Em 2010, Elizabeth Wolf,
então com 30 anos, morava em Vermont (EUA), trabalhava para uma
organização sem fins lucrativos e alegremente explorava novas
conquistas, desde criar galinhas até aulas de dança. Mas, depois de vários telefonemas perturbadores de seus
pais, Louis e Nancy Brood, Elizabeth voltou para o sobrado em Mount
Laurel, em Nova Jersey, onde ela e as irmãs cresceram, com o então
novo marido, Casey Wolf. Esperava encontrar cuidadores para ajudar
com os pais e logo retornar a Vermont.
Cinco anos mais tarde, ainda está tomando conta do pai de 81 anos
e da mãe de 65, os dois com demência. Elizabeth, que é voluntária
na Associação de Alzheimer, escreve sobre a experiência no site
upsidedowndaughter.com. Sua entrevista foi editada e condensada por questões de espaço e
clareza:
"Meus pais me ligaram um dia em março e começaram a cantar
Feliz Aniversário. Foi inquietante. Meu aniversário é em maio. Meu tio também me ligou. Ele e meu pai haviam sido donos de
uma loja de estofados na Filadélfia por 50 anos, e ele estava muito
preocupado porque meu pai não conseguia mais fazer contas simples de
matemática. Não me lembro de todas as consultas médicas que levaram meu
pai a ver um neurologista, mas me recordo daquela em que passou por
um mini-exame de estado mental. Ele saiu do consultório com um
diagnóstico de Alzheimer.
Ficamos tão focados no pai que não percebemos a mãe
Ficamos muito preocupados com minha mãe também. Ela estava
perguntando as mesmas coisas várias vezes. Eu disse que iria
conversar com o professor com quem ela trabalhava como assessora. O professor confirmou: "Basicamente, sua mãe não está
mais funcionando. Ela só senta no fundo da sala e olha pela janela". Isso estava acontecendo há muito tempo, e havíamos ficado
tão focados em meu pai que não tínhamos percebido. Acabamos
levando minha mãe ao mesmo neurologista, e ela também saiu de lá
com um diagnóstico de Alzheimer. Falei para o Casey: "Vamos passar dois meses aqui, de
outubro a dezembro". Mas rapidamente percebemos que teríamos
que ficar mais tempo.
Os médicos disseram que pessoas com Alzheimer têm uma
expectativa de vida média, entre o diagnóstico e a morte, de cinco
a sete anos. Então, eu sabia que estaríamos nisso por um período
longo, qualquer que fosse ele.
Agora, acordo entre seis, seis e meia da manhã todos os dias
e dou remédio para meu pai.
Levo minha mãe para o banheiro. Tenho que levá-la a cada duas horas, senão é o que aconteceu hoje de manhã, não apenas um acidente grave, mas há sujeira por toda parte e tenho que lhe dar um banho.
Batalhas diárias
Faço o café da manhã deles. Ela toma remédios para
diabetes, hipotireoidismo, pressão alta, convulsões e dois
antipsicóticos, porque tem alucinações. Ela parou de engolir as
pílulas de bom grado alguns anos atrás; então temos batalhas
diárias. Agora nós as escondemos em pedaços de banana. Meu pai frequenta um programa para adultos com Alzheimer e
demência. Cinco dias por semana, eles o pegam às 8h40 e ele volta
entre uma e uma e meia da tarde.
Estou sempre procurando mais atividades para fazer com ele.
Encontrei uma professora de voz e, uma vez por semana, ela toca piano
e os dois cantam juntos velhas canções que ele guarda em sua
memória profunda, como "All The Way" e "Some
Enchanted Evening". Minha mãe não tem mais concentração para atividades. A
maior parte do tempo ela consome caminhando, ou sentada olhando pela
janela.
De noite, temos um sensor de movimento que, sempre que a porta
do quarto deles abre – quando minha mãe precisa ir ao banheiro,
ela vai para o corredor –, uma campainha toca em nosso quarto. Isso
acontece umas seis vezes por noite, em média. Algumas noites parece
que é a cada meia hora. Uma noite recente, meu pai estava muito confuso, acordou
várias vezes e fiquei cansada e frustrada, com raiva e uma tristeza
esmagadora. Fui lá e chorei abraçada a ele, implorando: "Por
favor, volte a dormir". Ele não entendeu, mas me abraçou e
chorou também, dizendo: "Desculpa. Vou melhorar. Vou melhorar".
Não sei como descrever esse sentimento, quando você sente
que não conseguirá seguir adiante. E sei que, em comparação com
outras pessoas nessa situação, tenho várias vantagens. O apoio do
meu marido. Ajuda de cuidadores. Acabamos de receber uma espécie de bolsa da organização
Hilarity for Clarity. Eles nos deram 25 horas de cuidados por semana
por um ano. Também temos uma cuidadora de um programa do estado.
Então, agora temos ajuda às segundas, quintas, sextas e nas manhãs
de domingo. Mas a maioria dos cuidadores não consegue ligar com a minha
mãe no banheiro ou dar banho nela, então frequentemente eles me
ajudam. E quando tenho ajuda, corro de um lado para o outro tentando
resolver as milhares de coisas necessárias para manter a casa. E
também trabalho em casa meio-período.
Solidão
A maior parte do tempo que tenho para mim é gasta na
academia. Também vou à terapia e à acupuntura duas vezes por mês.
Essas são as coisas que faço para sobreviver. Mais do que qualquer coisa, a dor ou a perda que sinto vêm na
forma de solidão. O isolamento. Eu não sei mais como me relacionar
com pessoas da minha idade.
De vez em quanto, penso sobre o que deixei de lado. Eu e Casey
decidimos não ter filhos, mas me sinto uma mãe para meus pais. Valorizo a incrível intimidade que compartilho com eles.
Quando era adolescente, minha mãe era muito crítica; ela me
ignorava por dias. Acho que se sentiu sobrecarregada com a
maternidade.
Agora, esse papel que compartilhamos, mudou a dinâmica, a
história de nosso relacionamento. Daqui a muitos anos, olhando para
trás, vou me lembrar dos momentos de ternura que tive com ela, todos
os dias. Houve um momento em maio de 2013 – estávamos aqui há dois
anos e meio – quando pensamos em levar meus pais para uma casa de
repouso. Iríamos começar com uma estadia curta e, se eles se
adaptassem, se desse certo, venderíamos a casa.
Fizemos tudo o que foi possível – levamos sofás e móveis
do quarto deles – para deixar o lugar mais parecido com uma casa.
Mas não era a casa deles. Para meu pai, durou três dias. Ele
começou a ter ataques de pânico, chegou a vomitar. Ele ainda estava bem o suficiente para nos ligar. Lembro-me de
receber uma mensagem dele, chorando: "É o papai. Por favor, eu
e a mamãe queremos voltar para casa". Todo mundo, inclusive seu médico, disse: "Você tem que
deixá-lo lá; ele precisa se acostumar". Mas não consegui. Não
julgo as pessoas que fazem isso, mas não consegui. Eles estão aqui há 40 anos. Tudo o que meu pai sempre quis
foi sua casa. Quem eu seria, se o tirasse daqui?
(Paula Span - New York Times)
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