terça-feira, 27 de dezembro de 2016

REALIDADE - "TORMENTAS EMOCIONAIS"

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Mais um Natal com a minha amada mãe. Celebração realizada na casa da filha mais nova, contando com a presença do filho com a esposa, os netos e demais amigos. (a irmã mais velha, decidiu viajar 01 dia antes do Natal). Tudo simples, no entanto, com uma harmonia e uma áurea de amor reinando no ambiente. Troca de presentes e um sorriso constante em seu rosto.

Como sempre, preservando o seu lado “vaidoso”, estava linda com um semblante sereno e sempre a perguntar: “já é natal? Para onde iremos?, comprou os presentes? ...

Neste final de ano, estou passando por muitas tormentas emocionais. O Alzheimer em processo acelerado, destruindo impiedosamente as células, os neurônios, causando implicações cognitivas significativas, levando a uma total dependência em todos os aspectos , física e principalmente psíquica em minha amada mãe.

Como consequência, fez-se necessário a contratação de um advogado, para tratarmos do processo de interdição, uma vez que a procuração atual não mais atende os seus objetivos, devido o seu “efeito limitante e temporário”. Era algo que considerava “longínquo”, impossível até de acontecer! Lerdo engano! É a constatação da “Alienação Mental”.

Como era representante legal, e com a anuência dos outros filhos, habilitei-me para ser curadora/tutora, dando prosseguimento ao pedido. Neste espaço de tempo, a minha irmã mais velha, foi bastante resistente, assinando o documento após a constatação da concordância dos outros irmãos. As palavras dela: “não confio nela”, “vou ficar a mercê dela”, “ela é traiçoeira”, e tantos predicativos maldosos.

Uma outra tormenta que passei foi quando tiramos 01 dia para passearmos no shopping acompanhado dos netos. Pediu para entrar em uma loja de brinquedos e simplesmente falou: “eu quero esta boneca”, que estava exposta na vitrine. Senti no momento uma tristeza profunda e pedi forças para aceitar tal situação. 

Comprei a boneca desejada e hoje fica na cama com ela, juntamente com uma outra. Batizou a boneca de “Lere”, que para ela era o seu nome em francês. A outra nominei de Anita, que ela aceitou. São suas netas em seu “imaginário”.

Vejo a minha amada mãe alegre ao falar das “netinhas”, é uma sensação de sentir-se útil por cuidar de alguém. Sinto docilidade em suas palavras. Não estou “infantilizando”, apenas atendendo o seu desejo, pois se existe alguma possibilidade terapêutica a mais para oferecer alívio e conforto, para a minha amada mãe, o preconceito deve ser deixado de lado.

Hoje estou a “mergulhar em seu novo mundo” para compreender seus sentimentos e interagir melhor com ela.
Como te amo minha mãe!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

BOAS FESTAS!

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O TREM DO ALZHEIMER

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Você se vai no trem dos desmemoriados
Seu trem se vai crescendo em força devagar
Leva consigo qualquer coisa que você tenha pensado
Ou quisesse dizer     qualquer coisa que você
acaso tenha desejado ao longo de sua vida
Ou quiçá no fundo de sua vida     antes do trem

Não sabemos o que levam os trens nos seus binários
Binários somos todos     há a razão e o coração
Não sabemos quê seria se as emoções falassem
Acaso houve alguma emoção na sua vida?

Acaso você amou as monjas     os pedestres
Odiou os limites     a mãe     a incerteza
Terá você sentido ciúmes     repudiado os castigos
Acaso amou a Deus? Ou o temeu     como todos?

Como é silencioso esse trem     nem fumaças
Nem os apitos     densos     nem o sussurro elétrico
Como é insidioso esse trem     ele te leva
Devagar e constante e negro e sem remédio

Não há memória desse trem nos outros homens
Ninguém sabe     a que veio     aonde vai     não sabe
Suspeita-se que um dia há de levar a todos
Sepultando as invejas e todas as paixões

Mas a mim não me importam as centelhas
Nem os fogos das máquinas nem os sinos dos chefes
Me importa apenas a memória e ela está morta

Ninguém responde às perguntas inúteis
No trem dos desmemoriados     Ninguém sabe
Qual seria afinal o teor das palavras

Houve alguma palavra? Disse algo? Falava?
Por que o aceno ao longe     das últimas janelas?

