sábado, 25 de julho de 2015

UM ACERTO DE CONTAS

 Uso de certos soníferos e tranquilizantes por longos períodos pode aumentar o risco de se desenvolver o Mal de Alzheimer"Um dia, peguei uma revista americana para folhear, mas não consegui abri-la. Meus olhos se prenderam à fotografia da capa e ali ficaram, hipnotizados. Era uma foto em close de um lobo ou cão de pêlo escuro, com os dentes à mostra e os olhos arregalados. Embora o título ao pé da foto dissesse Anatomia do medo, para mim aquela imagem não era a tradução do medo – mas sim de outro sentimento, poderoso e destruidor, que num primeiro instante não pude precisar.

Continuei olhando: os olhos cor de fogo, o pêlo reluzente, os caninos como marfim velho, de pontas finíssimas; a gengiva escura, a língua vermelha, banhada em saliva. A imagem era de um realismo impressionante, o animal parecia a ponto de saltar do papel. Pensei, num delírio, que se ele o fizesse, eu não me deixaria morrer de forma passiva, mas o agarraria pelo pescoço e apertaria com toda a força. Seria uma luta encarniçada. E, nesse instante, veio a compreensão do sentimento que me evocava a fotografia: não era medo, era ódio.

A constatação me deixou inquieta. Sempre tive dificuldade de lidar com a raiva. E, nessa época, a raiva era um sentimento que fermentava dentro de mim, à minha revelia. Havia uma razão para eu me sentir assim: minha mãe começava a mostrar os primeiros sintomas do Mal de Alzheimer. Como qualquer doença que afeta as faculdades mentais, o Alzheimer costuma provocar misericórdia – mas também suscita sentimentos menos nobres, como a revolta, a raiva e, em conseqüência, a culpa. Era o que acontecia comigo.

Mamãe, que sempre fora uma mulher forte, independente e decidida, tornara-se um ser frágil, súplice, uma mulher carente, emocionalmente desequilibrada. E eu vinha tendo enorme dificuldade de conviver com a pessoa desconhecida que surgia de dentro dela. Baixei a cabeça e tornei a observar os olhos cor de fogo do lobo preto, na capa da revista. Havia um animal igual àquele dentro de mim.

Quando se manifesta, o Mal de Alzheimer traz consigo vários males, que se infiltram na vida do doente e de todos que convivem com ele. A raiva é um desses males. Os parentes não conseguem compreender o que está acontecendo, negam a doença – ou simplesmente a desconhecem – e com isso acabam sendo tomados por um sentimento de revolta. Hoje, depois de conviver com a doença de minha mãe por mais de dez anos, eu me arriscaria a dizer que se houvesse um maior esclarecimento sobre o problema, os casos de violência contra os idosos diminuiriam. Ao anunciar, em setembro último, a Campanha Nacional de Conscientização sobre o Mal de Alzheimer, a Academia Brasileira de Neurologia (ABN) divulgou uma previsão assustadora: em dez anos, vai quase dobrar o número de pessoas com a doença no Brasil.

Hoje, há cerca de 16 milhões de brasileiros com mais de 80 anos, faixa etária em que a percentagem de casos de Alzheimer pode chegar a quase 40 por cento. Em 2017, serão 24 milhões de idosos acima dessa faixa etária. Se, entre esses, houver dez milhões com demência senil, e se contarmos as pessoas que estão em volta deles – filhos, maridos e mulheres, irmãos, acompanhantes – estamos falando de um universo de talvez 40 milhões de pessoas.

São projeções, mas já dá para pressentir esses números: é raro falarmos no assunto Alzheimer sem ouvir o interlocutor dizer que tem um caso na família ou que sabe de alguém que tem. O Mal parece estar em toda parte. E continuamos sabendo tão pouco sobre ele.

Quem nunca conviveu com um caso de demência senil pensa que o Mal de Alzheimer é simplesmente a perda da memória. Mas não é. É uma doença cheia de faces, um mal progressivo e desestabilizador, que nos faz perder as referências, porque um de seus primeiros sintomas é a modificação da personalidade. A princípio de forma sutil, essa mudança vai aumentando e contaminando as relações. Às vezes, o doente se transforma no avesso de si mesmo: torna-se manhoso, quando era corajoso; brigão, quando era pacífico; desafiador, quando era cordato. 

 Além disso, todas as dores mal trabalhadas, todas as mágoas acumuladas ao longo de anos – coisas naturais nas convivências familiares – começam a aflorar. Os pequenos nós, os pontos doloridos, se fazem sentir com mais agudeza, e isso torna as relações entre o doente e seus parentes quase insuportáveis.

