Sinto
a cada dia que estou perdendo a minha amada mãe para o Alzheimer.
Dificuldades de comunicação, passos lentos com pouco equilíbrio,
dificultados pela rigidez dos músculos, o silencio mais frequente,
dentre outras transformações observadas no dia a dia.
Perceber
que a memória está esvaziando, que está perdendo as recordações
mais importantes e a capacidade de interagir. Perder o contato com o
mundo e com os entes queridos enquanto o corpo permanece vivo é uma
dor sem tamanho. É uma assustadora perspectiva para os portadores do
mal de Alzheimer. Uma vida sem passado e sem presente.
"Percebo
com clareza que o portador do Alzheimer é um guerreiro solitário
travando uma luta constante e inglória contra o vazio do
esquecimento… No mundo das palavras, seu campo de ação torna-se
cada vez mais estreito e limitado para que possa dar vazão ao
império dos sentidos. Já no universo do sentir a vida pulsa
estrondosa e vibrante, sem subterfúgios nem fronteiras!"
A
DA nos causa medo porque atinge nosso fundamento e nosso indivíduo:
nosso espirito, nosso discernimento, nossa identidade. A doença se
nutre de tudo, engolindo com ela as lembranças de uma vida. Tudo se
torna diáfano : um esquecimento de si, uma dissolução existencial!.
Os
traços da doença de minha amada mãe, estão profundamente marcados
no seu rosto. Nota-se o cansaço e a inocência de cada expressão,
de cada palavra... Muitas vezes parece uma criança mais velha, se
perde na composição das frases, e a capacidade de pensamento é
mínima. Sinto perder-se no tempo, no espaço, no mundo, na vida.
Não
canso de falar: o Alzheimer é uma doença avassaladora e impiedosa,
cujo alvo não é somente o sujeito, mas todos aqueles que o cercam,
em um raio bastante amplo, alterando completamente a rotina familiar.
A doença vai modificando o humor, o comportamento e o tipo de
relação do enfermo com seu entorno social e seus familiares.
Quando
digo alteração na rotina familiar é no sentido de colaboração e
apoio de toda a família neste processo tão sofrido que a DA
produz. É no sentido de compartilhar com a família a dor e criar
juntos, possibilidades de outras pessoas participarem, oferecendo o
apoio e a troca entre os membros envolvidos.
“O
apoio neste momento é imprescindível, pois ajudará as famílias a
encontrar novas formas de enfrentamento, ao mesmo tempo em que,
cria-se um espaço para expressão da dor. A experiência de
compartilhar o medo e a insegurança, possibilita que os cuidadores e
familiares possam aproveitar melhor o tempo que ainda tem com seu
ente querido. O amor e o carinho são fundamentais neste momento de
resgate e despedida”.
Infelizmente,
a minha realidade é totalmente contrária ao que se espera. Intrigas
entre irmãos, total falta de compartilhar de dores e sentimentos.
Falta de colaboração nas divisões de atividades que produzam uma
melhor qualidade de vida para a minha amada mãe. Falta de confiança
e muitos outros sentimentos negativos. E acima de tudo, o que acho
mais sofrido, ausência de total manifestação de carinho com a
minha amada mãe, beijos, abraços, o “eu te amo”, nada... ,
tratando-se do comportamento da filha mais velha que mora com ela. É
uma pessoa fria, cristalizada em seus sentimentos.
Sinto
muitas vezes sem forças, com cansaço físico e acima de tudo
emocional. Muitas noites sozinha a chorar, a pedir a DEUS forças
para continuar com a minha missão junto com a minha amada mãe.
Quanto sofrimento, quanta dor. Sei que tenho uma “reserva de amor”
muito grande, isto é que me impulsiona a seguir em frente.
Procuro
a cada dia superar as dificuldades, acredito que tenho um poder de
resiliência, até então desconhecido. Tenho uma “energia
armazenada”, onde através de extrema dor e sofrimento, consigo
lançar mão de uma energia latente para superar cada dia as
dificuldades e tentar se preparar para os desafios que ainda virão.
Minha
amada mãe, continua sendo assistida por vários profissionais de
saúde. Sempre participando das datas comemorativas da família,
passeios nos shopping e outros tipos de lazer quando por ela
demandado. Conto com a minha irmã mais nova para compartilhar estas
atividades. O importante é não isolar, uma vez que ela sempre foi
comunicativa, gostava muito de viajar e participava inclusive de grupos da
Terceira Idade.
Apesar
de todo o sofrimento e dor ao observar a evolução da DA, é
importante enfrentar as tarefas menos estressante quando se busca
como grande aliado o AMOR.
Assim, quando o repertório
das palavras se evapora, voltamos a descobrir a forma única com a
qual todo o universo se comunica: as linguagens do corpo, da alma, do
coração!
O
verdadeiro amor não se resume ao físico, nem ao romântico, nem ao
bonito e muito menos ao que possuímos. O verdadeiro amor é
a aceitação de tudo que o outro é… suas qualidades e defeitos, o
inteiro que se torna metade de nós. O verdadeiro amor não se vale
de um momento de fraqueza ou de vangloria, mais sim de tudo que
foi um dia… do que será amanhã… e também daquilo que já não
é mais.. daquilo que deixou saudade, e faz a gente ter certeza de
que amor existe, mesmo quando já não existe mais..!!
“Quando
falo Amor, não é somente Amor de filha e sim um puro Amor
Consciente por um Ser Humano que você terá que dar banho, limpar e
lavar o bumbum; dar alimentação e remédios em horário certo; ser
firme na hora de dizer NÃO, quando na verdade está doida para ceder
e dizer SIM; dar uns gritos e ter aquela vontade de extravasar a sua
raiva dando umas boas palmadas e ter a consciência que não pode e
não deve fazer isso. Enfim, um Amor incondicional, independente de
ser filha/mãe, por um Ser Humano C O M P L E T A M E N T E
dependente de você. E você se emociona com esse Amor porque se vê,
apesar das cobranças de terceiros, com o seu espírito amadurecido,
a entender o porquê da sua existência. E chega a conclusão que
apesar de tudo, o Mal de Alzheimer é na verdade um veículo para
fazer você enxergar o poder desse Amor”.
As
emoções do doente de Alzheimer são um terreno ainda bastante
inexplorado. As pesquisas se preocupam muito com a cognição, mas
não com a emoção. É possível que para o doente de Alzheimer
alguns sentimentos, principalmente o carinho, sejam os únicos
vínculos que os mantêm ligados à realidade que os circunda.
O amor estimula a memória. Com uma vida afetiva ativa, a
doença progride mais lentamente.
E com certeza, é com este amor e carinho que continuarei minha missão junto a minha amada mãe. TE AMO
Olá, Virgínia! Entendo completamente a sua dor. Também vivo desafio semelhante. Força! Adicionei seu blog à minha lista de leitura. Forte abraço.
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