terça-feira, 24 de junho de 2014

REALIDADE (08)


Sinto a cada dia que estou perdendo a minha amada mãe para o Alzheimer. Dificuldades de comunicação, passos lentos com pouco equilíbrio, dificultados pela rigidez dos músculos, o silencio mais frequente, dentre outras transformações observadas no dia a dia.

Perceber que a memória está esvaziando, que está perdendo as recordações mais importantes e a capacidade de interagir. Perder o contato com o mundo e com os entes queridos enquanto o corpo permanece vivo é uma dor sem tamanho. É uma assustadora perspectiva para os portadores do mal de Alzheimer. Uma vida sem passado e sem presente.

"Percebo com clareza que o portador do Alzheimer é um guerreiro solitário travando uma luta constante e inglória contra o vazio do esquecimento… No mundo das palavras, seu campo de ação torna-se cada vez mais estreito e limitado para que possa dar vazão ao império dos sentidos. Já no universo do sentir a vida pulsa estrondosa e vibrante, sem subterfúgios nem fronteiras!"

A DA nos causa medo porque atinge nosso fundamento e nosso indivíduo: nosso espirito, nosso discernimento, nossa identidade. A doença se nutre de tudo, engolindo com ela as lembranças de uma vida. Tudo se torna diáfano : um esquecimento de si, uma dissolução existencial!.

Os traços da doença de minha amada mãe, estão profundamente marcados no seu rosto. Nota-se o cansaço e a inocência de cada expressão, de cada palavra... Muitas vezes parece uma criança mais velha, se perde na composição das frases, e a capacidade de pensamento é mínima. Sinto perder-se no tempo, no espaço, no mundo, na vida.

Não canso de falar: o Alzheimer é uma doença avassaladora e impiedosa, cujo alvo não é somente o sujeito, mas todos aqueles que o cercam, em um raio bastante amplo, alterando completamente a rotina familiar. A doença vai modificando o humor, o comportamento e o tipo de relação do enfermo com seu entorno social e seus familiares.

Quando digo alteração na rotina familiar é no sentido de colaboração e apoio de toda a família neste processo tão sofrido que a DA produz. É no sentido de compartilhar com a família a dor e criar juntos, possibilidades de outras pessoas participarem, oferecendo o apoio e a troca entre os membros envolvidos.

O apoio neste momento é imprescindível, pois ajudará as famílias a encontrar novas formas de enfrentamento, ao mesmo tempo em que, cria-se um espaço para expressão da dor. A experiência de compartilhar o medo e a insegurança, possibilita que os cuidadores e familiares possam aproveitar melhor o tempo que ainda tem com seu ente querido. O amor e o carinho são fundamentais neste momento de resgate e despedida”.

Infelizmente, a minha realidade é totalmente contrária ao que se espera. Intrigas entre irmãos, total falta de compartilhar de dores e sentimentos. Falta de colaboração nas divisões de atividades que produzam uma melhor qualidade de vida para a minha amada mãe. Falta de confiança e muitos outros sentimentos negativos. E acima de tudo, o que acho mais sofrido, ausência de total manifestação de carinho com a minha amada mãe, beijos, abraços, o “eu te amo”, nada... , tratando-se do comportamento da filha mais velha que mora com ela. É uma pessoa fria, cristalizada em seus sentimentos.

Sinto muitas vezes sem forças, com cansaço físico e acima de tudo emocional. Muitas noites sozinha a chorar, a pedir a DEUS forças para continuar com a minha missão junto com a minha amada mãe. Quanto sofrimento, quanta dor. Sei que tenho uma “reserva de amor” muito grande, isto é que me impulsiona a seguir em frente.

Procuro a cada dia superar as dificuldades, acredito que tenho um poder de resiliência, até então desconhecido. Tenho uma “energia armazenada”, onde através de extrema dor e sofrimento, consigo lançar mão de uma energia latente para superar cada dia as dificuldades e tentar se preparar para os desafios que ainda virão.

Minha amada mãe, continua sendo assistida por vários profissionais de saúde. Sempre participando das datas comemorativas da família, passeios nos shopping e outros tipos de lazer quando por ela demandado. Conto com a minha irmã mais nova para compartilhar estas atividades. O importante é não isolar, uma vez que ela sempre foi comunicativa, gostava muito de viajar  e participava inclusive de grupos da Terceira Idade.

Apesar de todo o sofrimento e dor ao observar a evolução da DA, é importante enfrentar as tarefas menos estressante quando se busca como grande aliado o AMOR. Assim, quando o repertório das palavras se evapora, voltamos a descobrir a forma única com a qual todo o universo se comunica: as linguagens do corpo, da alma, do coração!

O verdadeiro amor não se resume ao físico, nem ao romântico, nem ao bonito e muito menos ao que possuímos. O verdadeiro amor é a aceitação de tudo que o outro é… suas qualidades e defeitos, o inteiro que se torna metade de nós. O verdadeiro amor não se vale de um momento de fraqueza ou de vangloria, mais sim de tudo que foi um dia… do que será amanhã… e também daquilo que já não é mais.. daquilo que deixou saudade, e faz a gente ter certeza de que amor existe, mesmo quando já não existe mais..!! 

“Quando falo Amor, não é somente Amor de filha e sim um puro Amor Consciente por um Ser Humano que você terá que dar banho, limpar e lavar o bumbum; dar alimentação e remédios em horário certo; ser firme na hora de dizer NÃO, quando na verdade está doida para ceder e dizer SIM; dar uns gritos e ter aquela vontade de extravasar a sua raiva dando umas boas palmadas e ter a consciência que não pode e não deve fazer isso. Enfim, um Amor incondicional, independente de ser filha/mãe, por um Ser Humano C O M P L E T A M E N T E dependente de você. E você se emociona com esse Amor porque se vê, apesar das cobranças de terceiros, com o seu espírito amadurecido, a entender o porquê da sua existência. E chega a conclusão que apesar de tudo, o Mal de Alzheimer é na verdade um veículo para fazer você enxergar o poder desse Amor”.

As emoções do doente de Alzheimer são um terreno ainda bastante inexplorado. As pesquisas se preocupam muito com a cognição, mas não com a emoção. É possível que para o doente de Alzheimer alguns sentimentos, principalmente o carinho, sejam os únicos vínculos que os mantêm ligados à realidade que os circunda. O amor estimula a memória. Com uma vida afetiva ativa, a doença progride mais lentamente. 
E com certeza, é com este amor e carinho  que continuarei minha missão junto a minha amada mãe. TE AMO

Um comentário:

  1. Olá, Virgínia! Entendo completamente a sua dor. Também vivo desafio semelhante. Força! Adicionei seu blog à minha lista de leitura. Forte abraço.

    ResponderExcluir