Ao
envelhecer, despertamos alguns fantasmas. O mais temível é o da perda
da razão, da consciência, da memória, da identidade. Tudo porque somos
seres que vive de memórias. Graças a ela temos todos os nossos
sentimentos mais latentes: amor, alegrias, crescimento pessoal,
tristezas… Tudo isso é diretamente ligado às nossas lembranças; e
presenciar alguém próximo perdendo isso pode ser uma experiência
dolorosa...
A vida oferece situações que nem mesmo uma mente fértil e ativa tem o poder de imaginar como é levar uma vida sem lembranças, sem presente, sem passado e sem futuro tendo como companheiro de jornada até o fim da vida apenas a solidão e o silêncio das emoções.
Assim é o Alzheimer … É uma doença que chega devagar, Pequenas falhas de memória, esquecimentos, destruindo aos pucos a nossa relação com as pessoas que amamos, e com o mundo a nossa volta. Incapazes de lembrar quem somos, de que vale a condição humana? A família acha que é distração. Ser distraído, desatento, é uma coisa. Perder a memória é diferente. É esquecer o que comeu no almoço, largar as tarefas pela metade, ficar perdido no caminho de casa, repetir a mesma pergunta várias vezes.
Além da memória, também a capacidade de localização no tempo e no espaço é afetada. E, de um dia para o outro, os doentes deixam de conseguir encontrar caminhos. Perdem-se na própria casa, na vizinhança. E desenvolvem comportamentos estranhos como a deambulação errática.
O que dizer então de uma mente sem lembranças que não é mais capaz de recordar de suas peraltices, suas pequenas maldades e brincadeiras inocentes da infância? O que dizer de uma mente sem história e sem lembranças de sua juventude, do primeiro amor, do primeiro beijo, das primeiras frustrações e das grandes e pequenas alegrias vividas?
Como será não se lembrar do aqui e agora, da última canção que embalou sua alma, do último sorriso e carinho recebidos? Como será não ter nenhum sentido de orientação, de raciocínio e passar a ver o mundo com aquele olhar opaco, sem brilho, sem emoção?
Assim é o mundo da pessoa acometida pelo mal de Alzheimer. Este é o mundo daqueles que vivem a desventura de sofrerem dessa doença silenciosa, destruidora de sentimentos, sonhos, emoções e, pior, sem cura. Quando perguntado sobre a maior dificuldade que o Alzheimer impõe ao cuidador familiar, posso afirmar que o cansaço e o desgaste físico ficam em segundo plano, “sem dúvida, o maior obstáculo é conviver com a dor e com o sofrimento do paciente, pois nunca estamos preparados para a degradação das pessoas que muito amamos”.
O tempo perdido, este parece ser o tempo do Alzheimer. Da perda gradual, mas inexorável, até o momento no qual nada é lembrado: datas, fotos, nomes, rostos, significados. Até o tempo do esquecimento de si. Dor maior. O tempo perdido, a mais forte das marcas do Alzheimer, não pode ser recuperado pela pessoa demenciada. Restam as fotos e fatos vivos na memória de sua comunidade afetiva, e nela permanece tudo vivido, mas é a que salva. Nela a vida ainda é plena.
Quanto tempo perdemos com futilidades, sentimentos
desagradáveis, lutas sem vencedor, ingênuas pretensões de poder, de
saber. Ser tragado pelo tempo que gira, gira… Perder o tempo assim dói.
Em minha experiência como cuidadora de minha amada mãe, estou a vivenciar uma troca de rotina, tendo que reensinar, pouco a pouco, tudo aquilo que a outra pessoa sabia anteriormente, mas sequer lembra mais. De repente, uma inversão de papéis : estou perdendo a posição de filha e assumindo a de mãe. Perdendo o abraço forte, o afago terno e carinhoso. Perdendo os meus parâmetros, os meus caminhos, o ombro amigo, o meu modelo.
Ela não deixou de existir. Está se despersonalizando. Esquecendo
aos poucos a sua história, estou perdendo a minha mãe, mas ela não
morreu. Perdendo o papel de filha. Ela é minha mãe, mas eu não sou sua
filha. Ela está para mim, mas eu não estou para ela. Vivencio um luto
diário.
No entanto, através do amor, o Alzheimer não precisa se tornar um fardo tanto para o enfermo quanto para seus familiares. Muitos que convivem com a doença costumam dizer que o idoso se torna criança de novo, retornando a um status mental onde não sabe de nada, e precisa ser ensinado às coisas básicas novamente.
No entanto, através do amor, o Alzheimer não precisa se tornar um fardo tanto para o enfermo quanto para seus familiares. Muitos que convivem com a doença costumam dizer que o idoso se torna criança de novo, retornando a um status mental onde não sabe de nada, e precisa ser ensinado às coisas básicas novamente.
A melhor maneira de se lidar com um Alzheimer é mesmo o amor, principalmente quando o enfermo começa a esquecer nomes e rostos. Pode ser frustrante não ser reconhecido por uma pessoa que viveu muito tempo conosco; mas um pouco de paciência e amor já ajudam a tornar o processo menos doloroso para todo mundo.
O amor nos mostra que mesmo doenças complexas podem ser combatidas com práticas simples. Resta a nós apenas o conhecimento, deixar a ignorância de lado e travar uma luta diária com o esquecimento. Porque mesmo que um idoso esqueça boa parte da sua vida, nós ainda lembraremos de todos os bons momentos vividos junto com eles.
Com minha mãe, aprendi a usufruir de momentos indescritíveis. Tenho a recompensa da alegria do brilho de seus olhos. Acaricio sua face, beijo seu rosto e ela retribui com um amor imenso. A nossa cumplicidade ainda permanece, apesar da evolução do Alzheimer.
Como te amo amada mãe.
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