O trem dos desmemoriados se estende como um bicho
Porque ninguém jamais soube da sorte que lhe cabia
Essa desordem murcha que atinge os desmemoriados
E os desorienta     essa fadiga das lembranças
Esse medo ao passado não vivido

Será essa afinal a causa da viagem
Razão de ter você comprado o seu bilhete
De ter     por seu prazer     renunciado à consciência
Por sua escolha ter desistido da vida?
Você quis     por acaso     essa viagem incurável?
 
(Renata Pallottini)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

CARTA PARA UM FILHO


Quando a idade chega e aperta, o que resta é a espera. Espera do nada, ou espera do tudo. E no pensamento; “ Será que alguém ainda vai me notar?” Porque me vê desta maneira? Ora, pois esquece de que um dia eu já tive a sua idade?

Por quê?
Hoje minha companhia é o Alzheimer, que horas me faz esquecer as tristezas de minha vida, horas me faz lembrar as alegrias e silenciosamente acho que já me perdi dentro mim. A solidão não me consola, ela me corrói, estou esquecido e deixado no canto da uma sala, esperando a morte me levar.

Porque não me veem mais? Eu sinceramente não me sinto tão inútil assim, pois, levo a experiência dos meus erros e acertos por toda minha vida, e isso para mim na minha antiga idade valia ouro, assim como as nossas escolhas, embora eu não tenha escolhido o abandono.

Antes de partir só quero que saiba, de que um dia, a idade em você também vai chegar, e não pense que estará preparado, pois eu também me preparei.
Fazer planos contando com quem não conta mais com você não é uma boa ideia.

A idade vai chegar e vão te olhar com esse olhar que você me vê, e o que vai te levar deste mundo, não será a doença, será a dor do abandono, a dor de não poder ajudar, a dor de ser inútil, a dor de ter que suportar tudo e não poder contar nada, porque se contar não fará diferença alguma. 

Hoje minhas experiências, meus conselhos, meu sorriso e meu abraço pouco lhe importam, o que lhe importa agora é a sua liberdade, que de fato ela chegará, e depois te acorrentará quando os meus dias se tornarem seus dias.

Pensa bem meu filho, ainda somos quase todos iguais, pois a única diferença é a intensidade do Amor, leve como uma brisa, forte como o sol, e verdadeiro como nossa ida, portanto, ame enquanto há tempo, Ame com Alzheimer, com cardiopatias, com neoplasias, Ame em qualquer situação, pois a vida não espera e o tempo não nos perdoa, hoje ele é seu amigo, amanhã poderá ser seu castigo.
(De qualquer Idoso abandonado deste mundo)

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

CONVIVENDO COM O PORTADOR DE ALZHEIMER: PERSPECTIVAS DO FAMILIAR CUIDADOR


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A doença de Alzheimer é o tipo mais comum de demência, que se caracteriza por uma diminuição das funções cognitivas intelectuais podendo incluir perdas de memória, da abstração do raciocínio, do senso crítico e da linguagem.

Os distúrbios de memória, embora sejam os principais sintomas apresentados pelo portador de Alzheimer, não ocorrem isoladamente. Em sua maioria, o portador dessa doença encontra-se com duas ou mais áreas cognitivas debilitadas, tais como: a linguagem, com uma característica diminuição da fluência verbal; a função visou-espacial, em que o indivíduo encontra-se com uma desorientação geográfica, marcante nas fases mais avançadas da doença; e uma exacerbação de sua personalidade mostrando-se apático, desinteressado, com desapego, inibido, desconfiado, agressivo, depressivo e paranoico.

À medida que a doença progride, ocorrem regressões acentuadas do indivíduo, que já não se torna capaz de realizar atividades diárias simples, mostrando um acentuado grau de dependência por parte de quem cuida, assim a sintomatologia apresentada é como um furacão que invade o núcleo familiar diminuindo todas as certezas anteriores e levando a uma necessidade de reorganização

O tratamento desta enfermidade objetiva a lenta evolução da doença, uma vez que não se conhece a cura. Deste modo, a doença de Alzheimer causa profundas alterações no dia a dia das famílias, além de trazer um abalo e sobrecarga emocional a todo núcleo, sendo por isso, considerada uma doença familiar, deste modo se impõe à necessidade de se programarem medidas de apoio, tanto para o doente como para seus familiares.

Assim, o cotidiano do núcleo familiar tem uma profunda mudança nos hábitos, pois acompanhar a progressiva involução (intelectual, afetiva e mais tarde física) de uma pessoa que se conviveu por vários anos e que se tem algum afeto é, muitas vezes, permeado por sentimentos diversos, oriundos de quem acompanha o processo, dentre eles pode-se citar o abatimento, desespero, depressão, pena, sobrecarga física e emocional, dentre tantos outros.

