O diagnóstico de demência traz uma realidade contundente que implica em muitas perdas envolvendo a autonomia do corpo e o afastamento do eu para o indivíduo, o que torna muito complexo o cuidado dispensado a esse idoso.
Todas as doenças degenerativas são cruéis; mas o mal de Alzheimer parece que ocupa o primeiro lugar no ranking das que devastam mais e rapidamente. Nada pode ser pior para o ser humano que se vê condenado a perder aos poucos o léxico, a capacidade de nomear, também as emoções, todas as lembranças, o jeito de se vestir e o de comer, ou seja, a própria identidade. Na lousa da memória, o apagador funciona sem cessar; em consequência, junto com o paciente, a familia corre alto risco de se destabilizarr, pois todo um mundo organizado de repente cede lugar ao caos.
O Alzheimer é muito mais do que esquecer as coisas. Há uma visão muito simplista de que é só perder a memória. Não é só isso. As nossas memórias definem muito quem nós somos. E ao perdermos a nossa identidade e referências, deixamos de saber quem somos!
A minha amada mãe continua a ser ela. Um pouco diferente é certo ... Estou perdendo para o Alzheimer. Por vezes, sinto que é um luto em vida. A questão em jogo, no entanto, não é a morte que chega pela falência dos órgãos, mas a vida que se vai pela perda de si mesma, pela perda das referências, pelo fim da memória, por um presente que se torna uma espécie de corpo sem a sombra do passado. É TODA UMA EXISTÊNCIA QUE VAI DRAMATICAMENTE SILENCIANDO, CONSUMIDA PELO ALZHEIMER.
A capacidade de autodeterminação, se esvai na pessoa com Alzheimer. Na impossibilidade de exercer seu inalienável direito de autonomia, aqueles que cuidam assumem a responsabilidade de o fazer por ele - buscando ao máximo preservar sua invidividualidade e, assim, fazendo do cuidado a obra e a arte humana de prosseguir a construção do outro.
Como filha, sinto que a minha estrutura emocional está ficando cada vez mais fragilizada com o avanço do Alzheimer em minha amada mãe. Alternância entre tristeza e depressão . Procuro no entanto, cumprir uma agenda voltada para outras atividades, tais como: academia, trabalho, lazer ...
Aquela pessoa ativa e determinada que conheci no passado recente, está perdendo-se de forma acelerada, restando apenas alguns fragmentos de que um dia ela foi. É o desaparecimento de si mesmo. Ao matar as células do cérebro, a doença assassina a memória, a ponto de aquele que é não se lembra mais de quem é. Sem dúvida, é triste ter que lidar desta maneira com alguém que sempre foi meu porto seguro, meu alicerce familiar.
Não há como não se sensibilizar com cada rosto que cala uma dor, uma vontade, um grito de liberdade das amarras de uma doença cruel, que transforma, dia após dia, a vida de um idoso e de uma família inteira.
A DA provoca a perda da identidade familiar e inversão de papéis, no qual o acometido pela doença torna-se cada vez mais dependente de cuidados, exigindo a dedicação constante de seus familiares. O papel de "cuidadora", representa a partir daí um papel essencial na vida do portador de Alzheimer. É assim que o ritual de cuidadores se mostra no cotidiano dos cuidadores familiares: repletos de realidades, de sobrecargas, de lágrimas, de sorrisos, de gratidão, de obrigação, de esperança, de desvelo. Não há como não se fortalecer com isto.
Quando se fala em cuidar, é necessário um elemento essencial: o amor. Quando o amor explode no coração humano e se apossa da gente, nos elevamos acima da pequenez e das inquietações que assolam vidas marcadas por ressentimentos e inquietações. É quando sentimo-nos aquecidos pela centelha divina e deixamo-nos guiar pela luz do espírito para iluminar as trevas pelas quais muitas vezes vagamos, tateando em busca de caminho para a redenção.
O amor verdadeiro não descarta ninguém, muito menos nas horas mais difíceis. E, especialmente, no acaso da vida, quando os predicados físicos se vão e sobra a beleza que só é visível ao coração. Lembram do Pequeno Príncipe? "o essencial é invisível aos olhos".
" Vou caminhando sempre por estas praias, entre areias e a espuma, as ondas apagarão minhas pegadas, e o vento dissolverá a espuma, mas o mar e as praias ficarão para sempre". As palavras de Gibran, nos ajudam a ver a vida de outra dimensão, além da fugacidade do tempo e da transitoriedade e fragilidade das coisas terrenas. O poeta olha para o eterno: "o mar e as praias ficarão". Assim também, é a eternidade do amor verdadeiro, em que o sofrido coração humano pode abrigar-se em busca da paz e repousar da vicissitudes da vida.
Talvez seja este momento em que o ser humano alcança a plenitude existencial e reflete a luz da centelha divina.
Como te amo minha mãe
Emocionante, Triste, mas sobretudo muito lindo e verdadeiro o seu texto. Faço minha as suas palavras. Convivo com a DA na mamãe há 16 anos.
ResponderExcluirQue Deus te abençoe e ilumine!!!