como lidar com esta nova situação. Depressão, raiva, revolta, impotência, dentre muitos sentimentos negativos.

Como ponto de partida, procurei pesquisar tudo relacionado a doença. Criei o Blog "Alzheimer: sentimentos e emoções do cuidador", que com o tempo foi se transformando num "divisor de águas em minha vida”. Quanto conhecimento adquirido, quantos depoimentos sofridos, quantas dores compartilhadas.

Tomei logo de início , uma atitude que até então achava a mais correta: a de abandonar tudo e dedicar-me integralmente a minha amada mãe. Deixei de ser Servidora Pública , para uma nova profissão, a de cuidadora.

Com o tempo, fui passando por um processo tão grande de depressão e tristeza, que estava tirando todas as minhas forças. Estava em um processo de "adoecimento", até então desconhecido. As transformações ocorridas não somente no aspecto emocional, como também com o meu próprio corpo, considerando um aumento de peso de 10 k. Estava mergulhada em um poço profundo de tristeza.

Não podia mais continuar assim. Procurei o neurologista que acompanha minha amada mãe e em uma consulta relatei todas as minhas angústias e meu processo de "adoecimento". Tive a partir daí, de repensar as minhas atitudes. Tinha que buscar o meu "eu" perdido neste caos provocado pela DA.

Passei a tomar anti-depressivos, que tem me ajudado muito, entrei em uma academia, onde já perdi 06k, voltei a olhar no espelho, voltei a cuidar de mim. Tinha que estar bem para cuidar de minha amada mãe.

O caos inicial foi aos poucos transformando-se em aceitação, serenidade e uma paz interior. Sei que tinha que passar por todo este sofrimento, para então com um novo olhar, uma nova fortaleza, mesmo cheia de rachaduras, continuar dando amor e atenção a minha amada mãe.

Claro que ainda tenho muitos momentos de tristezas, muitos conflitos familiares, muitos choros incontidos, mais tenho um amor que brota cada dia mais no meu coração, e a certeza de um"Deus" maior em minha vida.Vou a cada dia, superando os obstáculos.

Uma outra atitude foi tirar pelo menos 01 dia na semana para "Virginia", onde procuro realizar coisas que gosto, tipo: idas ao shopping, cinemas, restaurantes, leituras, ouvir musicas, dentre outras alternativas prazerosas.

A mudança mais importante, foi o retorno ao trabalho, apenas 04 horas, voltei a produzir, voltei a ter contatos com várias pessoas no dia a dia . Foi uma renovação em minha vida. 
 
Hoje "estou bem", continuo dando total assistência à minha amada mãe. Como é grande o nosso amor, a nossa cumplicidade. Sinto-me mais leve, consigo sorrir, brincar, e cantarolar com minha amada mãe .

A doença em evolução rápida. Comprometimento motor. O “aqui e agora”, não mais existe. Quanto ao passado, ainda preserva algumas lembranças. Repetitiva em demasia. Olhar parado. Dificuldades de expressão. Esquece as refeições, e com muita ansiedade solicida comer varias vezes ao dia. É o alzheimer invadindo todo o ser de minha amada mãe. Contratei uma "cuidadora" durante o período noturno, o que foi aceita por ela, sem contar com toda a equipe de saúde, cardiologista, geriatra, endocrinologista, neurologista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, dentre outros.

Como estava muito cansada e continuando o meu processo de mudanças, optei por fazer uma viagem para Buenos Aires, como foi maravilhoso, senti-me como nunca "viva".

Por que estou a relatar tudo isso? Para mostrar que precisamos estar bem, precisamos continuar a "viver", precisamos aceitar a evolução da doença, uma vez que não existe a cura.

Acredito que o melhor remédio para o tratamento, não é apenas o medicamentoso. O mais importante é o amor, carinho, atenção e paciência.

O amor que muitos dizem não conhecer, já o praticam nas mais variadas formas, porque amar, não é apenas dizer “Eu te amo” de forma automatizada, sem sentimento e de maneira irrefletida. É transparecer na expressão de uma emoção ou de um ato como um olhar, um abraço, um beijo, um aperto de mão, que representa muito mais que mil palavras. Logo, o amor é ação, é atitude, é a alegria de viver, não só para o cuidador, mas para o doente também. E, ao estarmos cuidando, amparando, sendo os ”interpretadores” das suas necessidades, estamos praticando, sem esforço, o amor verdadeiro e, melhor, sem nos darmos conta que estamos nos deixando amar pelo nosso próximo e por Deus.

Paciência, a faceta mais exigida e mais presente na vida de quem cuida, acaba se tornando virtude em algumas pessoas. Só que não é simples assim, é necessário que aceitemos o outro, o seu sofrimento, a sua dor e passemos a entender o que se passa em seu interior, permitindo que ele se expresse, mude, tenha uma chance para demonstrar que está feliz conosco.

Nesse exercício da paciência, só conseguimos êxito se tivermos a humildade de sairmos de nosso casulo e sentirmos ou vivenciarmos o que o outro está sentindo. Temos que aprender a aceitar as imperfeições dos outros, pois também somos pessoas dotadas de imperfeições; temos que alavancar o espírito positivo do nosso semelhante e nunca julgar ou condenar pelos seus atos.

O perdão, outra faceta do amor que muitos dizem ser única e exclusivamente de Deus, pois é uma das mais difíceis, se não a mais difícil, porque exige do ser humano a chance de melhorar, de encontrar a paz interior e a sua saúde espiritual. Dizem que o perdão nos livra de doenças, de sentimentos destrutivos que não nos fazem bem. Muitas vezes, ele parece mesmo ser intransponível, principalmente, a quem já sofreu maus tratos.

O cuidador precisa entender que, no estágio em que se encontra o doente, este já não se lembra do que fez, apenas sente se é amado. A escolha deve ser nossa, porque quem perdoa faz bem a si próprio, reata o amor e encontra a alegria de viver.

Enfim, é o mergulhar neste mundo desconhecido e aproveitar cada momento, pois sabemos que o Alzheimer tira além da dignidade do doente, rouba também a alma, o sentimento, tornando-se um ser vazio, esquecido de tudo e de todos. Portanto, vamos aproveitar os últimos resquícios de lucidez da pessoa amada, antes de tornar-se um ser inerte e vegetativo .

Hoje estou bem ...
Como te amo, amada mãe.

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