Temos a
possibilidade de ser belos, porque beleza é plenitude. Viver
plenamente é alcançar a beleza. Não raro, muitos fazem escolhas
que minimizam suas potencialidades, buscam desvios sendo desonestos
consigo mesmo. As pessoas fracionam a vida, sabotando a própria
trajetória.
A vida é o enigma,
é a alternativa num mar de opções. Somos fadados às escolhas.
Temos vários caminhos em uma única jornada. Como bem escreve Walt
Whitman: "A pé e despreocupado, entrego-me à estrada aberta,
saudável, livre, o mundo diante de mim, o longo caminho dourado à
minha frente levando-me aonde quer que eu escolha".
Somos
constantemente desafiados pela vida. Viver é escolher. Cada escolha
uma mudança de rumo. Atingimos a cada instante pontos de bifurcação.
Nossas células chegam ao seu ápice e deixam de ser. Isto é, nossas
células estão morrendo agora. Somos constituídos de processos de
vida e de morte. como bem dizia o filósofo Heráclito (7séc. a C)
"Se vive da morte, morre-se da vida". Vivemos porque as
nossas células morrem. Quando elas não morrem ficam diferenciadas
dando origem ao câncer. Em suma, a morte é também uma oportunidade
de sobrevivência dos sistemas auto-organizadores.
A vida é dinâmica
e, portanto, um processo contínuo de mudança. Por isso
envelhecemos. Envelhecer é viver, viver é envelhecer. São faces da
mesma moeda. Não podemos pensar na vida sem pensar no
envelhecimento.
Muitas pessoas
costumam achar que as palavras "envelhecimento" e "velhice"
querem dizer a mesma coisa. Elas possuem significados diferentes. Se
envelhecer é um processo de viver, todos nós, independentes da
idade cronológica, estamos envelhecendo. A velhice, por outro lado,
é uma categoria social, circunscrita às pessoas acima de 60 anos em
nosso país. Em países desenvolvidos a velhice é atingida aos 65
anos. Então, podemos afirmar que todos nós envelhecemos, porém nem
todos chegam à velhice. Se isso é bom ou ruim, é somente um ponto
de vista. Quem considera o envelhecimento ruim acredita numa vida sem
possibilidades. Acreditar é também optar. Podemos optar em achar a
vida feia ou bela.
O pensamento
discrimina. Optamos por um caminho e eliminamos o outro. Não
aceitamos conviver com duas possibilidades, pois gera ambigüidades,
confusão, desordem. Queremos a ordem, por isso classificamos,
valoramos, discriminamos. Assim, achamos que temos controle sobre as
situações da vida. Sentimo-nos seguros.
Como podemos pensar
que a vida é segura se vivemos porque somos seres instáveis, em
desequilíbrio? A ciência contemporânea já comprovou que vivemos
porque estamos afastados do equilíbrio termodinâmico (Margulis e
Sagan, 2002). Isso é viver. A incerteza nos convida a ir adiante, e
esse movimento anterior nos faz envelhecer.
Mesmo com tantos
avanços tecnológicos e importantes descobertas científicas ainda
estamos fixos no pensamento cartesiano do corpo-máquina, e do tempo
linear newtoniano. Ainda acreditamos que só podemos optar por uma
alternativa quando eliminamos a outra. Será que não podemos ver as
duas faces da mesma moeda? Infelizmente não, porque não aprendemos
a ver desse modo. Porém, o cérebro é um órgão plástico, capaz
de desaprender e aprender novas maneiras de se ver a vida. Vê-la com
mais responsabilidade e autenticidade.
Ilya Prigogine
(2002) cita um trecho interessante de uma carta de Einstein a Tagore:
"Se
perguntássemos à Lua por que ela se move, ela responderia sem
dúvida que se move porque tomou essa decisão. E isso nos faz
sorrir. Mas deveríamos igualmente sorrir da idéia segundo a qual o
homem é livre, porque o determinismo não tem nenhuma razão para se
deter na fronteira do cérebro".
