segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

VIDA E SAÚDE


Tudo tem inicio, meio e fim. Tanto o livro como a vida. Mas um livro você folheia antes de comprar, vê se gosta do estilo,escolhe o assunto que interessa dependendo do seu momento,desejo ou objetivo. A vida não.
Meu filho me surpreendeu um dia com a pergunta “... mãe, qual é o sentido da vida?”. Você, leitor, sabe a resposta? Nem eu. A angústia metafísica não existiria se soubéssemos responder a esta única pergunta. A religião preenche a lacuna e a fé substitui a angústia. Um objetivo de vida perseguido anos e anos também. Cabe a cada um de nós a escolha de um, de outro ou ambos.
Seja como for, existir ou não, a opção inicial não é nossa. Escolhemos dar vida a nossos filhos, mas não temos nenhum arbítrio sobre o nosso nascimento. E a vida simplesmente acontece a nós sem que possamos escolher nossos genes, características físicas e tipo de personalidade. Também não determinamos a área geográfica em que vamos viver, nem nosso núcleo familiar. Ela, a vida, simplesmente acontece. E vamos vivendo. No melhor cenário, conseguimos identificar um objetivo e fortalecidos, seguimos em frente sem (quase) nunca parar para pensar nela... vida.
E viver sem saúde é bem mais difícil. Isso é senso comum. Mas o que precisa ser discutido é como fazer para ter saúde. Não temos um manual à nossa disposição. Será que não? Nas escolas se discute sexo, existe consenso em relação à necessidade de educação para o sexo fora do ambiente familiar. A função de alerta em relação à procriação não consciente e às doenças sexualmente transmissíveis, foi assumida pelo poder público para minimizar os danos que viriam, com a evolução natural para o caos em saúde, acelerada pela pandemia da Aids (Sida).
Hoje vemos crescer a prevalência de doenças ligadas à opção equivocada que fizemos pelo fast-food e pelo sedentarismo conseqüente ao ritmo desenfreado da era pós-industrial. Não podemos “perder tempo”. Vivemos uma era “acelerada” em que tudo nos é facilitado. Dos shakes e sanduíches que substituem a refeição aos carros, controles remotos e facilidades eletrônicas. As anunciadas epidemias de obesidade, câncer e dia- betes tipo 2 sobrecarregam cada vez mais as unidades de saúde ( publicas e privadas ). Tornamo-nos cada vez mais, doentes crônicos, reféns de nós mesmos.
Mas você sabe que depende somente de nós a iniciativa de mudar o cenário?
A mesma estratégia em relação às doenças sexualmente transmissíveis deveria ser usada para ensinar a ser saudável. Em alguns países, faz parte da grade curricular a matéria “economia doméstica”, preparando o jovem para a vida adulta. Assim deveria ser com a orientação para a saúde, que deveria estar presente desde a infância. Em todas as fases do desenvolvimento do individuo. Este aprendizado é lento e deve ser contínuo. Não é matéria para um período único.
Até agora o que vejo são ações voltadas para saúde sim, mas pontuais. Relacionadas às epidemias de gripe e outras doenças infecciosas. É verdade também que campanhas a respeito de hipertensão arterial, diabetes e glaucoma, volta e meia estão na mí- dia, mas a forma de apresentar a doença ao individuo não é a ideal. Falam em prevenção quando se referem, na verdade, à detecção precoce da doença. Não é apenas esse aspecto que precisa ser divulgado.
O que nos mata mais e nos tira a dignidade no envelhecimento são as doenças crônicas degenerativas. E essas, quando chegam a ser diagnosticadas são tratadas pelo resto da vida. A prevenção real é fazer o leigo entender o que leva o organismo a desenvolver essas doenças crônicas. E ele se sentir motivado a evitá-las. A conscientização para a senilidade responsável e de qualidade, não move um mundo voltado para a beleza, juventude e o prazer acima de tudo, aqui e agora!
Sem falar na falta de interesse em promover a prevenção. A demanda cada vez maior pelos serviços e produtos relacionados à assistência médica e à industria farmacêutica é um indicador de que o cuidado em relação à saúde tem sido avaliado de forma equivocada. No aspecto econômico-financeiro, o tratamento da doença é mais interessante do que a promoção da saúde.

