quinta-feira, 21 de agosto de 2014

REALIDADE - 10

Perdas e sofrimento de toda ordem costumam nos confundir e atropelar nossas emoções. Quando uma pessoa que amamos adoece gravemente é como se parte do mundo ao redor desmoronasse. Uma mescla de sentimentos – dor, revolta, tristeza, raiva, culpa e medo – nos invade. Pessoas queridas que se esvaziam de suas lembranças e com isto perdem sua identidade.
Já imaginou ter alguém de corpo presente com mente distante no seu dia a dia? Uma pessoa lhe fazendo as mesmas perguntas rotineiramente ou mesmo não lhe reconhecendo? Como você reagiria?
A Doença de Alzheimer começa de maneira sutil, com pequenos lapsos de memória, desorientação espacial /temporal e muita confusão mental. Essa sutileza e a ausência de dor física levam à banalização como se fosse apenas uma questão própria do envelhecimento. A fase inicial, quando o idoso ainda tem muitas ilhas de lucidez, confunde a família e leva à exaustão emocional .

A DA não é uma batalha, é um massacre. É um holocausto. As circunstâncias conspiram para roubar da pessoa, toda a esperança, dignidade e conforto.
O reservatório de lembranças, bem maior da vida do ser humano acometido pelo Alzheimer, vai sendo nublado gradativamente, até perder-se por completo. Então, o doente perde o alimento de uma existência! Desaparece tudo ou são deixadas para trás, as lembranças, alegrias, dor, ódio, sonhos, a certeza de estar vivo. Tudo acaba em vida!.
Cada paciente de Alzheimer sofre a doença de forma única, mas a perda da memória é sua fonte primária. São tão comuns entre os idosos que mais parece problema de idade ou mesmo um estresse. Então, com o avanço da doença, vão surgindo sintomas como a confusão mental, a irritabilidade quando a pessoa passa ser agressiva, o humor altera, acentua-se as falhas de linguagem, a perda da memória a longo prazo e o desligamento da realidade.

Nossos queridos passam então habitar novos mundos. A tristeza passa martirizar o coração de cada membro da família, até a casa do doente se entristece. É um período de tempo indeterminado de martírio, sofrimento que só aqueles que vivem com doentes de Alzheimer podem avaliar.

Em se tratando  das relações familiares, cada vez mais desgastantes, total falta de respeito, palavras de baixo escalão, vulgaridade, desconfiança, inveja e todos os sentimentos negativos. Noites sozinhas em meu apartamento, meu refugio, muitos choros incontidos, ausência de compartilhar de sentimentos, dor e muito sofrimento. Apesar de tudo, sinto a cada dia um reservatório imenso de amor, o qual dedico a minha amada mãe, mesmo com coração sangrando, sinto a força de Deus em minhas ações.
A cada dia a dependência de minha amada mãe vai aumentando. Tenho observado que sempre que saímos, ela cansa com mais rapidez e não gosta de muita agitação. O seu rosto demonstra de imediato espanto e tensão, corpo gelado e sensação de desmaio.  Embora tenha bengala e andajar, tem uma resistência em utilizá-los, sentindo-se segura quando  apoiada nas filhas ao caminhar.
Apesar de todo o tratamento dispensado para a minha amada mãe, o desenvolvimento do Alzheimer até então estabilizado, vem apresentado nos últimos dias alterações no comportamento, aliado aos resultados não satisfatórios dos índices de glicemia em função de sua diabete .  Sempre que a diabete está alterada, o Alzheimer acelera, com sintomas observados, tais como: repetir as mesmas historias, várias vezes, como se fossem novas; perdida em termos de espaço e temporalidade; dificuldades em executar as mais simples tarefas do dia a dia; esquece que já comeu as refeições; dificuldades no raciocínio, na formulação de frases, na leitura e na escrita. Como isto é triste, sinto perdendo minha amada mãe a cada dia, para o Alzheimer.

Sinto a morte lenta dos seus neurônios, restando poucos neurotransmissores, aumento da dificuldade em reconhecer e identificar objetos, dificuldade nos movimentos. Memórias antigas menos afetada e a memoria recente comprometida.

Hoje, sinto a minha amada mãe tão pequenina. Abraço-a e sinto o meu peito gritar de angústia pela fragilidade que sinto nela. Parece-me uma menina, com medo, perdida , sem encontrar o seu caminho. As memórias vão-se perdendo e ela, de uma forma ou de outra, vai tendo a percepção dessa perda. E dá-me a sua mão, numa necessidade intima de sentir segurança e um porto seguro. E pede-me para me deitar a seu lado para dormir mais serena e descansada. E faço-lhe festas no rosto, com lágrimas salgadas no meu, na escuridão do quarto, embalando-a como se embala um filho grande que tem medo de estar sozinho.
É tão difícil, meu Deus, sentir as sua memórias esvaziando-se a cada dia, ver a sua fragilidade, sua dependência. E ao mesmo tempo é tão belo sentir a sua mão acarinhar-me o rosto nos nossos momentos, em que juntas nos embalamos uma à outra.

Eita Alzheimer, você acaba com o filme mais lindo e colorido da pessoa, sobram apenas restos de cenas em preto e branco. Vidas vão se quebrando, tornam-se cacos. O simples esquecimento transformado numa perda existencial!
"Imensa é a minha dor que vai crescendo junto com a doença até praticamente não caber no peito e  totalmente impotente ante à doença. Essa doença aniquila a mente, a alma e o físico..... É uma morte continua, lenta e dilacerante... É uma dor inexplicável que sentimos, ao ver um ente querido vivenciando, à cada segundo, a vida que se finda... Doe.....doe muito!!!! Só quem conviveu sabe e entende essa dor.... Por mais difícil que seja pra você de-lhe afeto, carinho, amor... É o que mais ele precisa... Quanto a  nos, temos todo o tempo do mundo para nos refortalecer.... nos refazer...........A sensação de missão cumprida é uma paz sem fim!!!!"

Que nunca falte Amor àqueles a quem o “Alzheimer” acolheu; que nunca falte um sorriso, uma carícia, um estímulo, paciência e um cuidar eterno pelo respeito pela Vida dada a cada um e que até ao seu termo deve ser enaltecida no seu máximo! Como te amo minha amada mãe.

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