Quando minha mãe apresentou os primeiros sintomas, eu não tinha a menor idéia do que estava acontecendo. Achava que envelhecer era assim. Demorei muito a procurar ajuda médica especializada e acredito que isso tornou mais difícil minha relação com ela. Por outro lado, não creio que a demora em consultar um especialista tenha sido determinante para a evolução da doença: os remédios que existem hoje são, em alguns casos, capazes de retardar um pouco o processo, mas não há cura. Nem prevenção.

Na verdade, ninguém sabe direito o que causa o Mal de Alzheimer e as demências senis correlatas. No caso de minha mãe, os remédios experimentados – alguns caríssimos, importados – deram um resultado mínimo e, mesmo assim, acompanhado de efeitos colaterais (um deles provocou rigidez muscular em mamãe, que praticamente parou de andar, recuperando os movimentos assim que suspendeu o medicamento).

O neurologista que a atendeu disse que ela não sofria apenas de Alzheimer, mas de uma combinação de doenças senis, incluindo a demência com corpos de Lewy e a demência fronto-temporal, ou doença de Pick. Na época, ouvi aquilo e não entendi nada. Depois, estudando o assunto na internet, fiquei sabendo que os corpos de Lewy são estruturas cheias de proteína, que matam ou modificam os neurônios; e que a doença de Pick afeta os lobos frontal e temporal, atingindo mais o comportamento do que a memória. Mas, nos dois casos, ninguém sabe por que isso acontece. E não há cura.

O mesmo se dá com o Mal de Alzheimer: quando, em 1906, o neuropatologista alemão Alois Alzheimer pesquisou o cérebro de uma paciente sua, morta aos 55 anos com demência precoce, e descobriu emaranhados fibrosos dentro de seus neurônios, ele estava inscrevendo seu nome na história da medicina. Mas o que até hoje ninguém sabe é por que esses emaranhados neurofibrilares e placas neuríticas – que, a grosso modo, apagam os neurônios – aparecem.

Há um inegável fator genético, mas a doença tem sido também associada a fatores externos, como impulsos elétricos, stress e alimentação (a incidência de alumínio encontrada em cérebros de portadores da doença é altíssima), entre outros. Uma pesquisa feita há alguns anos mostrou que entre os portadores de demências senis há uma grande percentagem de pessoas solitárias – ou melhor, que se dizem solitárias, mesmo não sendo. Uma amiga minha garante que o Mal de Alzheimer é mais comum entre pessoas incapazes de superar as próprias perdas, pessoas que guardam mágoas e alimentam o sofrimento. Será?

Devemos deixar aos cientistas a busca dessas respostas. Mas, enquanto isso, temos de aprender a conviver com o problema da melhor forma possível. E, se os remédios ainda não são tão eficazes assim, entender o que está acontecendo é muito importante. Faz toda a diferença do mundo.

Em minha mãe, a doença teve inúmeras faces e fases, começando com os lapsos, os esquecimentos, as confusões (estes, sim, naturais da idade) e logo desembocando na gradual, porem inexorável, transformação da personalidade. Junto com esta, começaram os sintomas mais graves: depressão, manias, paranóia persecutória e por fim alucinações. De repente, eu tinha em casa uma psicótica, capaz de tudo – até mesmo de violência.

Em meio a esse turbilhão de horrores, nem sempre é fácil ter compaixão. Em geral, o que eu mais sentia era raiva. Era o lobo selvagem dentro de mim, mostrando seus dentes. Não me envergonho de dizer isso. Houve momentos, durante o processo de esfacelamento da mente de minha mãe, em que senti que me degradava também, que me desfazia, que ameaçava resvalar perigosamente para o outro lado – o lado da insanidade. Acho que essa foi uma das razões que me levaram a escrever um livro sobre o Mal de Alzheimer.

Quando me sentei no computador, não sabia ao certo o que faria. Deixei que meus dez dedos, pousados sobre o teclado, decidissem tudo, caminhassem sozinhos. Escrevi durante semanas, de forma febril. E assim se fez O lugar escuro – Uma história de senilidade e loucura. É um relato da minha convivência com a doença, e também uma viagem ao fundo da mente de minha mãe. Uma catarse que me ajudou a entender e, principalmente, a aceitar muitas coisas.