Mas voltando a falar em saúde, uma vez me surpreendi, positivamente, ao ler a receita que um médico clínico havia fornecido a uma paciente minha. Era uma prescrição simples, apenas uma suplementação de cálcio, devido a historia familiar de osteoporose e a alterações discretas na densitometria óssea. A verdadeira receita estava no verso da folha: listados, um após o outro, itens dos quais ela deveria se ocupar se quisesse ter uma vida melhor,em todos os aspectos.
Eram uns oito itens. Não me recordo de todos agora, mas assistir ao por do sol pelo menos uma vez por semana, caminhar por 40 minutos, três a quatro dias na sema- na, encontrar algo que a fizesse feliz e se permitir ocupar uma hora de cada dia com esta atividade. Além das óbvias instruções sobre alimentação, água e sono reparador. Aquele médico nunca soube, mas fez diferença na minha vida.
Já naquela época eu acreditava no organismo e na homeostasia contínua da qual ele se encarregava. Falava aqui e ali com alguns pacientes, em determinados momentos em que sabia que poderia ser entendida e que minhas observações teriam eco. Mas acho que me “envergonhava” da atitude tão simplista, tão pouco “médica” ou profissional, talvez. E estava totalmente equivocada!
Num primeiro momento, a receita do médico me fez reconhecer a atitude pouco generosa que eu vinha tendo em relação à minha forma de fazer medicina. Se eu já tinha este conhecimento, porque não compartilhar?
O médico clínico teve a percepção que eu não tive. Ele mostrou ser um médico interessado na saúde de quem cuida e apaixonado pelo que faz; uma pessoa que adquiriu uma experiência de vida que autorizava os conselhos que deu à nossa paciente em comum.
A senhora X, como a chamarei aqui, era cuidadora de uma mãe com síndrome de Alzheimer, mas eu nunca havia percebido traços de depressão nela. Do ponto de vista emocional eu a considerava uma pessoa forte e segura. Fora a hipotensão arterial (que não é tida como doença, mas é um fator de risco em relação ao glaucoma),ela podia ser considerada saudável. Na juventude tinha tido muita enxaqueca, que com a idade não a importunou mais. A mãe, além da doença neurodegenerativa, era cega por glaucoma e havia sido portadora de enxaqueca quando jovem também. Ao longo da vida da sra. X, nenhum médico comentara com ela a respeito de estratégias para evitar ou retardar as doenças que ela poderia vir a ter, embora não desconhecessem a historia familiar de glaucoma de pressão normal, cegueira e demência. Todas elas eram doenças referentes à mãe, mas que posteriormente foram diagnosticadas nela, filha, uma a uma, e na mesma seqüência, como era de se esperar. Eu mesma, quando diagnostiquei o glaucoma de pressão normal não valorizei como poderia o aspecto disfuncional vascular que ela apresentava desde cedo.
O que eu não vi e o clinico percebeu? No perfil emocional do migranoso, a ansiedade e muitas vezes a angústia não faltam. Eu não havia conhecido a Sra. X antes da meia idade. Hoje ela conseguia passar a imagem de uma pessoa em paz consigo mesma, ciente da responsabilidade de cuidar da mãe doente, sem que isso a transformasse numa queixosa crônica ou triste. Mas era apenas aparência. Ela não havia conseguido encontrar equilíbrio na forma de sentir a própria vida e o mundo à sua volta. E estava agora, literalmente, implodindo. Seguia para seu destino ( ela pensava que não poderia ser diferente do da mãe), sem sequer se permitir tentar mudá-lo.
Eu não consegui perceber que ela precisava de ajuda. Mais do que aumentar a medicação para tentar estabilizar o glaucoma, eu deveria tentar fazê-la se dar conta de que precisava se ajudar. Não é fácil de repente se dar conta de que é a forma como você vê (e age) em relação ao mundo à sua volta que altera as rotas de expressão genética e bioquímica que trazemos desde o nascimento. Todos nós deveríamos ter esse conhecimento. O que fazemos depois com ele cabe a cada um de nós.
(http://luizmeira.com/saude.html)

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