"Por algum motivo desconhecido que deve ter surgido de alguma mensagem da
mídia, ou de algum filme da Disney, inconscientemente a gente acredita
que na vida os momentos bonitos e os encontros significativos serão
capturados por nós quando estivermos bem preparados.
Por algum motivo, acreditamos que se traçarmos as rotas e nos
conhecermos muito bem, faremos na vida escolhas mais assertivas que nos
trarão felicidade.
Por algum tempo, pensamos que a pessoa que se
encaixa nos nossos sonhos e que é a companhia ideal pra nós é aquela com
quem compartilhamos os mesmo interesses, aquela que vamos encontrar
naquele dia em que nos arrumamos tão bem para aquele evento
interessantíssimo.
Por algum tempo, pensamos que sabemos
exatamente o que esperamos do ser amado. Temos até uma listinha pequena
das qualidades essenciais que nosso amor deve ter e então já não olhamos
para ninguém mais fora disso. Afinal, pedimos pouco da outra pessoa,
ela tem apenas que se encaixar na lista, senão não entra neste coração.
Por
algum tempo, pensamos que a melhor viagem de nossas vidas é aquela em
que tudo foi bem organizado, em que pagamos por meses as prestações
daquele cruzeiro que oferece jantares inimagináveis e festas na piscina e
vai parando em várias praias paradisíacas do Caribe.
Por algum motivo, temos certeza
que seremos completamente realizados profissionalmente quando
conquistarmos aquela posição alta na nossa área de atuação, e quando
formos, finalmente, bem remunerados e bem reconhecidos por nossos
esforços, dedicação e conhecimento.
Por algum tempo, pensamos que a
vida é um caminhar linear, e que o percurso está cheio de caixinhas de
presentes esperando para serem abertas. Encaramos a vida como um
videogame em que conforme vamos dando o nosso melhor e avançando nas
fases, as caixas de presente vão se desembrulhando em estouros de
felicidade e recompensas.
Mas por algum motivo muito desconhecido,
muito provavelmente, a pessoa com quem compartilhamos os nossos dias
malucos, cruzou o nosso caminho naquele dia em que fomos á padaria sem
sutiã e descabelada, ou que chegamos suados, depois do futebol, na festa
do nosso melhor amigo.
Aquela pessoa bonita e ideal que por meses jogou com a gente aquele
excitante e cansativo jogo de esquenta e esfria. Aquela pessoa que se dá
um pouco e depois some, que mostra apenas as suas qualidades e que faz a
gente acreditar que o papo sempre será bom, a química sempre será
grande e os encontros sempre serão empolgantes. Por algum motivo maluco
da astrologia, essa pessoinha não entra na nossa rotina.
Por
algum motivo desconhecido, quem reparte os dias conosco não é aquela
pessoa que faz nosso sangue ferver e a paixão aflorar todas as vezes que
olhamos para ela.
Provavelmente, a pessoa que faz parte da nossa
rotina é aquela que enfrenta de mãos dadas os dias de tédio. É aquela
pessoa que nem sempre entende os nossos gostos peculiares, que veste
aquela camiseta esquisita quatro vezes por semana, que espera da vida
coisas diferentes da gente. Mas que por algum motivo, sabe nos abraçar
quando as lágrimas querem despencar, nos olha com ternura naqueles dias
em que nos sentimos monstruosos, nos deixa ser idiotas e infantis e nos
faz gargalhar com aquela imitação sem graça do Silvio Santos.
Por algum motivo desconhecido, a viagem que realmente marcou a nossa
memória foi aquela de última hora, naquele ônibus velho, com aquele
grupo de amigos mais velhos ainda, que nos levou para aquela casa mofada
para passar uma semana naquela cidade que não parava de chover.
Por
algum motivo estranho e desconhecido, depois que alcançamos a posição
mais almejada na nossa área profissional e colecionamos títulos e
elogios, nos lembramos com os olhos cheios de saudade e melancolia
daquela lanchonete que trabalhamos na adolescência tentando juntar
dinheiro para uma viagem de fim de ano.
Por algum motivo
desconhecido, o que de verdade na nossa vida ocupa espaço significativo e
nos faz sermos pessoas talvez não completas, mas inteiras, não são os
roteiros bem estruturados, os encontros de cinema, as paisagens de
cartão postal, ou a elevada posição profissional.
O que realmente
faz sentido na nossa vida são os encontros repentinos, os olhares ternos
no acaso, o amor que transborda mesmo despreparado, as interrupções no
nosso centrado caminhar.
Somos
grandes pessoas não porque no nosso currículo de vida colecionamos
lugares fascinantes, amores de perder o fôlego e muitos títulos. Somos
pessoas grandes porque criamos grandes histórias com o que temos de
‘pequeno’.
E a vida que não tem mesmo chance de ser passada a limpo, é o grande
teatro do improviso. E um bom improviso só requer olhos atentos e
criativos.
Então, espero para mim e para você, que a vida não seja
apenas feita de conquistas épicas, mas que cada passo do nosso caminhar
seja doce em si mesmo".
http://www.clarabaccarin.com/textos
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