Foto da primeira mulher diagnosticada pelo médico que deu o nome à
doença, Alzheimer. É uma foto cuja descrição não atingirá a
força de sua gravidade e sofrimento, feita há mais de um século,
da Sra. August D.; onde uma mulher de aparência depressiva e
decadente, com olhar esvaziado como a sua mente e memória, vestindo
uma provável roupa uniforme do Sanatório Municipal para Dementes e
Epilépticos de Frankfurt, na Alemanha. É uma foto em cores
com uma mulher olhando para baixo, com as mãos entrelaçadas
próximas do corpo, que se curva como as rugas que se pronunciam em
sua fronte, anunciando um envelhecimento precoce e intensivo que lhe
rouba toda vitalidade.
Maravilha-te,
memória! (Fernando Pessoa)
"Maravilha-te, memória!
Lembras
o que nunca foi,
E
a perda daquela história
Mais
que uma perda me dói"
Os tempos anunciam a permanência/crença dos preconceitos. Começamos, recentemente, com a Casa dos Autistas que a mídia televisada grotescamente nos obriga ainda protestar, culminando com as piadas homofóbicas ou racistas.
A hora da demolição dos preconceitos e das intolerâncias já foi anunciada. Não bastará o que chamam de politicamente correto. É o tempo de uma nova e construtiva seriedade ética, com respeito às diferenças e aos diferentes modos de ser, estar, viver, adoecer e morrer.
Por
esse tempo é que me incomoda quando me dizem a frase: olha o Alemão
está chegando?!, uma triste piada, já banalizada, nos diferentes
meios para falar sobre Alzheimer. A vox populi já a naturalizou como
uma ameaça da perda de memória. Uma perda a que, todos e todas,
estamos submetidos, tanto as memórias coletivas como as individuais.
Uma perda que é só um dos sintomas que anunciam uma doença
devastadora.
Esta é uma referência a Alois Alzheimer (1864-1915) o médico que apresentou o primeiro caso desta demência. Ele descreveu o caso de uma paciente: a Sra August D.. No Congresso de 1906 Alzheimer apresentou sua conferência onde o definiu como “uma patologia neurológica, não reconhecida, que cursa com demência, destacando os sintomas de déficit de memória, de alterações de comportamento e de incapacidade para as atividades rotineiras".
E,
apesar do século já vivenciado, esta continua sendo a descrição
do ''Mal de Alzheimer''. Esta tão temida doença neurológica que
ainda intriga e desafia todos os pesquisadores e neurocientistas.
O que então nos faz fazer piada de uma doença com tão devastadores sintomas e degradação de um ser humano? Não sei a melhor resposta. Mas há uma possível implicação de nossas posturas psíquicas e históricas diante do sofrimento do Outro. Na maioria das vezes, por mecanismos de defesa, a moda de Freud, projetamos nos nossos semelhantes as nossas mais temidas fragilidades.
A memória perdida é um dos nossos mais temidos fantasmas. Eu pessoalmente os conheço desde a década de 80 quando confirmei o diagnóstico de minha própria mãe. Como muitos familiares e cuidadores conheci sua dura realidade.
Quem
já vivenciou ou vivencia o convívio com as perdas que a doença
produz pode avaliar por que digo que me incomodam, epidérmica
e profundamente, as piadas que temos de ouvir. Não sei da dor ou dos
temores de outrem. Sei apenas que me causam um mal-estar e uma
sensação de revolta, mas, principalmente, me refazem o temor dos
que reconhecem na doença seu potencial de hereditariedade.
Aí me coloco na pele de quem não reconhece nem mesmo os que mais ama ou respeita. É quando alimento, como muitos, o desejo de uma possível solução ou cura, para além dos tratamentos atuais, que criem um horizonte, um futuro possível.
Uma matéria recente nos fala de uma região, em Medellin, Colômbia, onde os descendentes de um casal espanhol, emigrado no século XVIII, tem mais de cinco mil casos da doença. Segundo a reportagem: "Não se conhecem as identidades do homem e da mulher, mas o clã que fundaram apresenta uma peculiaridade genética: uma alteração no primeiro gene do cromossomo 14".
Aos que passam por temores por parentesco com a Doença de Alzheimer digo que esta é uma oportunidade de uma pesquisa sobre os fatores genéticos, hereditários, ambientais e sociais que podem ser desencadeadores ou as gêneses combinadas para o surgimento precoce de sintomas demenciais.
O que tem me feito bem ao meu coração "escrevinhador" é a possibilidade de que em um prazo de alguns anos as pesquisas trarão muitas descobertas no campo das demências. Digo no plural pois são muitas as situações de demências ou doenças neurológicas graves que as ocasionam. O que mais conhecemos e falamos ainda é o quadro que, preconceituosamente, ainda é tratado, em especial nas mídias, como um Mal. Um mal que confirma a visão preconceituosa de temerosa criada em seu histórico secular.