Acho que esta é a palavra-chave: aceitação. Não é fácil ver alguém com quem se conviveu por toda a vida se transformar em outra pessoa. Meu marido, muito perspicaz, disse certa vez uma frase que me chocou muito, mas que tive de admitir ser rigorosamente verdadeira: “Sua mãe não existe mais. O que existe é uma entidade, que tomou o lugar dela. Não sei que entidade é essa, nem o que se passa em sua mente. Só sei que ela não é mais sua mãe”. Aceitar isso foi algo que também me ajudou. Mas admito que não foi fácil. 

Para os filhos, esse processo de entendimento e aceitação talvez seja ainda mais difícil do que para maridos, mulheres, irmãos e outros parentes que convivam com o doente. Porque as relações entre pais e filhos são muito fortes, viscerais, e por isso mesmo quase sempre difíceis, permeadas de pontos sensíveis.

Quando me convenci de que era um caso de demência senil, a raiva e a revolta que moravam dentro de mim – aquele lobo de olhos de fogo – deu lugar à compaixão. Eu me reconciliei com minha mãe. Hoje, converso com ela, mesmo sabendo-a incapaz de compreender o que estou dizendo, e falo de mágoas, equívocos, ciúmes, sentimentos que por muitos anos tinham ficado sufocados, nela ou em mim. E ela, às vezes, em rasgos de lucidez, diz frases pertinentes, que me tocam e surpreendem. 

Mas o importante é que hoje consigo acariciá-la, ficar a seu lado, brincar com ela – muito mais do que antes. No fim, o mal de Alzheimer foi para nós duas um acerto de contas. No bom sentido.
 http://heloisaseixas.com.br/

MULHERES COM PROBLEMAS COGNITIVOS LEVES ...



 Mulher idosa faz palavras cruzadas em uma praça de Kiev, na Ucrânia, em foto de 20 de julho: segundo pesquisas, mulheres com falhas cognitivas leves sucumbem à demência mais rapidamente do que homens (Foto:  Reuters/Gleb Garanich  ) 
Mulher idosa faz palavras cruzadas em uma praça de Kiev, na Ucrânia, em foto de 20 de julho: segundo pesquisas, mulheres com falhas cognitivas leves sucumbem à demência mais rapidamente do que homens (Foto: Reuters/Gleb Garanich ).
 
Mulheres com problemas cognitivos leves, como perdas de memória, que podem ser os primeiros sintomas do mal de Alzheimer, sucumbem à demência duas vezes mais rápido que os homens com problemas semelhantes, de acordo com um estudo divulgado nesta terça-feira (21).

O estudo pode ajudar a explicar por que as mulheres mais velhas são muito mais afetadas pela doença de Alzheimer do que os homens, dizem os pesquisadores, que apresentaram suas conclusões na Conferência da Associação Internacional de Alzheimer (AAIC) em Washington.

Dois terços dos norte-americanos afetados pela doença são mulheres, que a partir dos 60 anos têm duas vezes mais risco de desenvolver Alzheimer do que um câncer de mama, segundo a Associação Norte-americana de Alzheimer.

A partir dos 71 anos, 16% das mulheres nos Estados Unidos sofrem de Alzheimer, contra 11% dos homens. O estudo foi realizado com 398 participantes, 141 mulheres e 257 homens, a maioria septuagenários e todos afetados por problemas cognitivos leves.

Durante um período de acompanhamento de oito anos, o estado cognitivo das mulheres se deteriorou duas vezes mais rápido do que entre os homens, segundo testes-padrão para avaliar a memória e outras capacidades mentais utilizadas para os testes clínicos, explicou o médico Murali Doraiswamy, professor de psiquiatria do Centro Médico Universitário da Universidade de Duke, na Carolina do Norte e principal autor do estudo.

"Estes resultados sugerem a possibilidade de fatores de risco genético e ambiental específicos da variável biológica dos sujeitos que poderiam incidir sobre o ritmo de degradação de suas capacidades cognitivas", explicou Katherine Amy Lin, pesquisadora da Universidade de Duke e uma das co-autoras do estudo.

"Determinar estes fatores deveria ser uma prioridade de futuras pesquisas", afirmou. Entender os mecanismos responsáveis por estas diferenças entre as variáveis biológicas na vulnerabilidade ao Alzheimer poderia levar à descoberta de novos tratamentos experimentais, avaliam os cientistas. Segundo eles, estas diferenças poderiam ser produto de características biológicas particulares no cérebro. "Não esgotamos as pesquisas para que possamos estabelecer estas diferenças entre os sexos" que poderiam explicar a maior vulnerabilidade das mulheres ao Alzheimer, apontou Kristine Yaffe, da Universidade da Califórnia em San Francisco. 

