Ao nascer o ser humano está completamente indefeso e desamparado. Necessita
completamente dos cuidados de um outro ser, da mãe para cuidá-lo,
alimentá-lo e ir aos poucos apresentando-lhe o mundo. Podemos
dizer que é através do amor que recebe da mãe, de seu investimento e de
sua dedicação que a criança vai descobrindo as possibilidades de
interagir com o mundo, e vai aprendendo e desenvolvendo habilidades. A
infância é o período em que o ser humano mais se desenvolve, mais
aprende e a etapa responsável pelos modelos de relacionamento que o
adulto vai experimentar.
Na infância a criança experimenta nas brincadeiras, nos jogos sua relação com o mundo, suas dúvidas e questões fundamentais que acompanham o ser humano por toda vida: quem sou eu? O que sou para o outro? De onde vim? Para onde vou? A infância permanece o paraíso perdido para onde sempre se volta nos momentos difíceis, nos momentos de perda e que fica cada vez mais perto com o avançar da idade, como nos mostra de maneira tocante o poema de Manuel Bandeira.
"Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal,
pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta".
Manuel Bandeira
Depois vem a adolescência, a vida adulta, a maturidade, a velhice e por fim a morte. Falar da velhice suscita sempre um certo desconforto. Talvez decorra da conjunção entre idade cronológica e a exposição à morte. Quanto mais se vive mais se aproxima da morte. Com o passar do tempo a vivência de fragilidade do corpo se acentua bem como aumentam na velhice as experiências de perdas. Quem viveu muito experimentou também muitos lutos: pais, parentes queridos, amigos, trabalho, bens materiais. Falar da velhice incomoda porque expõe o limite ao qual todos nós somos submetidos. Nossa vida é transitória e tem um tempo para existir.
Velhice e longevidade
A questão do envelhecimento e da longevidade humana é algo que já se fazia presente na mais remota história. Seja na busca pela fórmula da eterna juventude associada à felicidade plena, ou como preocupação constante do homem em todos os tempos. A imortalidade e a eterna juventude são sonhos míticos da espécie humana. A procura da fonte da juventude é assunto desde os mais antigos escritos. Por isso falar da velhice incomoda.
E
também desacomoda muitos restos. Quantos projetos e sonhos foram
relegados, deixados à espera de um tempo propício e de repente se
percebe que talvez não possam mais ser retomados. Falar da velhice
desacomoda a ideia de imutabilidade, desacomoda os ideais e as certezas
nas quais todo sujeito se reconhece. A velhice é um momento marcado
pela vivência da finitude, em que a fantasia de eternidade encontra um
limite. Na juventude e idade adulta, tem-se a ilusão de um tempo
indefinido para se obter o que se deseja.
Tal ilusão altera-se com a velhice. É interessante apontar na velhice os futuros sonhados e não cumpridos e que nessa etapa perderam a possibilidade de realização. Essa constatação surge diante do encontro com o irremediável: menopausa, mudança no desempenho corporal, aposentadoria e esclarecem muitos casos de depressão na velhice.
Tal ilusão altera-se com a velhice. É interessante apontar na velhice os futuros sonhados e não cumpridos e que nessa etapa perderam a possibilidade de realização. Essa constatação surge diante do encontro com o irremediável: menopausa, mudança no desempenho corporal, aposentadoria e esclarecem muitos casos de depressão na velhice.
A condenação à morte está lá, presente, desde o nascimento. Acaba-se por esquecê-la. A velhice nada tem a ver com a idade cronológica. É um estado de espírito. Existem velhos de 20 anos, jovens de 90. É uma questão de generosidade de coração, mas também de guardar em si uma certa dose de cumplicidade com a criança que se foi.” No nosso inconsciente temos dificuldade de lidar com a velhice. O velho é sempre o outro no qual nós não nos reconhecemos.
O sujeito vê o seu envelhecimento pelo olhar do Outro, ou ele se vê velho pelo olhar que o Outro lhe devolve. Não existe para o sujeito algo palpável sinalizando sua velhice, pois “velho” é sempre o Outro (Outro com maiúscula, simbolizando a cultura, o conjunto dos outros semelhantes). É possível justapor a tese de um sujeito que não envelhece e desconhece o tempo – o atemporal do inconsciente - com aquilo que envelhece e se modifica no decurso do tempo e que impõe ao sujeito a criação de novas formas de atualizar seu passado, e enlaçá-lo ao futuro sempre possível de ser preparado e antecipado ainda que a relação do idoso com o tempo se caracterize por um encurtamento do futuro. Ao contrário dos jovens, o sujeito idoso tem uma longa vida às suas costas e esperanças limitadas à sua frente.
Daí se percebe em alguns a atenção mais concentrada no passado e uma notável desesperança nos projetos futuros. Vemos muitos idosos atualizarem seu passado pelas lembranças: contam e recontam passagens nas quais se sentem escrevendo a sua história. Reviver o passado é uma via importante pela qual sustentam os investimentos na vida. O problema é quando se torna a única via de realização, cortando os investimentos no presente. O equilíbrio psíquico do idoso depende da capacidade de conjunção de sua existência passada com o presente considerando as condições e possibilidades que o cercam.
Envelhecimento
O envelhecimento, em termos gerais, é definido como um processo que acompanha o organismo do nascimento até a morte. A velhice é um momento específico dentro desse processo marcado pelo modificação do funcionamento de diversas funções, bem como intensificando algumas dificuldades, não implicando no entanto, em acréscimo de doenças. A gerontologia distingue senescência e senilidade. Senescência é um processo fisiológico inelutável do organismo que acarreta modificações precisas associadas a uma redução de todas as funções sem provocar doenças. Senilidade refere-se a patologias do envelhecimento.
