sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O TREM DO ALZHEIMER

Resultado de imagem para o trem da vida

Você se vai no trem dos desmemoriados
Seu trem se vai crescendo em força devagar
Leva consigo qualquer coisa que você tenha pensado
Ou quisesse dizer     qualquer coisa que você
acaso tenha desejado ao longo de sua vida
Ou quiçá no fundo de sua vida     antes do trem

Não sabemos o que levam os trens nos seus binários
Binários somos todos     há a razão e o coração
Não sabemos quê seria se as emoções falassem
Acaso houve alguma emoção na sua vida?

Acaso você amou as monjas     os pedestres
Odiou os limites     a mãe     a incerteza
Terá você sentido ciúmes     repudiado os castigos
Acaso amou a Deus? Ou o temeu     como todos?

Como é silencioso esse trem     nem fumaças
Nem os apitos     densos     nem o sussurro elétrico
Como é insidioso esse trem     ele te leva
Devagar e constante e negro e sem remédio

Não há memória desse trem nos outros homens
Ninguém sabe     a que veio     aonde vai     não sabe
Suspeita-se que um dia há de levar a todos
Sepultando as invejas e todas as paixões

Mas a mim não me importam as centelhas
Nem os fogos das máquinas nem os sinos dos chefes
Me importa apenas a memória e ela está morta

Ninguém responde às perguntas inúteis
No trem dos desmemoriados     Ninguém sabe
Qual seria afinal o teor das palavras

Houve alguma palavra? Disse algo? Falava?
Por que o aceno ao longe     das últimas janelas?

O trem dos desmemoriados se estende como um bicho
Porque ninguém jamais soube da sorte que lhe cabia
Essa desordem murcha que atinge os desmemoriados
E os desorienta     essa fadiga das lembranças
Esse medo ao passado não vivido

Será essa afinal a causa da viagem
Razão de ter você comprado o seu bilhete
De ter     por seu prazer     renunciado à consciência
Por sua escolha ter desistido da vida?
Você quis     por acaso     essa viagem incurável?
 
(Renata Pallottini)

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