domingo, 5 de junho de 2016

REALIDADE - ALZHEIMER : TEMPESTADE, AREIA MOVEDIÇA, CICLONE ...


Os avanços da medicina conferem aos seres humanos uma expectativa de vida cada vez maior. Todos querem viver mais, viver bem, viver com integridade. Todos querem chegar a idades avançadas com suas capacidades de pensar, sentir e agir preservadas e íntegras.

São os momentos mais simples e inesperados que queremos guardar para sempre. São as imagens de rara beleza ou emoção aquelas que instantaneamente o nosso cérebro registra fotograficamente, e arquiva no infinito “disco rígido” da memória humana. Recordações que, no final de uma vida, constituem a história de cada um de nós. E sem as quais perderíamos o sentido da vida. Instantes em que queremos guardar para sempre, quase sempre ligados à infância e à família. Ao amor. Aos outros em nós.

A memória pode ser manipulada e expandida. Recordar é, em grande parte, reinventar, reorganizar nosso passado e inseri-lo em uma narrativa que compõe nossa subjetividade. Não há ninguém de nós que esteja preparado para apagar suas memórias, suas conquistas afetivas e cognitivas como se fossem um texto provisório traçado a lápis. 

Queremos nossa história alicerçada e protegida em solo firme e seguro. Queremos nosso passado bem guardado, a salvo de ser tragado pela areia movediça do esquecimento, ou seja, pelo Alzheimer.

E quando isso acontece... Esse mal estranho nos causa medo porque atinge nosso fundamento e nosso indivíduo: nosso espírito, nosso discernimento, nossa identidade. A doença se nutre de tudo, engolindo com ela as lembranças de uma vida. Tudo se torna diáfano: um esquecimento de si, uma dissolução existencial.

É nesse sentido que o Alzheimer se torna muito mais devastador do que a doença do esquecimento. Ele compromete a coerência necessária para que tenhamos um “self” e, com isso, faz que a própria subjetividade entre em colapso.

Minha amada mãe está sendo cada dia mais tragada pela areia movediça do esquecimento. O fluxo de suas memórias está cada vez mais acelerado para um vazio total. Elipses temporais, já não consegue diferenciar entre o passado, presente e futuro. O tempo começou a se fundir em uma única peça. 

O Alzheimer vem para ficar, permanece com as famílias, marcando suas vidas e tomando cuidado para que você nunca se esqueça o caos que esta doença faz ao nosso amado (a) e em nossos corações. É como a chegada de um ciclone (tempestade, vendaval, areia movediça, ….), mudando totalmente a rotina dos familiares: seu cotidiano, seus projetos e sonhos, se os tem, são mexidos e remexidos não deixando pedra sobre pedra. Modifica o espaço físico e temporal e tonteia fortemente o psiquismo. Os afetos são “bulidos e remexidos”.

Há uma frase que eu admiro e amo: “Deus nos deu memórias para que pudéssemos crescer flores no inverno de nossas vidas”. Para um doente de Alzheimer é sempre inverno, por isso temos de tentar ser um pequeno raio de luz, regando aquelas flores que não podem crescer”.
Como te amo amada mãe.

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