Muitos familiares cuidadores que lidam diariamente com a doença de Alzheimer – por não terem conhecimento sobre a doença ou por muitas vezes não aceitarem que seu familiar foi acometido por tal patologia – tornam-se deprimidos, angustiados, ao verem seus familiares, pai e mãe em sua maioria, com esta doença incurável e debilitante. Desta forma, são geradas, por parte do cuidador, sentimentos e conflitos diários, vivenciados à medida que ocorre a progressão da patologia.

Portanto há, em meio a esse “amontoado” de emoções, uma família que precisa ser tão assistida quanto o próprio doente, a qual passada a fase inicial da doença não mais tem noção das suas perdas, sendo a família nesse ponto a provedora de todos os cuidados de que necessita. Considera-se que os familiares cuidadores quando informados sobre a doença e sua evolução, possivelmente tem a convivência facilitada, pois poderão, mesmo que minimamente, preparar-se e reorganizar-se para as mudanças.

Na doença de Alzheimer, assim como nas demais demências, o indivíduo acometido apresenta perdas progressivas e irreversíveis assim como diversas mudanças gerando muitas vezes situações inusitadas na convivência com o doente. Este fato pode levar ao florecimento de emoções, que “são sentimentos que se expressam em impulsos e em uma vasta gama de intensidade, gerando idéias, condutas, ações e reações”

Conforme ocorre à mudança das fases da doença, as perdas vão se tornando cada vez mais reais e palpáveis ocorrendo uma inversão de papéis, isto é, o familiar cuidador passa a viver a vida do portador, sobrevindo com isso sentimentos de raiva, tristeza, angústia, medo, culpa e depressão. Isso ocorre, mesmo diante dos esclarecimentos sobre as mudanças decorrentes da doença.

Assim, pode-se constatar a gama de emoções geradas por essa convivência que apresenta os mais diversos matizes e trazem consigo inúmeras reações e adaptações que vão sendo aceitas progressivamente. Portanto, os cuidadores necessitam de tempo suficiente para reorganizar-se física e emocionalmente, para então se adaptar ao novo cenário desenhado pela doença para sua vida.

Com a evolução da doença, o paciente com Alzheimer não é mais capaz de realizar atividades para sua sobrevivência, necessitando de um cuidador presente em todos os momentos para o desempenho de tarefas mais simples.

Essas dificuldades após a doença se mostram relativamente amplas, pois vão desde as dificuldades com os cuidados essenciais até as mudanças que a doença provoca no doente, permeadas por diversas agruras para a convivência com essa pessoa. A convivência com um paciente demenciado traz uma realidade que implica em muitas perdas desde a autonomia do corpo ao afastamento do eu para o indivíduo.

Além da angústia, diversos sentimentos são gerados por essa convivência, que emergem de forma rápida e mutável, pois ao tempo em que o cuidador se vê imbuído de raiva, pela teimosia do doente, surge-lhe a pena por ter um familiar acometido por uma doença progressiva. Esta situação dificulta a elucidação dos mesmos, os quais fluem naturalmente no cotidiano, pois as mudanças trazidas pela doença são significativas e impactantes.

Portanto, conviver com pacientes acometidos por Alzheimer é também ser atingido de forma contundente, uma vez que o cuidador se torna o mantenedor de todas as adaptações que a doença trouxe consigo. Esse desgaste acontece à medida que a doença evolui e a necessidade de cuidados aumenta, contribuindo para aumentar a sobrecarga dos cuidadores e conseqüentemente o aumento do grau das dificuldades percebidas por eles.

Como consequência, a mudança  no sistema familiar causa crises e pode trazer rupturas, pois o ritmo de vida da família é atropelado pela doença e a adaptação a essa nova situação não se faz imediatamente.  Além disso, muitas vezes o cuidador encontra enorme dificuldade para obter apoio na divisão dos afazeres, o que pode levar a uma crise, e na maioria das vezes, a uma desestruturação familiar.

Pode-se inferir que a convivência com o portador de Alzheimer, na sua maioria, vem carregada de situações estressantes, desgastantes e muitas vezes adoecedoras para o cuidador.

Os sentimentos gerados por essa convivência são dos mais diferentes matizes, estando presente em seus discursos emoções, doenças, dificuldades, desgaste, mas, sobretudo dedicação.

