"Pus-me a observar aquele jardineiro que tanto podava
os arbustos do meu jardim. A cada nova semana, utilizava-se de um
diferente modelo de tesoura de poda, dentre outros recursos de
trabalho, a fim de esboçar o formato das minhas plantas e
modificá-las de acordo com a rigidez dos galhos que, eventualmente,
impediam-nas de prosseguir. Depois dos seus cuidados, de modo
surpreendente, quase todas as plantas permaneciam sempre um tanto
diferentes das vezes anteriores em que passavam pelas mãos do
jardineiro. Todas elas mostravam-se exuberantes em sua essência,
dançando formosamente sob o sopro do vento depois de delineadas.
Algumas não eram tocadas, porque este dizia que ainda não estavam
prontas para serem modificadas assim, tão repentinamente, e que o
simples podar de um ramo poderia ser suficientemente capaz de fazer
com que as pequenas plantas sofressem em demasia. O jardineiro
afirmava, com destreza, que as plantas deveriam estar preparadas para
assumirem as mudanças que lhes seriam anunciadas, cada uma ao seu
tempo. Pus-me, então, a imaginar: quem é o jardineiro se não
aquele que cultiva as suas próprias plantas e rega as suas próprias
flores? Quem é o jardineiro se não aquele que cuida do seu próprio
jardim? O jardineiro da alma. Também um terapeuta. Um Mestre.
Quanto a mim, permanecia debruçada sob a varanda da
minha existência, contemplando o movimento da graça divina
promovido pelo jardineiro, que me convidava a aproximar-me dos
abismos e ladeiras do meu terreno para aprender a caminhar por eles
livremente dali um tempo, no meu tempo. Compreendi que este seria o
convite para o despertar do meu Eu, o despertar para o Sagrado. E
enquanto a perspectiva do meu processo de viver estava sendo bordada,
o jardineiro também seguia com os seus trabalhos. Ele sabia como
arrancar delicadamente as ervas daninhas que apareciam em meio às
belas flores do meu quintal, deixando aquele solo tão fértil e
capaz de fecundar até as sementes mais sedentas pela água da chuva
que acabavam caindo ao chão. O modo como adubava o solo do meu
jardim, misturando os nutrientes em terra para, dali um tempo,
plantar as sementes do que ainda virá; a habilidade com que
rastelava as minhas plantações, colhendo as sementes das flores que
ainda não haviam tido a oportunidade de germinar; o cuidado com que
selecionava os grãos mais adaptativos da vida para introduzi-los ao
solo do meu jardim; tudo isso colocava à disposição a
incontestável performance do jardineiro na execução dos seus
serviços. E embora o seu trabalho fosse admirável, o jardineiro era
alguém que não buscava por discípulos, mas guardava no seu coração
uma experiência que desejava partilhar. Por isso, convidou-me a
adentrar no meu próprio jardim para conhecê-lo a cada estação da
vida. Seria preciso saboreá-lo, dizia o Mestre.
O seu conhecimento era tamanho, porque antes mesmo
de manejar junto aos quintais alheios, buscava conhecer tudo sobre o
seu próprio jardim. O jardineiro o havia experimentado. Dizia também
que é preciso ter muito cuidado ao ser convidado para visitar o
jardim do outro, já que a diversidade de plantas encontrada faz com
que os caminhos a serem percorridos para a poda sejam desconhecidos
e, ocasionalmente, confusos. É necessário ter muita sensibilidade
para com as suas plantas, e aprender a manuseá-las, por vezes,
pressupõe esforços. Depois do jardineiro, concluí que os bons
profissionais conhecem vários jardins, mas, para isto, houve a
necessidade de fazerem experiências no seu próprio, conhecê-lo
intimamente nas suas fragilidades e superações. Para que se
apresentassem capacitados a penetrar ao solo alheio e realizarem os
tratos culturais que se fizessem importantes, antes precisaram sentir
a inconstância arenosa do seu próprio terreno.
E assim como o jardineiro precisa de conhecimento e
técnica para adentrar ao jardim do outro e dar início à poda das
plantas que se encontram, aparentemente, sem forma, estando disposto
também a conhecer cada espécie entremeio à variedade vegetativa
que lhe é apresentada; o terapeuta necessita atenção e, ao mesmo
tempo, sensibilidade para compreender a diversidade daquele que se
apresenta diante de si. Além disso, coragem para intervir nos porões
mais obscuros e sombrios da alma humana. Assim como é necessário
que o jardineiro tenha cautela ao desfazer os emaranhados causados
pelas plantas trepadeiras sob as demais espécies arbóreas; é
preciso cuidado, por parte do terapeuta, com o desenlaçar dos nós
da mente daquele que se encontra perdido na bagunça da sua
existência. O terapeuta é também um jardineiro. Pode fazer florir
toda uma vida. É o jardineiro da alma. E pode convidar o outro para
o despertar de si mesmo, atravessando o seu próprio jardim e
conhecendo-o na escuridão e na luz que ele apresenta. É também um
Mestre.
Lembrar-se-á que aquele que cuida também precisa
ser cuidado. Ninguém disse que o jardineiro nunca poderá se ferir
ao mexer nos roseirais dos jardins alheios. É necessária precaução
para que os espinhos escondidos entre os galhos das rosas mais
aveludadas não sejam suficientemente capazes de feri-lo. Do mesmo
modo, o terapeuta precisa tomar conta da sua saúde psíquica,
permitindo-se ser cuidado por um jardineiro da alma, assim como ele
mesmo o é para alguém. Afinal, tudo que traz benefícios também
apresenta custos. E a dor vem do custo do compromisso de amar. Já ao
nível elementar do contágio emocional a tarefa de cuidar se torna
custosa, expondo o cuidador a estados de tensão e estresse, e
mobilizando o seu organismo a preparar-se para a ação, resultando
em desgaste físico e psíquico.
É preciso
que o terapeuta perceba que cuidar significa mais que um ato, mas uma
atitude, abrangendo fatores que seguem muito além dos momentos de
atenção, zelo e desvelo, mas representa condutas relacionadas à
preocupação, responsabilização e ao envolvimento afetivo com o
outro (Leonard Boff)). Amar solicita cuidado. Cuidar requer
comprometimento. E o compromisso de amparar e socorrer demanda que o
profissional cuide, anteriormente, de si mesmo. Afinal, o terapeuta é
aquele quem cuida do jardim para o cultivo e pleno florescimento do
ser humano. É o Mestre que promove a graça para que aconteça o
despertar do Ser por ele mesmo numa busca constante em direção à
plenitude. E a graça é a beleza que se dá, a rosa que desabrocha."(Franciele Sassi)
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