segunda-feira, 24 de novembro de 2014

REALIDADE - APENAS UM DESABAFO


 Não existir dói. O homem não foi preparado para representar o vazio. Em que parte se está guardado? Em que outra se está esquecido?
 

O que forma a identidade de uma pessoa? Sem dúvida, a personalidade, o meio social, a influência familiar e a educação, entre outros fatores. Eles se entrelaçam pela vivência, pelos acontecimentos do dia-a-dia e, principalmente, por aquilo que fica como recordação. A memória é, portanto, o cofre, ou melhor ainda, o arquivo dessa identidade.

Imagine agora cada gaveta pouco a pouco sendo esvaziada dos nomes dos amigos, dos mapas das ruas, das fotos dos aniversários. De repente, as imagens dos filhos, dos irmãos, das mulheres e dos maridos desaparecem. Não há mais registro de rostos nem vozes familiares. Só lembranças, poucas, de um passado distante. A identidade é praticamente nula. Tudo vazio.

A Doença de Alzheimer é uma experiência devastadora. Para o doente, a perda gradual da memória é o apagar do mais essencial que possuímos, do que nos define e nos diferencia daquilo que faz de cada um de nós, humanos: nossa identidade.

Para o familiar, é a dor de um luto prolongado, pois, embora esteja vivo, aquele à nossa frente vai, pouco a pouco, deixando de ser quem um dia conhecemos e amamos. 

A exclusão dos detalhes de uma relação, seja ela qual for, acontece não por escolha, mas por uma debilidade cruel que apaga de forma sorrateira as pegadas deixadas. Não existir dói. O homem não foi preparado para representar o vazio.

O indivíduo existe por ser de carne e osso ou pelo fato de a existência ser validada pela lembrança que os outros cultivam? Afinal, o que faz com que cada um exista? Qual a importância dos rastros deixados na vida de outra pessoa? Em que parte se está guardado? Em que outra se está esquecido? Boas e más lembranças são parte da história de cada um de nós. Seria interessante mutilar essa parte da nossa história? Mutilação causada pelo ALZHEIMER.

Um cérebro danificado gera uma mente fragmentada. Aceitar que a personalidade de uma pessoa querida está se esvaindo é difícil para os familiares.  Quanto mais danificado o cérebro, mais fragmentada a mente e menos consistente a personalidade.

É preciso fazer as pazes e se conformar com o problema. É necessário saber aproveitar os momentos de lucidez e se felicitar com os momentos de alegria. Igualmente importante é poder dar o conforto nos momentos de aflição do paciente, quando a doença fala mais alto.
 
Como é triste o destino de alguém acometido pela doença de Alzheimer.

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