Aí me coloco na pele de quem não reconhece nem mesmo os que mais ama ou respeita. É quando alimento, como muitos, o desejo de uma possível solução ou cura, para além dos tratamentos atuais, que criem um horizonte, um futuro possível.
Uma matéria recente nos fala de uma região, em Medellin, Colômbia, onde os descendentes de um casal espanhol, emigrado no século XVIII, tem mais de cinco mil casos da doença. Segundo a reportagem: "Não se conhecem as identidades do homem e da mulher, mas o clã que fundaram apresenta uma peculiaridade genética: uma alteração no primeiro gene do cromossomo 14".
Aos que passam por temores por parentesco com a Doença de Alzheimer digo que esta é uma oportunidade de uma pesquisa sobre os fatores genéticos, hereditários, ambientais e sociais que podem ser desencadeadores ou as gêneses combinadas para o surgimento precoce de sintomas demenciais.
O que tem me feito bem ao meu coração "escrevinhador" é a possibilidade de que em um prazo de alguns anos as pesquisas trarão muitas descobertas no campo das demências. Digo no plural pois são muitas as situações de demências ou doenças neurológicas graves que as ocasionam. O que mais conhecemos e falamos ainda é o quadro que, preconceituosamente, ainda é tratado, em especial nas mídias, como um Mal. Um mal que confirma a visão preconceituosa de temerosa criada em seu histórico secular.
Nesse momento é que convido à reflexão sobre a banalização do termo ''Alzheimer". Quando um grupo de cidadãos colombianos pode vir a ser transformado, mesmo que voluntariamente, em objeto de pesquisa científica é hora de muita seriedade e pouquíssimas piadas.
É hora de reflexão sobre o que entendemos como consentimento livre e informado, e sobre o uso do corpo humano, dos Outros, em pesquisas científicas. Mesmo que estas possam significar um suposto avanço contra o que vem sendo chamado de ''mal dos séculos'', mesmo que isso alimente as minhas esperanças mais íntimas...
Piadas nos fazem rir, desde tempos imemoriais, mas também podem nos fazer chorar. E uma vez que você traga dentro de si uma chaga ou temor o riso de outros pode ser apenas estímulo para que sua ''memória'' ative alguma tristeza ou afeto. E, olhando para o futuro, o que sente um colombiano que poderá ter todas as suas memórias apagadas? Ele não sabe se tomou a medicação para preservá-las ou uma pílula placebo de açúcar que terá um gosto amargo de esquecimento depois.
Convido a quem gosta de falar no Dr. Alois Alzheimer, cuja alcunha hoje é o ''alemão'', que reflita sobre este ponto de vista ético antes de repetir, reproduzir e naturalizar a sua chegada a quem se queixa de esquecer as senhas do banco ou os compromissos e datas importantes. Convido para que assistam os filmes e documentários que estão sendo indicados, que possam se sensibilizar e reposicionar sobre o assunto.
Está na hora de revermos nossos preconceitos temerosos com o Dr. Alois. Um bom exercício é lembrar a universalidade da doença. Ela atinge desde uma sul-coreana, como no filme Poesia, até um homem catalão, Pasqual Maragall, que nos impressiona no documentário "Bicicleta, cuchara e manzana". Depois disso poderemos dizer que Alzheimer não é uma piada, mas pode vir a ser um redescoberta poética de nossas finitudes.
O meu apelo é na direção da sensibilidade. As mesmas sensibilidades que me inspiram os filmes de Chaplin. O sorrisos que me produziu, e ainda produzirá, são respeitosos com as denúncias que o ator-cineasta aponta nas tragicomédias que encantaram o mundo. O que sentiria Carlitos caso tivesse de representar, para além de um vagabundo, um homem que perdesse, progressivamente, todas suas preciosas memórias?
Talvez ele nos inspirasse a reconhecer o Grande Irmão (1984) ou o Grande Ditador como uma criação coletiva de todos nós. E nos faria sorrir ou chorar, sem ridicularizar, com o infindo, heterogêneo e múltiplo da condição mortal e frágil dessa "coisa" e Vida Nua chamada Ser Humano...
Vamos nos olhar/escutar/afetar, bio-eticamente, nos nossos próprios olhos/ouvidos/afetos? Como será nos encarar nos nossos espelhos antes de contarmos a próxima piada sobre negros, judeus, homossexuais, mulheres, estrangeiros, loucos, e, principalmente, sobre quem vivencia a doença de Alzheimer?
Não se esqueça(m) de lembrar!
(copyriht jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012)
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