Não,
eu não estou me referindo a Hitler e ao nazismo durante a Segunda Guerra
Mundial, quando países foram invadidos e destruídos, milhões de pessoas foram
assassinadas, e o horror do Holocausto, onde judeus foram mortos por carrascos
nazistas, autores do maior crime já cometido contra a humanidade.
Estou
me referindo a um “ alemão”
degenerativo, de nome Alzheimer que toma conta das pessoas tirando delas as
suas lembranças do presente, “ roubando sua mente e partindo o coração da
família” .
Essa doença recebeu esse nome devido ao
neuropatologista alemão, Alois Alzheimer, descobridor de lesões no cérebro de
uma mulher.
No mês de setembro, mas precisamente no dia
21, a Lei n° 11.736 instituiu o Dia
Mundial da Doença de Alzheimer, com o objetivo de conscientização , união e
busca de estratégias para lidar com a demência.
Cuidei de minha mãe portadora dessa doença,
durante 15 anos e venho oferecer uma palavra amiga e um pouco da minha experiência
para quem ama seus familiares ou amigos portadores de DA ( Doença de
Alzheimer).
Minha mãe era uma mulher dinâmica, comunicativa,
caridosa e apesar de sua pouca escolaridade, era sábia como todas as mães,
tinha fome de informação e um sorriso espontâneo, sincero e bondoso.
Quando esse “ alemão” invadiu sua vida , fui
surpreendida pelas mudanças em seu comportamento e na rotina diária. Antes de
procurar ajuda médica, eu era uma alegre ignorante no assunto, até brincava
quando ela esquecia o meu nome e passava a me chamar de “ coisinha” .
Até que o diagnóstico médico caiu como uma
bomba: demência. E pelos sintomas seria a demência de Alzheimer. Só lembrava
das pessoas e acontecimentos do passado. Tinha delírios, descuidava da higiene,
ficou um tanto agressiva, chorava muito, não reconhecia as pessoas da família,
etc. Como se não bastasse, ela ainda foi acometida mais tarde por um AVC.
À
princípio fiquei à deriva, minha vida entrou num caos. O que fazer? Como lidar
com essa situação?
Através de explicações dos médicos, de manuais
e matérias disponíveis pela imprensa, como também da experiência de outras
pessoas, aprendi que a DA tem vários estágios que podem durar anos e que “conquista”
aos poucos seus pacientes. Assim, fui encontrando os meios e os instrumentos
necessários para lidar com esse desafio.
Com o passar do tempo, percebi que cuidar de
uma pessoa, com esse tipo de demência é física e mentalmente esgotante. Nada
pode ser programado além da necessidade de estar presente, à sua mão e ir assistindo
impotente o Alzheimer ir afastando lentamente uma pessoa tão querida do mundo
real. É como se a pessoa fosse morrendo a “ conta-gotas”.
Não
sei o que foi mais doloroso, triste e complicado: a minha incapacidade de
cuidar de minha mãe devido aos seus altos e baixos nos primeiros estágios ou
depois , assistindo a degradação de um ser humano nessa fase de quase
vegetação.Foi uma sensação de impotência e até de revolta que senti no início,
ao perceber que estava perdendo a minha mãe tal como sempre a conheci.
Foram momentos difíceis e marcantes. Como tirá-la
de sua casa para trazer para a minha e separá-la de meu pai, já idoso, doente,
mas consciente, sem condições de arcar com a responsabilidade e o peso de
conviver com tal doença?
Sempre
foram muito unidos e, lembro-me emocionada do seu olhar de dor e ao mesmo tempo
de compreensão. Mesmo sofrendo, apoiou minha decisão, pois sabia que era o
melhor a fazer.
No
entanto, enquanto viveu, nunca deixou minha mãe um só dia, e de mãos dadas, recitava
poesias, cantava uma música antiga ou então
fazia um silêncio de apoio e cumplicidade sempre confiante numa melhora. Um
grande exemplo de companheirismo, amor e união.
