Com o Alzheimer, conheci a impotência do ser humano diante de uma doença incurável. Surgem os momentos de revolta diante da progressão da degeneração física e mental, apesar dos cuidados e da assistência.
Minha mãe completará 80 anos em maio e o Alzheimer
foi diagnosticado há quatro anos. De repente, os papéis se inverteram:
perdi a posição de filha e assumi a de mãe. Perdi o abraço forte, o
afago terno e carinhoso. Perdi os meus parâmetros, os meus caminhos, o
ombro amigo, o meu modelo.
O afastamento da imagem que idealizei da minha mãe
quando ficasse velhinha é cada vez maior. Vieram as mudanças de
comportamento em forma de agitação, de agressividade, da perda da fala,
das boas maneiras, do controle motor. Ela passou a depender totalmente
de mim, até mesmo nas tarefas mais simples. Embora tenha perdido a
identidade, eu não posso permitir que ela perca a dignidade.
Com dificuldade, precisamos trabalhar as emoções:
dor, tristeza, angústia, insegurança, medo. As perdas vão se acumulando.
A cada momento, estabeleço um novo vínculo com ela e o perco em
seguida. Amanhã, terá mudado, hoje não sabe o que sabia ontem. É como se
ela se tornasse, a cada dia, uma nova pessoa ao mesmo tempo em que a
outra morre.
Ela não deixou de existir. Se despersonalizou.
Esqueceu sua história, perdi minha mãe, mas ela não morreu. Perdi o
papel de filha. Ela é minha mãe, mas eu não sou sua filha. Ela está para
mim, mas eu não estou para ela. Vivencio um luto diário.
Além de perder a relação com minha mãe, perdi
alguns amigos, o apoio de alguns parentes tão queridos, a qualidade de
vida, a oportunidade de “curtir” a expectativa da chegada do primeiro
neto. Acima de tudo, a fé é de grande ajuda. Sei que
Deus não permite um fardo maior do que eu possa suportar. Como disse
Madre Teresa de Calcutá, “apenas gostaria que ele não tivesse confiado
tanto em mim”.
Graças a Deus, existe a ABRAz que nos dá
informação sobre a Doença de Alzheimer e como cuidar. Os Grupos de Apoio
e, particularmente, o do Serviço de Psicologia e Higiene Mental do
Hospital São Cristóvão, onde encontrei as psicólogas Clara e Maristela
que, com seu profundo senso de amor ao próximo, juntamente com os amigos
familiares, nos ajudam a elaborar a aceitação da doença.
Lá aprendi a descobrir novos caminhos na vida, a
não me isolar, a estruturar a vida e reestruturar a escala de valores e a
repartir nossas dores e angústias. Pude entender que não podemos viver
só para o doente, que não podemos deixar de viver a nossa vida, de abrir
espaço para novos interesses. Aprendi que a maior arma contra a doença
são o carinho e o amor e encontrar o equilíbrio emocional para esse
cuidado.
Embora sofra com a perspectiva, aprendi a ver a
morte como um fato natural da vida. Ganhei muito amigos sinceros e o
maior aliado, meu marido. A ele, minha eterna gratidão pela paciência,
pelo carinho e amor que devota à minha mãe, me auxiliando a cuidar dela
em todos os momentos sem esmorecer e sempre me encorajando.
Com minha mãe, aprendemos a usufruir de momentos
indescritíveis. Temos a recompensa da alegria do brilho de seus olhos.
Ela não nos reconhece, mas nós ainda nos comunicamos. Acariciamos sua
face, beijamos seu rosto e ela beija nossa mão, mesmo não lembrando que
sou sua filha e nem de seu genro. Não entendemos mais sua fala, mas seu
sorriso é a linguagem que conforta nossa alma.
Yone de Moura Beraldo- Coordenadora GA Penha da ABRAz-SP
http://abraz.org.br/v
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