A escolha nos faz
caminhar em sentidos diferentes. Quem conseguir compreender o
envelhecimento como processo dinâmico da vida se libertará das
amarras de 3 séculos de segurança ilusória. Não podemos continuar
acreditando que viveremos para sempre. Por esse motivo, muitos não
aceitam olhar para os mais velhos sem se sentirem ameaçados pelos
cabelos brancos que lembrem a certeza da finitude. Costumamos ouvir:
"na morte não há beleza". Por isso, talvez, as pessoas
continuam correndo atrás de fórmulas milagrosas que impeçam a
chegada à velhice.
A velhice é uma
categoria social e como tal é uma construção cultural. Somos
produtos e produtores de uma cultura. Se o humano pôde construir
essa cultura, pode também renová-la. Para isso basta querer optar
por uma nova alternativa, sem eliminar o outro lado da moeda. Está
no diálogo entre paradigmas a possibilidade da mudança. Sem o
diálogo caímos no monólogo dissecante que elimina a chance do
conhecer.
A racionalização
resiste ao que não condiz com o aprendido. Acredita-se no que
convém, superficialmente, sem reflexões sensatas. Quando se resiste
a um novo modo de pensar não se aprende nada, apenas se repete o que
é dito. Para que haja aprendizado tem de haver abertura. Como bem
escreve T.H.Huxley:
"Curve-se
diante dos fatos como uma criança e prepare-se para sacrificar todas
as noções preconcebidas, siga humilde por toda parte e por todos os
abismos a que a natureza o levar, ou você não aprenderá nada".
O mundo por muito
tempo foi considerado finito. Várias expedições buscavam um fim,
sem sucesso. Finalmente, compreenderam que o planeta era redondo.
Atualmente ainda buscamos compreender o universo. Muitos querem um
lugar seguro, mas viver é não ter certeza, é ser instável e
mutável. Na vida não há receita de equilíbrio. Caminhamos para
chegar onde sempre estivemos. Como bem escreve T.S.Eliot: "Não
devemos parar de explorar. E o fim de toda nossa exploração será
chegar ao ponto de partida e ver o lugar pela primeira vez".
Quando converso com
as pessoas de 80, 90, 100 anos percebo que elas compreendem que
dentro delas há todos os tempos, um tempo Kairós, ou seja, o tempo
vivido. Quanto mais velhos nos tornamos mais compreensão alcançamos
acerca disso. Não se pára o tempo como se estanca um sangramento. O
tempo é fugidio.
A ontogênese nos
ensina que a experiência do viver é uma oportunidade de aprender
algo a fim de deixá-lo aos mais novos, para que continue o nosso
legado. Eles, por sua vez, deixarão também para os seus jovens o
próprio legado, e assim sucessivamente. É na circularidade da vida
que encontramos a beleza da plenitude.
Viver sem perecer
seria uma catástrofe para a evolução humana. Não fecharíamos o
ciclo, ficaríamos perdidos no limbo do egocentrismo e da solidão.
Enquanto as pessoas não aceitarem seus ciclos de envelhecimento e
morte continuarão a sofrer. Muitos não aceitam o envelhecimento e a
morte porque não querem desapegar-se de seus "pertences".
O apego é característica do controle e da idéia ilusória de
segurança. Não somos o centro do universo. Somos poeira cósmica e,
portanto, como diz a Gêneses (3,19): "tu é pó e ao pó hás
de voltar". Temos o compromisso do retorno.
A razão,
considerada durante muito tempo como a grande diferença e
importância do humano, atualmente é vista de uma outra maneira. Não
deixamos de ser animais, como também não somos mais do que os
animais irracionais. Tudo é relativo na arena cósmica, dependente
das perspectivas. Por isso, ser velho ou ser jovem é uma
perspectiva.
