Lembrando a escritora e filósofa
francesa Simone de Beauvoir e ilustres do mundo da arte brasileira, a
antropóloga Miriam Goldenberg pensa sobre um tipo de envelhecer possível,
“inclassificável”. 20/10/2012 - por Redação Portal na categoria “Velhices” na
categoria 'Velhices'
Recentemente, mais uma vez, fomos
brindamos com a matéria de Mirian Goldenberg – antropóloga e professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – para o Caderno Equilíbrio da Folha de
S.Paulo. Ela inicia sua reflexão, trazendo a escritora e filósofa francesa,
célebre e ainda muito comentada na área da Gerontologia Social, Simone de
Beauvoir (1908-1986): “No livro ‘A Velhice’, Simone de Beauvoir, após descrever
o dramático quadro do processo de envelhecimento, aponta um possível caminho
para a construção de uma ‘bela velhice’: ter um projeto de vida”.
Com essa ‘bela velhice’ vemos que
até Simone esbarra nas classificações, tão em moda nos nossos dias. E por que
usamos e abusamos de pequenas escapadelas do termo ‘velho’, usando termos mais
gentis, graciosos e suaves? Ele só pode ser possível se precedido de novo ou de
belo?
Beauvoir responde lembrando a
difícil relação do ‘eu’ com esse ‘outro’, uma relação que imprime a letra
escarlate no peito, uma marca registrada como criadora da identidade de velho:
“É normal, uma vez que em nós é o outro que é velho, que a revelação de nossa
idade venha dos outros. É o outro que nos classifica. Não consentimos nisso de
boa vontade. Uma pessoa fica sempre sobressaltada quando a chamam de velho pela
primeira vez” (Beauvoir, 1990: 353).
Subitamente, sem aviso prévio, sentimos
a velhice através do corpo. Um corpo que, por si só, não revela a velhice, mas
uma vez marcado ‘a ferro’, instalado está neste corpo que se surpreende com o
envelhecer. E isto se amplia para além do corpo, sobre a personalidade, o papel
social, econômico e cultural do idoso. Assim, a ideia de tempo: ‘de pouco tempo
de vida’, ‘do tempo que passou’, ‘de que nada mais se deve esperar de um
indivíduo que, com o passar do tempo, só deve recair’, é uma das fundamentais.
Mas Goldenberg, em seu texto
prefere trilhar o caminho da ‘bela velhice’ – e sobre isso, nada contra –
chamando os ilustres da música, da literatura e da ficção, exemplos de
trajetórias que motivam qualquer um, encantam porque são indivíduos
competentes, bem-cuidados, saudáveis, corajosos e, até que se diga o contrário,
espiritualizados na medida. São eles, os ‘belos velhos’ da antropóloga:
“Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Marieta Severo,
Rita Lee, entre outros”.
Ela continua sua argumentação
lembrando como essas pessoas são vistas, representadas e percebidas socialmente
por nós, seres humanos ‘comuns’, os ‘não-famosos’, os anônimos: “Duvido que
alguém consiga enxergar neles, que já chegaram ou estão chegando aos 70 anos,
um retrato negativo do envelhecimento. São típicos exemplos de pessoas chamadas
ageless ou sem idade”.
Diante de uma denominação
insuportável, do pior e humilhante que a palavra ‘velho’ carrega, nega-se
sempre, até a morte. “Fazem parte de uma geração que não aceitará o imperativo:
‘Seja um velho!’ ou qualquer outro rótulo que sempre contestaram”, completa
Goldenberg.
Os exemplos em questão, de fato,
são interessantes. Falamos de pessoas que ousaram, romperam regras e valores
pré-estabelecidos por uma sociedade (na época?) castradora, onde a falsa moral
imperava gloriosa pelos círculos políticos, sociais e familiares. Goldenberg
aponta: “São de uma geração que transformou comportamentos e valores de homens
e mulheres, que tornou a sexualidade mais livre e prazerosa, que inventou
diferentes arranjos amorosos e conjugais, que legitimou novas formas de família
e que ampliou as possibilidades de ser mãe, pai, avô e avó”.
A questão é que nem todas as
pessoas conseguem ‘dar passos largos’, criar um ‘lugar especial’ no mundo para
si ou simplesmente reinventar sua história. Muitas vezes, insistimos na
derrota, procuramos o que não deve ser encontrado, talvez, porque, ele nem
mesmo exista.
Acrescentando Paul McCartney à
sua lista dos ‘belos velhos’ (incluir, também, o magistral Clint Eastwood),
Goldenberg aponta que, principalmente eles, “estão rejeitando os estereótipos e
criando novas possibilidades e significados para o envelhecimento”.
Sabiamente no trecho final de sua
matéria a antropóloga ressalta: “Tenho investido em revelar aspectos positivos
e belos da velhice, sem deixar de discutir os aspectos negativos”. E lembra os
leitores que seu livro ‘Coroas’ também “é uma forma de militância lúdica na
luta contra os preconceitos que cercam o envelhecimento”. E, claro, um deles é
a idade.
Como esperado para os fiéis
leitores da antropóloga, Goldenberg ‘chama’ o irreverente poeta pós-moderno
Arnaldo Antunes com sua canção Inclassificáveis: “Que preto, que branco, que
índio o quê?/Somos o que somos: inclassificáveis”. Ela brinca com as palavras e
aposta na ousadia. Se nada resolver, a dica é ‘cantar’: “Que jovem, que adulto,
que velho o quê?/ Somos o que somos: inclassificáveis”, repete Mirian
Goldenberg.
Bela, a velhice? Para o
inesquecível Adoniran Barbosa, que importa?, “Se envelhecer é uma arte”: “Velho
amigo não chore/ Pra que chorar/ Por alguém te chamar de velho/ Não decola, não
esquente a cachola./ Quando alguém lhe chamar de velho/ Sorria cantando assim:/
Sou velho e sou feliz/ Mas velho é quem me diz./ Comigo também acontece/ Gente
que nem me conhece/ Gente que nunca me viu/ Quando passa por mim:/ - Alô velho!
Alô tio!/ Eu não perco a estribeira/ Levo na brincadeira/ Saber envelhecer é
uma arte/ Isso eu sei, modéstia à parte”.
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