segunda-feira, 17 de outubro de 2016

SE, PORVENTURA, EU FICAR COM DEMÊNCIA ...

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Se meu cérebro for tomado sorrateiramente pela doença de Alzheimer, e então ela me levar a memória, me trouxer confusão mental, me tirar a lucidez e me enviar constantemente para o passado …

Lembrem-se que:
Ainda tenho a lembrança de quem eu sou, talvez vagamente e que gosto de ser chamado pelo meu nome ou pelo nome carinhoso que costumam usar para me chamar – vovô, papai …

Muitas vezes pedirei para voltar para minha casa, aquela de anos passados; talvez ela não mais exista, mas por favor, criem um espaço meu, com minhas coisas, o sapato preferido, a camisa da minha cor preferida, meus livros antigos, meus discos, fotos de tempos idos, meu perfume preferido e coisas assim; não joguem fora coisas minhas, ainda que velhas, pois elas podem me devolver alguns momentos fugazes de lucidez e quem sabe, revivê-los, por instantes, as sensações e lembranças associadas.

Sempre gostei de música e muitos momentos felizes e marcantes de minha vida, podem ter trilhas sonoras de alguma canção que me evoca o clima de então, as pessoas que compartilharam aqueles momentos. Então, deixem-me ouvir estas músicas (mas não se aborreçam se pedir que as toquem repetidas vezes, pois não me lembrarei de que acabo de ouvi-las).

Vou gostar de receber visitas de meus amigos, meus filhos, meus netos; receber abraços e beijos destas pessoas me farão sentir o calor do afeto assim como me farão sentir ainda importante.

Se eu não retribuir os abraços e os beijos com o mesmo carinho, é porque meus braços e meus lábios não me obedecem como deveriam.

Se eu não demonstrar gratidão pela sua dedicação, deixo desde já aqui registrado, pois muito provavelmente não saberei mais como fazê-lo.

A minha falta de interesse, meu estado de alienação, meu distanciamento, minhas confusões, não são intencionais – na verdade, não tenho controle sobre estes estados.

Se eu demonstrar irritação, inquietação ou ansiedade, talvez a causa seja um ambiente ou um assunto que me traz sensações desagradáveis de medo ou de insegurança; por favor, mudem de assunto, de ambiente, falem ou mostrem coisas bonitas, mudem o foco.

Se um dia eu não os reconhecer ou tomá-los por outra pessoa, trocar nomes ou fatos, não se zanguem comigo pois isso me deixará confuso e infeliz. Não é culpa minha, é consequência da demência.

Se eu acordar de madrugada e perambular pela casa à procura de algo perdido, não se irrite, por favor, ajude-me a entender o que está acontecendo e me tirar a ansiedade.

Não quero ser tratado como uma criança. Trate-me como adulto que sou. Não quero que me excluam das festas e encontros familiares.

Se não puderem cuidar de mim o tempo inteiro, todos os dias, não se sintam culpados; encontrem pessoas que possam lhes dar uma folga e, se um dia precisarem me internar numa casa de repouso, que seja um lugar bom para viver e me visitem sempre.
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