Na maioria das vezes, a linha tênue de divisão entre a vida do paciente e a do cuidador desaparece, pois o cuidador passa a experimentar a vida de seu familiar doente intensamente, a fim de que nada lhe falte.

Torna-se urgente à atenção a essas pessoas que cuidam de seus familiares, pois, se não se tratar à família de forma ímpar, teremos dois pacientes: o idoso com Alzheimer e seu cuidador. 

Conviver com um familiar doente é abdicar de muitos pontos em sua vida em prol do outro, o que leva a um risco substancial de adoecimento pessoal e familiar, haja vista que conflitos são gerados nessa convivência, evidenciando a pungente necessidade de profissionais capacitados para lidar com famílias e não apenas com o paciente.

Tal panorama gera a reflexão da necessidade de uma rede social que possa proporcionar suporte à tão solitária tarefa que é a de cuidar de um familiar com Alzheimer.
(Pesquisa: Revista Brasileira de Enfermagem)  

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

REALIDADE - MEMÓRIA

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Guardar o passado, decifrar o presente e esboçar o futuro: é graças a uma função cognitiva denominada MEMÓRIA que construímos nossa história. Sem ela, não conseguiríamos ler, escrever, conversar. Nossa memória é valiosa a cada minuto de nossa existência e ainda é um segredo a ser desvendado pela ciência a melhor forma de conservá-la para que tenhamos uma existência saudável. 
 
Memória é nosso senso histórico e nosso senso de identidade pessoal (sou quem sou porque me lembro quem sou). Há algo em comum entre todas essas memórias: a conservação do passado através de imagens ou representações que podem ser evocadas. 
 
No entanto, uma ameaça, trazida pelo envelhecimento, é capaz de corroer nossa capacidade de memorizar coisas e lembrar-nos de todos os momentos vividos, chama-se doença de Alzheimer. Sem memória, a intenção socialmente imposta de se proceder e pensar em determinado sentido, é dizimada. A pessoa deixa de o ser para se “transferir para outro”. A “desmemória” não só o isola da realidade objetiva como o destitui de sentimentos, “tornando-se frio, terrivelmente frio”. “(…) Como um animal a planar dentro duma redoma de vidro (…) e onde as palavras chegam cegas”.


A DA tem sido chamada de doença da morte, epidemia silenciosa, e é descrita como perda da função intelectual, conhecida como uma doença cruel, porque vai destruindo a mente do indivíduo e com isso também sua memória e raciocínio. Constitui-se em uma patologia neurológica degenerativa progressiva e irreversível, que tem início insidioso e é marcada por perdas graduais da função cognitiva e distúrbios do comportamento e afeto. 

 
É muito difícil para qualquer pessoa conviver com a evolução da doença degenerativa de uma pessoa querida, pois a impressão que se tem é de que ela está gradativamente deixando de existir.

Ao falar da realidade vivenciada com a minha amada mãe, tenho me deparado com a evolução da doença em ritmo acelerado. O nosso diálogo cada vez mais dificultado, devido não lembrar das palavras. As habilidades da fala se deterioram para sílabas sem sentido. A capacidade de formular conceitos e de pensar abstratamente desaparece, havendo também o comprometimento da habilidade de tomar decisões. A progressão da doença intensifica os sintomas. 

Em sua última consulta com o neurologista, foi constatada uma evolução acelerada do Alzheimer, conforme os resultados obtidos dos exames solicitados. Não há medicamentos capazes de conter o seu avanço e evitar o comprometimento progressivo de funções neuro cognitivas. Os fármacos disponíveis para tratamento da DA , possuem efeito limitado e apenas aliviam os sintomas clínicos, retardando o declínio cognitivo por um curto período de tempo, que varia de 6 a 12 meses, aproximadamente.

O progresso da doença de minha amada mãe, segundo o neuro, está seguindo para uma fase mais crítica, a conhecida “fase do desaprender”. Significa a involução de toda uma história de vida. 

É o tempo passando com uma rapidez incrível…

O tempo flui, como um rio. Existem duas maneiras de conceber o fluxo do tempo: “desde o passado em direção ao futuro, ou desde o futuro em direção ao passado” (BORGES, 1960). Em qualquer um dos casos, o fluxo nos atravessa num ponto, que denominamos presente. Um ponto não tem superfície nem volume; é intangível e fugaz. É curioso que, em ambas concepções do tempo, o futuro (ou o passado) sejam consequências de algo quase imaterial como é o presente; de um simples ponto. Esse ponto,porém, é nossa única posse real: o futuro não existe ainda (e a palavra ainda é uma petição de princípio) e o passado não mais existe, salvo sob a forma de memórias. Não há tempo sem um conceito de memória; não há presente sem um conceito do tempo; não há realidade sem memória e sem uma noção de presente, passado e futuro. 
 
