Tudo tem
inicio, meio e fim. Tanto o livro como a vida. Mas um livro você
folheia antes de comprar, vê se gosta do estilo,escolhe o
assunto que interessa dependendo do seu momento,desejo ou objetivo. A
vida não.
Meu filho me
surpreendeu um dia com a pergunta “... mãe, qual é
o sentido da vida?”. Você, leitor, sabe a resposta? Nem
eu. A angústia metafísica não existiria se
soubéssemos responder a esta única pergunta. A religião
preenche a lacuna e a fé substitui a angústia. Um
objetivo de vida perseguido anos e anos também. Cabe a cada um
de nós a escolha de um, de outro ou ambos.
Seja como for,
existir ou não, a opção inicial não é
nossa. Escolhemos dar vida a nossos filhos, mas não temos
nenhum arbítrio sobre o nosso nascimento. E a vida
simplesmente acontece a nós sem que possamos escolher nossos
genes, características físicas e tipo de
personalidade. Também não determinamos a área
geográfica em que vamos viver, nem nosso núcleo
familiar. Ela, a vida, simplesmente acontece. E vamos vivendo. No
melhor cenário, conseguimos identificar um objetivo e
fortalecidos, seguimos em frente sem (quase) nunca parar para pensar
nela... vida.
E viver sem saúde
é bem mais difícil. Isso é senso comum. Mas o
que precisa ser discutido é como fazer para ter saúde.
Não temos um manual à nossa disposição.
Será que não? Nas escolas se discute sexo, existe
consenso em relação à necessidade de educação
para o sexo fora do ambiente familiar. A função de
alerta em relação à procriação não
consciente e às doenças sexualmente transmissíveis,
foi assumida pelo poder público para minimizar os danos que
viriam, com a evolução natural para o caos em saúde,
acelerada pela pandemia da Aids (Sida).
Hoje vemos crescer
a prevalência de doenças ligadas à opção
equivocada que fizemos pelo fast-food
e pelo sedentarismo conseqüente ao ritmo desenfreado da era
pós-industrial. Não podemos “perder
tempo”.
Vivemos uma era “acelerada”
em que tudo nos é facilitado. Dos shakes
e
sanduíches que substituem a refeição aos carros,
controles remotos e facilidades eletrônicas. As anunciadas
epidemias
de obesidade, câncer e dia- betes tipo 2 sobrecarregam cada vez
mais as unidades de saúde ( publicas e privadas ). Tornamo-nos
cada vez mais, doentes crônicos, reféns de nós
mesmos.
Mas
você sabe que depende somente de nós a iniciativa de
mudar o cenário?
A mesma
estratégia em relação às doenças
sexualmente transmissíveis deveria ser usada para ensinar a
ser saudável. Em alguns países, faz parte da grade
curricular a matéria “economia
doméstica”,
preparando o jovem para a vida adulta. Assim deveria ser com a
orientação para a saúde, que deveria estar
presente desde a infância. Em todas as fases do desenvolvimento
do individuo. Este aprendizado é lento e deve ser contínuo.
Não é matéria para um período único.
Até agora o
que vejo são ações voltadas para saúde
sim, mas pontuais. Relacionadas às epidemias de gripe e outras
doenças infecciosas. É verdade também que
campanhas a respeito de hipertensão arterial, diabetes e
glaucoma, volta e meia estão na mí- dia, mas a forma de
apresentar a doença ao individuo não é a ideal.
Falam em prevenção quando se referem, na verdade, à
detecção precoce da doença. Não é
apenas esse aspecto que precisa ser divulgado.
O que nos mata mais
e nos tira a dignidade no envelhecimento são as doenças
crônicas degenerativas. E essas, quando chegam a ser
diagnosticadas são tratadas pelo resto da vida. A prevenção
real é fazer o leigo entender o que leva o organismo a
desenvolver essas doenças crônicas. E ele se sentir
motivado a evitá-las. A conscientização para a
senilidade responsável e de qualidade, não move um
mundo voltado para a beleza, juventude e o prazer acima de tudo, aqui
e agora!
Sem falar na falta
de interesse em promover a prevenção. A demanda cada
vez maior pelos serviços e produtos relacionados à
assistência médica e à industria farmacêutica
é um indicador de que o cuidado em relação à
saúde tem sido avaliado de forma equivocada. No aspecto
econômico-financeiro, o tratamento da doença é
mais interessante do que a promoção da saúde.
