Das lembranças
que tenho de infância, as melhores definitivamente são da casa da minha
avó. Uma casinha simples, de móveis rústicos e madeira calejada, mas
sempre com um potinho de doce na beira da porta à espera da visita das
“meninas” dela. Lá sempre tinha balinha de caramelo, hambúrguer,
refrigerante, moedinha de R$ 1,00 e o mais importante: amor. Amor
desses que abraçam quentinho e sussurram cantigas de ninar antes de
dormir. Amor que conforta.
Os melhores anos da minha vida eu passei ali,
no quintal dela comendo goiaba do pé. Daí eu pisquei e já era 2013. Já
se foram 27 anos, ganhei amigos de
infância, perdi outros tantos, casei minha melhor amiga, ganhei quilos,
olheiras, rugas e experiências. Eu mudei e, inevitavelmente, o mundo se
transformou também. Da janela daquela casa mágica
a vista não é mais a serena de antes. As pessoas se esqueceram de como é
delicado prosseguir a caminhada transbordando sentimento bom. Tenho pra
mim que amar virou clichê, caretice, tá fora de moda. Amor de verdade
virou coisa de gente corajosa.
O mundo está em constante
modificação – guerra contra doenças, contra ideologias, contra questões
que muitas vezes me faltam entendimento; mulheres são violentadas por
exercerem o livre arbítrio de ser, estar e usar a atitude que bem
entenderem, agride-se por pouco, desrespeita-se por muito, simplesmente
se aventurar rua afora não é mais tão seguro quanto foi um dia. Falta
delicadeza, reciprocidade, calma, amor, falta amar. Acho que falta mesmo
é um pedacinho da casa da minha avó espalhado por aí, mas não adianta
ceder a morada se o sentimento simplesmente não sabe como abrir o
portão.
Desde cedo aprendi que amor era base,
alicerce, o bote salva-vidas no meio do naufrágio. Porque se a gente
rala o joelho brincando na rua o que cessa as lágrimas sentidas não é o
Merthiolate, mas o abraço de mãe que conforta e consola. Vai ficar tudo bem. E fica. Para o primeiro coração
partido, aquele que se tinha certeza de que o mundo acabava ali no
intervalo daquela dor, o remédio foi o colo da melhor amiga recheado da
dose de carinho mais homeopática que poderia se exigir naquele momento. E
na primeira crise com os
pais, aquela que te faz querer fugir de casa por um minuto, sempre
tinha a vovó, permitindo que eu me escondesse debaixo das pernas dela e
comesse um doce enquanto a situação se acalmava. Mais do que requintes
de delicadeza, pequenas e notáveis demonstrações de amor. Infelizmente, o
mundo assim como eu, cresceu. Cresceu e perdeu toda aquela luz
irradiante da infância, que fazia com que grandes atitudes fossem
consequência de uma pequena flexão gramatical: amar. As brigas não são
mais pela tarefa de casa, as bombas não são mais de chocolate, as
descargas de adrenalina não são mais de alegria. Nada mais está parecido
com o quintal de casa. Nada mais tem o cheiro amoroso da casa da vovó.
No meio de tanta coisa bagunçada, eu digo: o remédio da nova era
é, sim, o amor. É o bom dia que arranca um sorriso do porteiro, o
abraço que acalenta um coração angustiado, a mão que levanta do tombo, a
palavra que fortalece, o olhar caridoso que responde. Amor mesmo, no
grosso do sentimento, muda a vida
da gente. Igual casa de vó, que resolve de tudo um pouco só com aquele
calorzinho que afaga depois do almoço de domingo. Minha ode hoje é ao
amor, ao bem querer, ao saber viver, à permissividade. E por que não à
minha, à sua, a todas as casas de vó espalhadas pelo mundo? Porque é
exatamente disso que a humanidade precisa. Um pouco de clichê, de
caretice, de resgatar valores perdidos, de amar incondicionalmente sem
exigir reciprocidade. Porque amor de verdade é de graça, é inteiro, é
fundamental, igualzinho ao pote de doce atrás da porta da minha avó.
Hoje, o pé de goiaba do quintal não
frutifica mais, o portão agora tem cadeado, e a minha avó desenvolveu
Alzheimer. Ela que já não se lembra de muita coisa, de uma ela nunca
esqueceu: como amar. Melhor ainda, como amar pessoas que muitas vezes
ela não faz a
menor ideia de quem sejam, mas sabe que cuidam, que abraçam, que
provocam sorrisos, e isso basta. Amar basta. Salva e é gratuito (ou pelo
menos deveria ser). Amor é o remédio mais poderoso que hoje a mantém
viva, e pensando bem, cura de dor de barriga
a tédio, só ler a bula e usar sem moderação. Mudar a prescrição,
reescrever o conto, aumentar um ponto e escolher bem as estrofes que
guiam hoje os rumos da humanidade, de preferência começando a melodia
com o único verbo capaz de abrir o cadeado para aquele quintal da
infância e estabelecer morada na sinfonia perfeita: permitir.
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