O drama da nossa atualidade vai se
revelando na medida em que percebemos as nossas identidades em colapso.
Não existem fronteiras delineando o território individual. O self está
ameaçado em sua veracidade e muitos de nós temos a nítida impressão de
que é apenas uma farsa e, pior, que lá dentro é vazio... Será? Por outro
lado, outros se encontram em pânico, receando fragmentar o próprio eu e
a noção que tem de si mesmos.
A necessidade do imediatismo para praticamente tudo na vida, somada à
busca de performances perfeitas, são os principais responsáveis
disparadores desse tipo de ansiedade, estresse e da cada vez mais
conhecida insuportável sensação de vazio em nossa atualidade.
Reprocessar instantaneamente tudo o que acontece fora e dentro de nós,
num tempo onde tudo se passa de modo tão inevitavelmente dinâmico,
dificulta o encontro de caminhos para que possamos nos entender e nos
aprofundarmos em conhecimentos mais significativos acerca de nós mesmos.
Como consequência dessa rapidez, toda sorte de desestabilização
emocional emerge. Estamos na era dos supérfluos, onde acontecimentos e mais acontecimentos
se sobrepõem uns aos outros em meio à urgência incontrolável.
O mal-estar do vazio existencial explode quando notamos que o nosso eu
não está mais em seu reinado absoluto e sim dividido e subdividido em
suas extensões com pessoas e com coisas de significados mundanos. E o
paradoxo maior ocorre quando se percebe a autonomia do próprio eu
perdendo-se de si mesmo, muito embora o marketing atual seja o da
apologia do eu.
Enquanto que o nosso eu real, ou ser essencial, prima por se transformar
e por se criar constantemente num diálogo contínuo com o mundo exterior
e com as possibilidades oferecidas por este, o confronto exaustivo com
as rápidas dinâmicas da realidade, gradativamente, vão minando a
validade do eu real, gerando angústia inominável e a falta de sentido na
vida.
Neste árido espaço de manifestação dos reais propósitos da alma, em meio
às folhas secas, crescem sentimentos de inadequação, posto que as
importantes etapas, que se referem à construção de toda possibilidade de
altivez humana, ficam impedidas de serem experienciadas.
Na era do vazio, o norte passa a ser a competição, a conquista e o culto
a si mesmo (narcisismo). Ao mesmo tempo em que existe respeito às
diferenças, sinceridade esfuziante, comunicação em demasia, há uma
tendência do humano de não mais conversar consigo mesmo.
Parece que a situação se repete em diferentes etapas históricas de nossa
civilização, mas não é bem assim. Primeiro existe um processo de
personalização e de interação com o meio ambiente. Depois a busca do si
mesmo. Seria bom se os dois caminhassem sempre juntos e não dissociados,
a ponto de levar a crises existenciais avassaladoras como as de
identidade, que são a evidência dessa era. Esta crise tem a ver
exatamente com o nosso século e com todas as vicissitudes implicadas,
tem a ver com as nossas origens não vistas, não visitadas, tem a ver com
a impaciência que temos com nós mesmos em relação ao cumprimento das
etapas, em relação a tudo que leva algum período de tempo, enfim, a tudo
que significa processo.
Historicidade e compreensão aquecem, preenchem e oferecem sentido à
própria vida. Somente a partir disso que se torna possível se
reinventar.
O vazio grita nos ouvidos e perturba profundamente, mas funciona como um
alerta para a alma mostrar o quanto estamos distantes de nós mesmos
vivendo como autômatos. Sensação muitas vezes enlouquecedora.
Estamos na era do jogo da aparência, do que se vende ao outro e do que
fica bonito. Por mais incrível que possa parecer, o culto à felicidade
também pode levar ao vazio; corremos o risco de nos tornarmos apenas e
tão-somente figuras sem fundo, totalmente previsíveis. Autômatos em
massa facilmente manipuláveis.
Nas origens do passado, existem símbolos que compõem nosso psiquismo e
que jamais deveriam ser esquecidos ou negados. Neles constam a nossa
história, a experiência de gerações, a sensação de segurança na
estruturação linear que envolve o passado, o presente e que cria
possibilidades de futuro. Não partimos do nada e o que inventamos sempre
é baseado em algo anterior.
Vejo muitos dos meus pacientes virem ao meu consultório com terríveis
angústias, sobrevivendo em meio a grandes dificuldades, atolados na
sensação do vazio, da falta de sentido da vida. Por estarmos na era do
narcisismo, fica difícil nomear sentimentos, portanto, a queixa maior
fica por conta dessas sensações de vazio interior, de absurdo da vida,
de desconexão de tudo com tudo num mundo repleto de conexão, virtual.
Estamos na época do espetáculo, tudo tem que ser fantástico e se não
for, não nos toca. Ao mesmo tempo em que não há mais espaço para
sentimentalismos ou para se perceber, parece que o palco agora é outro e
a busca é de se experimentar algo cada vez mais forte para, quem sabe, a
vida real ser finalmente sentida. E para fugir deste imenso naufrágio,
muitos vivem no risco. Dentro deste cenário de busca frenética, da
sensação de se sentir vivo e distante do insuportável sentimento do
vazio, fica valendo o sexo pelo sexo, o culto à violência e a busca das
sensações alucinadas provocadas por drogas, álcool etc..
Neste sentido referido, embora ainda se queira relacionamentos afetivos,
a informação de comando é a do terror de se ter uma relação estável em
que algo se constrói. O continuísmo da relação pode oferecer a sensação
de que tudo está parado e que a velocidade, acostumada e identificada
como aspecto de si mesmo, fica ameaçada de se perder como referência. O
medo se instala, a solidão e o desespero novamente imperam e mesmo que
acompanhado, sente-se o vazio.
E você? Já notou se está programado para não sentir e, sim, para agir? O
problema é que o nosso sistema é imensamente mais complexo e profundo
do que isso. Se você se encontra permeado pelos sentimentos de vazio,
mal-estar e falta de sentido, leve-se a sério, pare e reveja-se. Se for
tocado, busque ajuda, reconheça-se e exista naquilo que de verdade o
preenche.
(Silvia Malamud)