O tempo tem sido meu fiel parceiro e algoz. Parceiro porque sinaliza para a relação da vida na vida possível, mas sempre vida! Algoz, porque impõe limitações e, dentre elas, sinaliza as muitas mudanças que acontecem.
Como te amo, minha mãe.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

LIVRO : O TEMPO DA MEMÓRIA - NORBERTO BOBBIO



Sinopse:
Aos 87 anos, o filósofo e jurista Norberto Bobbio fala de si mesmo e de sua trajetória intelectual, em um ensaio que consiste em reflexões sobre o significado da vida e testemunhos autobiográficos. Representa um balanço definitivo de uma vida consagrada ao estudo dos grandes temas do direito e da política e constitui também um testemunho direto de mais de meio século de história da Itália e da Europa. A primeira parte é uma reflexão sobre o significado da velhice no mundo contemporâneo, de pessoas que estão, como Bobbio, com mais de 80 anos e se multiplicaram graças aos progressos da medicina e da saúde pública. A segunda parte é um conjunto de ensaios que representam um balanço e avaliação de sua vida, onde sua produção intelectual revela um intelectual inquieto, voltado para a análise e a reflexão, de enorme curiosidade e variados temas, que buscou com rigor conhecer e compreender o mundo através do diálogo com os conceitos e os homens. 

Destaques:
"Os pensamentos de um ancião tendem ao enrijecimento. Depois de certa idade, desistimos de mudar de opinião. Tornamo-nos cada vez mais obstinados em nossas convicções e mais indiferentes às dos outros. Os inovadores são vistos com desconfiança. Ficamos cada vez mais apegados às velhas idéias e, ao mesmo tempo, cada vez mais desconfiados das novas. O excessivo apego às próprias idéias nos torna mais facciosos. Eu mesmo percebo que preciso ficar alerta.

Sobre o pessimismo:... Que abismo de ignorância e de baixo egoísmo se esconde em quem pensa que o homem é o deus de si mesmo e que o seu futuro não pode deixar de ser triunfal. Concluo com este pensamento de Nicola Chiaromonte: “(...) acredito que, hoje mais do que nunca, o pior inimigo da humanidade é o otimismo, qualquer que seja sua forma. Ele, de fato, equivale pura e simplesmente à recusa de pensar, por medo das conclusões a que poderíamos chegar.”

Citando versos de Dario Bellezza: “Fugaz é a juventude, um suspiro a maturidade, avança terrível a velhice e dura uma eternidade”.

A velhice passa a ser então o momento em que temos plena consciência de que o caminho não apenas não está cumprido, mas também não há mais tempo para cumpri-lo, e devemos renunciar à realização da última etapa.

Pareto, iconoclasta, céptico apaixonado, ajudou-me a compreender os limites da razão e ao mesmo tempo o infinito da insensatez humana.

Em que é que o senhor deposita suas esperanças, professor? Eu lhe respondi: Não tenho esperança alguma. Como leigo vivo em um mundo onde a dimensão da esperança é desconhecida. Explico: a esperança é uma virtude teológica. As virtudes do leigo são outras: o rigor crítico, a dúvida metódica, a moderação, o não prevaricar, a tolerância, o respeito pelas idéias alheias; virtudes mundanas e civis.

A velhice é uma fortuna, não é uma virtude, ainda que possa ser uma virtude tentar tirar o melhor proveito da fortuna."

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

16 COISAS DE QUE GOSTARIA, SE EU FICAR COM DEMÊNCIA


São 16 coisas que eu gostaria que fossem lembradas, caso um dia eu fique com demência.


Se eu ficar com demência …
Quero que meus amigos e minha família compreendam e “vivam” a minha realidade. Se eu achar que minha esposa (ou esposo) ainda vive ou se eu disser que estamos indo à casa de meus pais para jantar, deixem-me acreditar nestas coisas. Estou feliz pensando nisso.

Não quero que me tratem como uma criança. Falem comigo como se fala com um adulto que sou.

Ainda quero me divertir com as coisas que sempre me divertiram. Ajudem-me a encontrar meios de exercitar, ler, passear e visitar meus amigos.