Mas voltando a
falar em saúde, uma vez me surpreendi, positivamente, ao ler a
receita que um médico clínico havia fornecido a uma
paciente minha. Era uma prescrição simples, apenas uma
suplementação de cálcio, devido a historia
familiar de osteoporose e a alterações discretas na
densitometria óssea. A verdadeira receita estava no verso da
folha: listados, um após o outro, itens dos quais ela deveria
se ocupar se quisesse ter uma vida melhor,em todos os aspectos.
Eram uns oito
itens. Não me recordo de todos agora, mas assistir ao por do
sol pelo menos uma vez por semana, caminhar por 40 minutos, três
a quatro dias na sema- na, encontrar algo que a fizesse feliz e se
permitir ocupar uma hora de cada dia com esta atividade. Além
das óbvias instruções sobre alimentação,
água e sono reparador. Aquele médico nunca soube, mas
fez diferença na minha vida.
Já naquela
época eu acreditava no organismo e na homeostasia contínua
da qual ele se encarregava. Falava aqui e ali com alguns pacientes,
em determinados momentos em que sabia que poderia ser entendida e que
minhas observações teriam eco. Mas acho que me
“envergonhava”
da atitude tão simplista, tão pouco “médica”
ou profissional, talvez. E estava totalmente equivocada!
Num primeiro
momento, a receita do médico me fez reconhecer a atitude pouco
generosa que eu vinha tendo em relação à minha
forma de fazer medicina. Se eu já tinha este conhecimento,
porque não compartilhar?
O médico
clínico teve a percepção que eu não tive.
Ele mostrou ser um médico interessado na saúde de quem
cuida e apaixonado pelo que faz; uma pessoa que adquiriu uma
experiência de vida que autorizava os conselhos que deu à
nossa paciente em comum.
A senhora X, como a
chamarei aqui, era cuidadora de uma mãe com síndrome de
Alzheimer, mas eu nunca havia percebido traços de depressão
nela. Do ponto de vista emocional eu a considerava uma pessoa forte
e
segura. Fora a hipotensão arterial (que não é
tida como doença, mas é um fator de risco em relação
ao glaucoma),ela podia ser considerada saudável. Na juventude
tinha tido muita enxaqueca, que com a idade não a importunou
mais. A mãe, além da doença neurodegenerativa,
era cega por glaucoma e havia sido portadora de enxaqueca quando
jovem também. Ao longo da vida da sra. X, nenhum médico
comentara com ela a respeito de estratégias para evitar ou
retardar as doenças que ela poderia vir a ter, embora não
desconhecessem a historia familiar de glaucoma de pressão
normal, cegueira e demência. Todas elas eram doenças
referentes à mãe, mas que posteriormente foram
diagnosticadas nela, filha, uma a uma, e na mesma seqüência,
como era de se esperar. Eu mesma, quando diagnostiquei o glaucoma de
pressão normal não valorizei como poderia o aspecto
disfuncional vascular que ela apresentava desde cedo.
O que eu não
vi e o clinico percebeu? No perfil emocional do migranoso, a
ansiedade e muitas vezes a angústia não faltam. Eu não
havia conhecido a Sra. X antes da meia idade. Hoje ela conseguia
passar a imagem de uma pessoa em paz consigo mesma, ciente da
responsabilidade de cuidar da mãe doente, sem que isso a
transformasse numa queixosa crônica ou triste. Mas era apenas
aparência. Ela não havia conseguido encontrar equilíbrio
na forma de sentir a própria vida e o mundo à sua
volta. E estava agora, literalmente, implodindo. Seguia para seu
destino ( ela pensava que não poderia ser diferente do da
mãe), sem sequer se permitir tentar mudá-lo.
Eu não
consegui perceber que ela precisava de ajuda. Mais do que aumentar a
medicação para tentar estabilizar o glaucoma, eu
deveria tentar fazê-la se dar conta de que precisava se ajudar.
Não é fácil de repente se dar conta de que é
a forma como você vê (e age) em relação ao
mundo à sua volta que altera as rotas de expressão
genética e bioquímica que trazemos desde o nascimento.
Todos nós deveríamos ter esse conhecimento. O que
fazemos depois com ele cabe a cada um de nós.
(http://luizmeira.com/saude.html)