(Para reflexão de todos e em particular para os CUIDADORES)
A felicidade é a soma das pequenas felicidades. Li essa frase num
outdoor em Paris e soube, naquele momento, que meu conceito de
felicidade tinha acabado de mudar. Eu já suspeitava que a felicidade com
letras maiúsculas não existia, mas dava a ela o benefício da dúvida.
Afinal, desde que nos entendemos por gente aprendemos a sonhar com essa
felicidade no superlativo. Mas ali, vendo aquele outdoor
estrategicamente colocado no meio do meu caminho (que de certa forma
coincidia com o meio da minha trajetória de vida), tive certeza de que a
felicidade, ao contrário do que nos ensinaram os contos de fadas e os
filmes de Hollywood, não é um estado mágico e duradouro. Na vida real, o
que existe é uma felicidade homeopática, distribuída em conta-gotas.
Um
pôr-de-sol aqui, um beijo ali, uma xícara de café recém-coado, um livro
que a gente não consegue fechar, um homem que nos faz sonhar, uma amiga
que nos faz rir… São situações e momentos que vamos empilhando com o
cuidado e a delicadeza que merecem - alegrias de pequeno e médio porte e
até grandes (ainda que fugazes) alegrias.
"Eu contabilizo tudo de bom que me aparece’. ‘Se o zíper daquele vestido que eu
adoro volta a fechar (ufa!) ou se pego um congestionamento muito menor
do que eu esperava, tenho consciência de que são momentos de felicidade e
vivo cada segundo.’ Elis conta que cresceu esperando a felicidade com
maiúsculas e na primeira pessoa do plural: ‘Eu me imaginava sempre com
um homem lindo do lado, dizendo que me amava e me levando pra lugares
mágicos’. Agora, viajando com freqüência por causa de seu trabalho, ela
descobriu que dá pra ser feliz no singular: ‘Quando estou na estrada
dirigindo e ouvindo as músicas que eu amo, é um momento de pura
felicidade. Olho a paisagem, canto -sinto um bem-estar indescritível’.
Uma empresária que conheci recentemente me contou que estava falando e
rindo sozinha quando o marido chegou em casa. Assustado, ele perguntou
com quem ela estava conversando: ‘Comigo mesma’, respondeu. ‘Adoro
conversar com pessoas inteligentes’. Criada para viver grandes momentos,
grandes amores e aquela felicidade dos filmes, a empresária trocou os
roteiros fantasiosos por prazeres mais simples e aprendeu duas lições
básicas: que podemos viver momentos ótimos mesmo não estando
acompanhadas e que não tem sentido esperar até que um fato mágico nos
faça felizes.
Esperar para ser feliz, aliás, é um esporte que abandonei há tempos. E
faz parte da minha ‘dieta de felicidade’ o uso moderadíssimo da palavra
‘quando’. Aquela história de ‘quando eu ganhar na Mega Sena’, ‘quando
eu me casar’, ‘quando tiver filhos’, ‘quando meus filhos crescerem’,
‘quando eu tiver um emprego fabuloso’ ou ‘quando encontrar um homem que
me mereça’ -tudo isso serve apenas para nos distrair e nos fazer
esquecer da felicidade de hoje. Esperar o príncipe encantado, por
exemplo - tem coisa mais sem sentido? Mesmo porque quase sempre os
súditos são mais interessantes do que os príncipes -ou você acha que a
Camilla Parker-Bowles está mais bem servida do que a Victoria Beckham?
Como tantos já disseram tantas vezes, aproveitem o momento, amigas. E
quem for ruim de contas recorra à calculadora para ir somando as
pequenas felicidades. Podem até dizer que nos falta ambição, que essa
soma de pequenas alegrias é uma operação matemática muito modesta para
os nossos tempos. Que digam. Melhor ser minimamente feliz várias vezes
por dia do que viver eternamente em compasso de espera.
Esta crônica da jornalista e escritora Leila Ferreira foi
publicada originalmente na revista Marie Claire com o título De bem com a
vida.
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