Há modificações que se aceleram a partir de determinada idade e que podem se expressar sob diferentes maneiras nas funções do organismo ( respiratória, circulatória, etc) bem como na imagem: rugas, cabelos brancos, flacidez, etc. Convém ressaltar que muitas doenças tidas como próprias da velhice como Alzheimer, não são efetivamente doenças que prevaleçam em idosos. Alguns autores assinalam que a dificuldade encontrada em realizar o luto das perdas, a dificuldade com a imagem na qual não se reconhece, o isolamento e a restrição dos laços sociais, a falta de investimento libidinal podem ser fatores importantes na constituição do Alzheimer.
O sujeito precipita-se numa espécie de autodestruição que toma, paulatinamente, a forma de uma morte por meio de infindáveis doenças. O sujeito escolhe, ainda que sem o saber, uma morte em vida, paradoxalmente por temor da morte. Velhice e cultura A velhice é determinada em cada época e em cada cultura de forma diferenciada. As palavras que usamos para referi-la provocam efeitos sobre os sujeitos. A velhice é portanto um efeito de nossa fala. A velhice enquanto categoria social não diz nada a respeito de cada sujeito. Quando começamos a envelhecer? Há consenso de que a idade cronológica é muito imprecisa para se determinar a velhice.
Em algumas categorias esportivas, por exemplo, se fala de velhice aos 30 anos. Não se pode, todavia desconsiderar o tempo que passa. As possibilidades de investir em projetos, em objetos, não são as mesmas com o passar do tempo. Muitos dos projetos tornam-se inviáveis a partir de determinada idade e o luto do que poderia ter sido ou do que se foi tem de ser realizado, impondo novas respostas ao sujeito. Entra-se na velhice, idéia compartilhada por muitos autores, quando se perde o desejo.Se a idade cronológica, as marcas corporais, as doenças são demasiadas imprecisas para se definir a velhice, não se pode desconhecer que o tempo impõe seus efeitos.
A velhice provoca uma alteração importante no narcisismo, na auto-estima e portanto, um sentimento de desvalorização. Algumas sociedades segregam os idosos, aumentando o sentimento de desvalorização. Há, entretanto outras culturas em que os idosos têm um lugar social importante. Nas sociedades pré-modernas os idosos gozavam de prestígio e eram respeitados pelos demais em sua autoridade e sabedoria. Eram responsáveis pela transmissão da experiência acumulada, das tradições culturais. A sabedoria crescia com o passar dos anos e os mais velhos exerciam ainda o papel religioso, pois faziam a mediação entre o mundo dos vivos e dos mortos.
Com o processo de modernização, a industrialização trouxe o afastamento dos velhos do mundo produtivo cujo saber não eram mais adequado às exigências do mundo industrial que se voltava para o jovem escolarizado. Onde existe, porém uma suposição de saber do idoso, existe um tratamento respeitoso do mesmo. O Papa João Paulo II, no ano de 1999 (Ano Internacional do Idoso), escreveu uma carta aos anciãos, afirmando que estes ajudam a contemplar os acontecimentos terrenos com mais sabedoria, porque as vicissitudes os tornaram mais experientes e amadurecidos. Eles são guardiões da memória coletiva e, por isso, intérpretes privilegiados daquele conjunto de ideais e valores humanos que mantêm e guiam a convivência social.
Lidando com o envelhecimento
Cada sujeito envelhece a seu modo, com as singularidades que carrega e que acabam ficando mais marcantes com o transcurso do tempo. Se os acontecimentos existenciais eram sentidos com dificuldade ou sofrimento na idade adulta ou jovem, quando as condições de vida eram mais satisfatórias e atraentes e a própria fisiologia era mais favorável, no envelhecimento, quando as circunstâncias concorrem naturalmente para um decréscimo na qualidade geral de vida, a existência será mais conflituosa. Quando a velhice vem acompanhada de doenças, de limitações, É o momento em que aparece o grave problema de comprometimento de uma existência autônoma.
O sujeito já não se pode cuidar, não pode portanto ter uma vida independente. O idoso doente, ainda que não fale, percebe nos cuidados, a realidade que lhe é propiciada, e que faz surgir nele uma dimensão tranquilizadora ou de desamparo. Todos os “pequenos nadas” que dão à vida seu sal constituem uma dimensão essencial: um olhar, uma palavra amiga, um gesto de carinho, uma pequena atenção. O que mantém vivo, “com vida”, um idoso fragilizado é a afeição, a ternura, o aconchego no qual possa haver a presença de alguém que o reconheça, que o escute, que o acolha.
O cuidar vai além do atendimento às necessidades básicas do sujeito no momento em que ele está fragilizado, é um exercício de respeito, de amor e compaixão Dalai Lama, líder espiritual dos budistas, ganhador do Premio Nobel da Paz, define a compaixão como uma atitude mental baseada no desejo de que os outros se livrem do sofrimento, e que está associada a uma sensação de compromisso, responsabilidade e respeito com o outro.
O medo de envelhecer está presente
para todos, como a dor de existir. Mas podemos lidar melhor com ele,
podemos aprender. Experimentando a serenidade interior com o que temos, a
gratidão pelas coisas que nos cercam e nos propiciam alegria e
bem-estar, valorizando as emoções positivas que são benéficas. Em suma,
vivenciando a atitude infantil de contentamento, de desejo, que traz um
sabor novo à vida. (Helena Maria Galvão Albino, psicóloga clínica)
http://amigosdofreud.blogspot.com.br/
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