Peçam-me para contar histórias de meu passado.

E, se ficar agitada(o), procurem descobrir o que está me incomodando.

Tratem-me do mesmo modo que gostariam de serem tratados.
Certifiquem-se que há um monte de salgadinhos para mim, em casa. Se eu não comer, fico irritada por estar com dificuldade de explicar o que eu efetivamente estou querendo.

Não falem de mim para outras pessoas como se eu não estivesse presente, ouvindo.

Não se sintam culpados se não puderem cuidar de mim 24 horas por dia, 7 dias da semana. Não é sua culpa e lembrem-se que estão fazendo o melhor que podem. Encontrem alguém que possa lhes ajudar ou escolham um outro lugar, bonito, para eu viver.

Se eu tiver que ir para uma casa de tratamento, por favor venham me visitar sempre.

Não fiquem frustrados se eu trocar nomes, lugares e fatos. Respirem fundo. Lembrem-se de que não é culpa minha, é a demência que me faz confusa.

Toquem sempre minha música favorita para eu ouvir.

Se eu pegar coisas e espalhá-las por aí, ajudem-me a recolocá-las nos seus devidos lugares.

Não me excluam das festas e encontros familiares. Saibam que ainda gosto de receber abraços, beijinhos e apertos de mão. Lembrem-se de que ainda sou a pessoa que vocês conhecem e amam.
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SE, PORVENTURA, EU FICAR COM DEMÊNCIA ...

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Se meu cérebro for tomado sorrateiramente pela doença de Alzheimer, e então ela me levar a memória, me trouxer confusão mental, me tirar a lucidez e me enviar constantemente para o passado …

Lembrem-se que:
Ainda tenho a lembrança de quem eu sou, talvez vagamente e que gosto de ser chamado pelo meu nome ou pelo nome carinhoso que costumam usar para me chamar – vovô, papai …

Muitas vezes pedirei para voltar para minha casa, aquela de anos passados; talvez ela não mais exista, mas por favor, criem um espaço meu, com minhas coisas, o sapato preferido, a camisa da minha cor preferida, meus livros antigos, meus discos, fotos de tempos idos, meu perfume preferido e coisas assim; não joguem fora coisas minhas, ainda que velhas, pois elas podem me devolver alguns momentos fugazes de lucidez e quem sabe, revivê-los, por instantes, as sensações e lembranças associadas.

Sempre gostei de música e muitos momentos felizes e marcantes de minha vida, podem ter trilhas sonoras de alguma canção que me evoca o clima de então, as pessoas que compartilharam aqueles momentos. Então, deixem-me ouvir estas músicas (mas não se aborreçam se pedir que as toquem repetidas vezes, pois não me lembrarei de que acabo de ouvi-las).

Vou gostar de receber visitas de meus amigos, meus filhos, meus netos; receber abraços e beijos destas pessoas me farão sentir o calor do afeto assim como me farão sentir ainda importante.

Se eu não retribuir os abraços e os beijos com o mesmo carinho, é porque meus braços e meus lábios não me obedecem como deveriam.

Se eu não demonstrar gratidão pela sua dedicação, deixo desde já aqui registrado, pois muito provavelmente não saberei mais como fazê-lo.

A minha falta de interesse, meu estado de alienação, meu distanciamento, minhas confusões, não são intencionais – na verdade, não tenho controle sobre estes estados.

Se eu demonstrar irritação, inquietação ou ansiedade, talvez a causa seja um ambiente ou um assunto que me traz sensações desagradáveis de medo ou de insegurança; por favor, mudem de assunto, de ambiente, falem ou mostrem coisas bonitas, mudem o foco.

Se um dia eu não os reconhecer ou tomá-los por outra pessoa, trocar nomes ou fatos, não se zanguem comigo pois isso me deixará confuso e infeliz. Não é culpa minha, é consequência da demência.

Se eu acordar de madrugada e perambular pela casa à procura de algo perdido, não se irrite, por favor, ajude-me a entender o que está acontecendo e me tirar a ansiedade.

Não quero ser tratado como uma criança. Trate-me como adulto que sou. Não quero que me excluam das festas e encontros familiares.

Se não puderem cuidar de mim o tempo inteiro, todos os dias, não se sintam culpados; encontrem pessoas que possam lhes dar uma folga e, se um dia precisarem me internar numa casa de repouso, que seja um lugar bom para viver e me visitem sempre.
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