Já se sabe que as mulheres são mais propensas à depressão e mais vulneráveis ao estresse, ambos considerados fatores de risco à doença degenerativa, explicou a cientista. Segundo ela, poderia tratar-se de "uma interação complexa entre dois fatores genéticos e hormonais e a forma como o cérebro se desenvolve".
 (http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/07)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

REALIDADE - " FORTALEZA"



Hoje amanheci com uma tristeza profunda no meu coração. Minha “fortaleza até então cheia de rachaduras”, desabou. Sinto a minha amada mãe cada dia mais “perdida”, sendo “devorada” pelo Alzheimer, com a piora pregressiva dos sintomas. Olhar parado, como que em busca de algo perdido em sua memória. As palavras esvaziadas, muitas vezes sem sentido. Desconfiança, inquietação, até mesmo dificuldades para dormir, mesmo tomando a medicação específica.

Tenho observado, os primeiros sinais de “alucinações" : “ver pessoas, ouvir vozes, de pessoas que não estão presentes; “pânico” em ficar sozinha, com receio de entrar um ladrão. As lembranças passadas, estão também sendo consumidas pelo Alzheimer. Esquece em alguns momentos a existência de um dos seus irmãos. Ao mostrar as fotos, foi logo dizendo “ não tenho um irmão chamado João Bosco”. Logo depois, a memória retoma, aos poucos, mesmo com várias lacunas. 

Quanta tristeza. Por mais que tenha conhecimento da evolução da doença, sei que terei dias como o de hoje. Impotência, choro incontido, insegurança, picos de depressão. Continuo colocando em prática a minha estratégia de “cuidar” para estar “bem”. Tenho certeza que encontrarei forças para continuar a minha trajetória junto a minha amada mãe.

Quanto a minha “fortaleza”, farei um novo alicerce, uma nova estrutura com concreto, para continuar a minha missão.

Obrigada meu bom Deus, por sentir a sua presença no meu caminhar.
Amanhã estarei “BEM”.
Como te amo amada mãe.

MY WAY - ANDRÉ RIEU



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  MY WAY 

And now the end is near
And so I face the final curtain
My friend I'll say it clear
I'll state my case of which I'm certain

I've lived a life that's full
I traveled each and every highway
And more, much more than this
I did it my way

Regrets I've had a few
But then again too few to mention
I did what I had to do
And saw it through without exemption

I planned each charted course
Each careful step along the byway
And more, much more than this
I did it my way

Yes there were times I'm sure you knew
When I bit off more than I could chew

But through it all when there was doubt
I ate it up and spit it out, I faced it all
And I stood tall and did it my way

I've loved, I've laughed and cried
I've had my fill, my share of losing
And now as tears subside
I find it all so amusing

To think I did all that
And may I say not in a shy way
Oh no, oh no, not me
I did it my way

For what is a man what has he got
If not himself then he has not
To say the things he truly feels
And not the words of one who kneels
The record shows I took the blows
And did it my way

Yes it was my way


Meu Jeito


E agora que o final está próximo
Então eu encaro a cortina final
Meu amigo, vou dizer claramente
Eu irei expor meu caso do qual tenho certeza
Eu vivi uma vida que foi cheia
Viajei por cada uma e por todas as estradas
E mais, muito mais do que isso
Eu fiz do meu jeito.

Arrependimentos, eu tive um pouco
Mas, novamente, muito
Poucos demais para mencionar
Fiz o que tinha de fazer
E fui até o fim, sem exceção
Planejei cada curso projetado
Cada passo cuidadoso do percurso
Oh, e mais, muito mais que isso
Eu fiz do meu jeito.

Sim, houve vezes, eu sei que você sabe
Que abocanhei mais do que podia mastigar
Mas apesar de tudo quando havia dúvida
Eu enguli e cuspia
Enfrentei tudo e me mantive no alto
E fiz do meu jeito
Eu amei, eu ri e chorei
Tive minhas falhas, minha parte de derrotas
E agora as lágrimas cessaram
E acho tudo tão incrível
Pensar que fiz tudo isso
E talvez eu diga, não de uma maneira tímida
Oh, não, eu não
Eu fiz do meu jeito.

O que é um homem, o que ele tem
Se não for a si mesmo, então ele não tem
Que dizer as palavras que sente
E não as palavras de alguém que se ajoelha
O registro mostra que eu suportei os golpes
E fiz do meu jeito
O registro mostra que tomei fôlego
E fiz do meu jeito