Monteiro (2003)
assinala:
"Quando
pensamos ser o velho de alguém, todas as perspectivas modificam-se,
porque é essencial que tenhamos o nosso"jovem", pelo qual
nutrimos sentimentos de afeição, amor, generosidade, criando em
nossas vidas um palco de apresentação, onde podemos representar o
nosso papel existencial, transcorrendo em aprendizado ininterrupto de
várias formas; onde os outros personagens nos ofereçam a
oportunidade para nos realizarmos como humanos; onde reconhecemos que
o nosso papel é de extrema significação para o desenvolvimento dos
outros que participam da mesma esfera que vivemos".
Somos simplesmente
humanos com trajetórias singulares. Temos de respeitar a escolha de
cada um. Por isso, uma história de vida se faz interia em um corpo
de 80, 90 ou 20, 10 anos de idade. O velho não tem mais ou menos
valor que o jovem. Não estamos em uma competição linear da
temporalidade. O tempo, pela nova física, é circular. Assim, temos
o futuro, o passado e o presente no aqui e agora, no amanhã e no
ontem. E todos os tempos nos faz ser o que somos. Herman Hesse no
livro Sidarta demonstra bem a circularidade do tempo:
"O menino
Sidarta não estava separado do homem Sidarta e do ancião Sidarta, a
não ser por sombras, porém, nunca por realidades. Nem tampouco eram
passado os nascimentos anteriores de Sidarta, como não fazia parte
do porvir a sua morte, com o retorno ao Brama. Nada foi, nada será;
tudo é, tudo tem existência e presente".
O que diz respeito
à vida não se mede. Podemos ter menos para ser mais. O que achamos
ser a verdade pode ser o contrário de uma verdade. Se perscrutarmos
outras opções, podemos descobrir que ser velho é também uma
oportunidade de ser melhor. Assim, não precisaremos pensar que ser
jovem é ser bonito e ser velho é ser feio, pois a beleza está em
nós porque somos seres com potencialidade irrestrita, somos
instáveis e envelhecemos. Se não envelhecêssemos não teríamos
nenhuma possibilidade.
Como posso acreditar que o dia de amanhã será
melhor do que o de hoje? Porque envelheço. Envelhecer é mudar, é
ir além da forma de nós mesmos, buscando descobrir um melhor
caminho de ser e de viver. Quando acreditamos nisso um novo horizonte
se abre aos nossos olhos. Passamos a ver que o que construímos em
nossa vida é um belo jardim para os nossos descendentes, que virão
colher as flores para enfeitar o próprio jardim de suas vidas. Não
me refiro apenas aos familiares, mas a todos que vivem dentro da
mesma esfera planetária. Todos vivemos na Terra e, por assim dizer,
dividimos nossos jardins e nossas estrelas.
Por isso, devemos deixar
de lado o egoísmo e buscar compartilhar da melhor maneira possível
a nossa arte de viver. Podemos ser sempre o velho de alguém, assim
como o jovem. Somos perspectivas, faces da mesma moeda. Se pudermos
olhar mais de perto, para nós mesmos, veremos que o que interessa é
a história que deixamos para os outros.
Morrer é apenas um
processo, pois ainda podemos continuar a viver na história do outro.
Entretanto, uma história de vida só tem valor quando queremos
compartilhá-la. Somos um mix de histórias de vida. Isso nos faz ser
o que somos. Desse modo, não posso concordar com os índios
nambiquaras que usam uma única palavra para dizer “jovem e bonito”
e uma outra para “velho e feio” (Simone De Beauvoir, 1990).
Envelhecer é beleza porque condiz com a vida. Viver é construir
história, formar caminhos possíveis para adquirirmos a plenitude.
Quando descobrirmos que somos um todo indissociável, compreenderemos
que ser velho é apenas mais uma maneira de adquirir beleza.
(Pedro Paulo Monteiro)
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