Tive que realizar uma série de mudanças,
primeiramente em mim, nos meus familiares, na minha casa para adaptá-la melhor,
proporcionando pelo menos a dignidade a que todos tem direito no fim da vida.
Foi
preciso saber como minha mãe se sentia, buscar informações de como se processam
as dificuldades na comunicação para que ela não ficasse agitada , ansiosa.Procurei
criar um ambiente calmo, pessoas com sintonia com ela, evitando pessoas reativas,
de baixa auto-estima, que são fontes de problemas para esses doentes. Sem
contar a preocupação com a violência cometida contra idosos com DA ou outras
doenças que vemos no noticiário do dia-a-dia.
Devido
à longa duração da DA, torna-se difícil lidar com o afastamento de familiares e
amigos ( com pequenas exceções) que não podiam, não aguentavam, não queriam ou
não tinham tempo, muitas vezes de sequer
dar um telefonema, quanto mais uma visita.. E coube a mim assumir a luta de
cuidadora...
Nessa batalha, encontrei em Deus a sabedoria
para cuidar de minha mãe. Jesus disse que das crianças é o reino do céu. E
minha mãe virou criança de novo com essa doença de regressão. Isso, de certa
forma aliviou o meu coração. Deus sabe o que faz....
Tive
também pessoas maravilhosas e especiais (marido, filhos, profissionais da área
de saúde, cuidadoras), que me deram um ombro amigo para que eu pudesse dividir
meus medos e inseguranças e que me permitiram na medida do possível ter vida própria
Às vezes , batia um desâmino e com ele, a
vontade de desistir de lutar.Em seu livro “ Saber Cuidar” , Leonardo Boff diz:
“ tudo o que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a
viver: uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra”. O
cuidado faz parte da essência do ser humano.
Aí, percebi que o cuidado deve vir acima da
vontade, pois é ele que resgata a dignidade dos pacientes de DA, muitas vezes
condenados à exclusão.
Procurei também me cuidar para que eu pudesse
tratar a minha mãe com mais carinho e
todo cuidado que são subjacentes a essa doença.
Para quem passa por uma situação semelhante:
não desista. Apesar de ser complicado lidar com um problema desses, temos que
ser fortes e lutar, pois não existe nada mais bonito que o amor incondicional
de um pai ou uma mãe por seus filhos. E, se eles fariam tudo por nós , porque não
fazer por eles?
Acho até que a DA não mata. O que mata são as
doenças oportunistas, os maus tratos, o desamor.
E o
melhor remédio para esse mal é sem dúvida, o amor, a dedicação e a compreensão,
porque hoje são eles, amanhã poderemos ser nós.
Quero também dizer uma palavra para aquelas
pessoas que por algum motivo justo ( trabalho, finanças, família, etc), não
podem cuidar de seus doentes, precisando institucionalizá-los. Não se culpem
por essa atitude, sei que gostariam de fazer o melhor, mas não têm como
conseguir. Então, a instituição é a melhor solução, mas o carinho,
a atenção e o amor dos familiares são imprescindíveis. Se não puderem estar ao
lado, procurem estar presentes de alguma forma.
Nessa minha experiência , aprendi muito sobre a vida e tirei uma
mensagem dessa doença: ao se lidar com o Alzheimer, o mais importante é
valorizar o dia de hoje e curtir cada momento como se fora o último e o único a
ser vivido. Se minha mãe foi se
retirando aos pouquinhos, restou-me mergulhar em nosso relacionamento do
passado, para ter a sensação de que continuávamos juntas.
Deixo
um trecho do livro Para sempre Alice, da escritora Lisa Genova: “ Meus ontens estão
desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que vivo? Vivo para cada
dia. Vivo o presente. Num amanhã próximo, esquecerei que estive aqui diante de
vocês e que fiz esse discurso. Mas o simples fato de eu vir a esquecê-lo num
amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele.
Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância.” ( Dilene Germano)
http://reticenciasrj.blogspot.com.br/
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