A doença de Alzheimer é uma
doença degenerativa do cérebro. Os neurônios, as principais células cerebrais,
vão perdendo suas funções e morrem em decorrência da patologia. As placas
amilóides e os emaranhados neurofibrilares parecem ser as causas da degeneração
dos neurônios. Essas células são permanentes e se regeneram muito pouco. Os
neurônios que temos no cérebro adulto são os mesmos que carregamos por toda a
vida. Isso faz sentido porque essas células gravam as nossas memórias e
armazenam os sistemas de controle do corpo. Se elas fossem trocadas a cada 120
dias, como as hemácias, teríamos que reaprender a falar, escrever, ler ou andar
de bicicleta a cada 4 meses.
O cérebro humano tem mais de 100
bilhões de neurônios e cada um deles é capaz de se conectar com até 10.000
outros neurônios. A complexidade resultante dessas conexões é que permite que
desenvolvamos tarefas muito elaboradas como ler e refletir sobre um texto,
falar em público ou fazer contas mentalmente. A manutenção da integridade desse
sistema intricado é fundamental para continuarmos a desempenhar normalmente
nossas funções da vida diária. Uma lesão que destrua os neurônios ou corrompa a
arquitetura das conexões interneuronais leva a uma perda de função física ou
mental. Se temos, por exemplo, um AVC na região frontal esquerda, a área da
fala fica comprometida e teremos um distúrbio de linguagem específico dessa
região, denominado afasia de Broca.
Na demência da doença de
Alzheimer não existe uma lesão abrupta como no AVC, mas temos a morte acelerada
dos neurônios que começa em algumas áreas específicas e depois se alastra por
todo o cérebro. No final, o que vemos é o cérebro inteiramente atrofiado pela
moléstia. Habitualmente, as áreas acometidas primeiramente são os lobos
temporais nas suas porções mais internas. Essas áreas são cruciais para os
mecanismos de memória e por isso o esquecimento é um dos principais sintomas do
Alzheimer. Eventualmente as áreas parietais posteriores podem ser os locais de
início da doença e o indivíduo tem dificuldade de se orientar no espaço ou
fazer sentido do que enxerga no seu campo de visão ou ainda ter dificuldade em reconhecer
as pessoas pelo rosto.
O avanço da doença de Alzheimer
leva à perda progressiva de todas as funções cognitivas e até motoras nos
estágios mais avançados. Conforme a degeneração evolui, podemos observar que a
mente da pessoa vai se desconstruindo gradualmente. Mas esse processo não é
linear e os familiares podem identificar dias melhoras e dias piores, assim
como momentos de maior ou menor lucidez dentro de um mesmo dia. Juntando-se à
confusão mental os sintomas comportamentais também decorrentes da degeneração
cerebral, podemos presenciar momentos de agressividade e agitação, como em um
paciente que não reconhece que está em sua própria casa. Ser cuidador nessas
horas não é uma tarefa fácil.
Para os familiares mais próximos,
as variações de humor do paciente e as palavras que ele pode lançar sem
reflexão podem ser particularmente dolorosas. Na fase moderada da doença, a
pessoa já não tem os mecanismos normais de autocontrole e não consegue censurar
suas próprias palavras. Pior ainda, não consegue interpretar adequadamente a
realidade à sua volta e se achar que está sendo roubada ou traída, agirá de
acordo com suas impressões sem medir as conseqüências. O comportamento
desconexo dificilmente é compreendido por aqueles que conheceram a pessoa ao
longo da vida.
Isso acontece porque o cônjuge do
paciente ou seus filhos tentam interpretar aqueles comportamentos com base no
que já conheciam da personalidade pré-mórbida da pessoa. Nessa tentativa de dar
sentido às coisas acabam se magoando pois geram compreensões errôneas do que
realmente acontece com o doente. Por isso é tão importante entender como a
doença de Alzheimer evolui. Façamos uma analogia da mente com um quebra-cabeça
e talvez enxerguemos melhor a questão.
Um cérebro danificado gera uma
mente fragmentada. O cérebro é como um quebra-cabeça de 1000 peças, daqueles
que antigamente se montava e se emoldurava de tanto trabalho que davam. Imagine
que você conhece esse quebra-cabeça, convive com ele há décadas e sabe a figura
que se forma nele: a personalidade. Agora suponha que você desmonta esse
quebra-cabeça, embaralha as peças, pega um punhado delas e joga fora, tentando
remontar a imagem. Esse processo se repete ao longo do tempo, de modo que a uma
certa altura você tem 30% das peças e as coloca da melhor forma possível
tentando recriar a imagem original.
Se chamarmos alguém que nunca viu
esse quebra-cabeça montado e pedir para que diga o que está enxergando, pode
ser que identifique uma pequena árvore em um grupo de peças ou suponha ver um
pedaço de céu, mas não conseguirá visualizar a figura como um todo porque ela
não existe mais. Essa é a realidade atual do quebra-cabeça que foi perdendo
peças e já não tem um significado pleno, apenas fragmentos soltos do que foi um
dia. Essa é a verdade da mente do paciente e que os familiares não aceitam. O
paciente ora está um pouco mais lúcido porque está utilizando uma região que
não está totalmente comprometida , ora está completamente desconexo e age não
por sua vontade, mas de acordo com o estado de fragmentação de sua mente
causado pelo Alzheimer. Não há nada de proposital nem de pessoal em suas
atitudes.
Aceitar que a personalidade de
uma pessoa querida está se esvaindo é
difícil para os familiares. Como eles sabem o que era a imagem original, ficam
tentando encontrar sentido nas peças soltas e justificar os comportamentos como
se fossem voluntários. Como o processo é gradual, fica ainda mais desafiador
porque em um determinado momento não sabemos o que é da pessoa e o que é da
doença. Mas como regra, podemos lembrar que quanto mais peças foram perdidas,
maior a probabilidade de que a figura não faz mais sentido. Quanto mais
danificado o cérebro, mais fragmentada a mente e menos consistente a
personalidade.
É preciso fazer as pazes e se
conformar com o problema. É necessário saber aproveitar os momentos de lucidez
e se felicitar com os momentos de alegria. Igualmente importante é poder dar o
conforto nos momentos de aflição do paciente, quando a doença fala mais alto.
Honrar os mais velhos é ter a capacidade de dar o suporte quando o indivíduo
sofre os efeitos inelutáveis do tempo.
(Autor: Dr. Roger Taussig Soares - CRM 69239- SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário