Era tarde de Domingo e no horizonte a policromia tomou conta da
natureza, enfeitando-a com mesclas de vermelho, raios laranja
iluminados, tons de cinza sisudo, e traços lilases. Era bonito de se ver
aquele quadro em meio ao qual o sol se despedia. Deslizando para o
outro lado da Terra, deixava a impressão de seu dever cumprido: havia
iluminado o dia. A paisagem rapidamente se desfez e guardou o sol no
manto da noite. É generoso o espetáculo que o entardecer proporciona.
Sensibilidade, serenidade e intimidade, nos possibilitam descortinar a
beleza do fim do dia, como também perceber as faces encantadas do final
de um percurso.
O
pôr do sol é bonito, porque é efêmero. Se fosse permanente nos
cansaria. Nada permanece belo definitivamente. Tudo pede para terminar,
até mesmo um beijo ardente. A vida pulsa em direção ao fim. Imaginemos
por um instante, que o sol jamais vai se pôr, ou que nossa vida jamais
terminará. Como nos comportaríamos, como nos sentiríamos em relação a
este dia e-t-e-r-n-o e em relação à vida sem fim. O que neles poderíamos
apreciar em sua definitiva repetição? É a alternância que nos
possibilita tanto o amanhecer como o anoitecer. Assim também é a vida.
Ela é bela em sua diversidade e temporalidade. É nessa provisoriedade
que nos esforçamos para lhe dar sentido e estética.
A
vida também entardece. Inevitavelmente caminhamos todos nessa direção,
e, como o sol, nos guardaremos no manto da noite. A sombra que avança
para a noite, nos dá notícia do tempo; do tempo que passou, e do tempo
que está aí, diante de nós. Descobrir esse tempo tem algo de medo, mas
também de parto, de nascimento. É no tempo que dispomos que teremos de
construir sentido para nosso estar-no-mundo. Não importa quanto tempo
teremos, importa torná-lo precioso. Isso se faz renascendo em direções
cada vez mais humanizadas e significativas. O pôr do sol tem cheiro de
saudade sim, mas é um privilégio ter do que sentir saudade. “O que a
memória ama, fica eterno” diz Adélia Prado. Fica eternizado em nossa
memória, aquilo que construímos amorosa, ética e dignamente em nosso
existir.
Convivemos
com o mito da “eterna juventude”. Esse mito nos aliena quando nos
submetemos aos imperativos da cultura que superestimam o visual, o lado
de fora, o padrão teen de ter um corpo jovem e bonito Mas, haverá uma
“eterna juventude” interior se mantivermos uma atitude aberta para a
vida, se renovarmos nosso gestual humano, se atualizarmos o gozo de
estar vivos, se ressignificarmos sempre nossa presença no Mundo. É
infinita a possibilidade de se rever os próprios gestos e crescer em
sabedoria. Assim, o corpo pode estar maduro e portar uma alma menina.
Essa vida interna é nutrida pelo encontrar-se e encontrar os outros,
pelo produzir e participar da vida em sua diversidade.
Como o pôr do sol, o entardecer da vida pode ter muitos encantos. A
construção que fizermos nessa passagem pela vida, é que dará
sustentabilidade, alegria e beleza ao amadurecer. Isso não se improvisa,
a gente constrói desde a infância, porque não há alegria do nada, mas
do saldo de uma construção cuidadosa do sentido de nossa vida. Os
valores que alicerçamos, darão tons poli crômicos com os quais poderemos
colorir o envelhecer. Isso não significa ausência de sofrimentos e
inquietações no trajeto do existir. No cenário do entardecer, o pôr do
sol fica mais bonito quando há nuvens a transpor, o que lhe proporciona
uma beleza inédita. Quanto mais nuvens, maior a beleza. As nuvens são
como nossas angústias, elas apenas tentam anuviar nossa alegria, mas se
tentarmos compreendê-las, se pudermos acolhê-las, se soubermos lidar com
elas, aprenderemos a encontrar força e confiança para a experiência
única e fantástica de estarmos no Mundo, de forma bonita, corajosa e
construtiva.
(Texto da professora da Unicap, Amparo Caridade)
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