As transformações ocorridas na
economia e na sociedade impulsionaram as mulheres a exercer, também, tarefas
antes destinadas essencialmente aos homens, como o ingresso no mercado de
trabalho e o sustento do lar, modificando a estrutura social. As famílias extensas
foram substituídas pelas famílias nucleares, ocasionando o aumento do número de
domicílios multigeracionais. Esses fatores contribuem para a profissionalização
do cuidado, que ganhou força inicialmente com a medicina e na sequência com
outros profissionais da área da saúde.
Essa nova estrutura familiar tem
consequências diretas na sociedade atual, visto que há aumento no número de
idosos não apenas nos países desenvolvidos, havendo ampliação considerável
dessa população também nos países em desenvolvimento, como o Brasil, sem que
haja modificações socioeconômicas para a melhoria da qualidade de vida desses
idosos. O efeito dessa transição demográfica é a inversão dos problemas de
saúde: redução das doenças infecto-contagiosas e progressivo aumento das
doenças crônicas não transmissíveis.
Entre as doenças crônicas não
transmissíveis, destacamos as crescentes estatísticas das demências e
especificamente a doença de Alzheimer, que aparece como degenerativa, pois aos
poucos vai atrofiando o cérebro e provocando a morte gradual dos neurônios. A
doença de Alzheimer caracteriza-se por um declínio insidioso progressivo da
memória e de outras funções corticais, como linguagem, conceito e julgamento.
Após os 60 anos, "a probabilidade de desenvolver esta doença duplica a
cada cinco anos. A demência, por ser irreversível e apresentar deterioração
progressiva, pode ter efeitos devastadores nos indivíduos e seus
familiares".
A responsabilidade da família em
oferecer atenção e cuidados aos idosos já foi enunciada na Constituição da
República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, cujo artigo 229 diz:
"Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os
filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade". Essa situação também pode ser verificada no § 1º do artigo
230: "Os programas de amparo ao idoso serão executados preferencialmente
em seus lares". Assim, é possível perceber que no âmbito das políticas
públicas e até mesmo na Carta Magna brasileira reconfigura-se a
desinstitucionalização do cuidado e seu retorno para a esfera doméstica. A
família é percebida como a cuidadora ideal, embora, na realidade concreta,
ainda permaneça desassistida, tendo de assumir sozinha uma responsabilidade
para a qual não está preparada.
No Brasil, a transição
demográfica e epidemiológica aponta maior número de idosos dependentes de uma
ou mais pessoas que suprem suas necessidades das atividades de vida diária, que
em geral são familiares dos idosos e que residem no mesmo domicílio.
Na literatura gerontológica,
dentre outras, destaca-se de forma expressiva a figura do denominado
"cuidador" como o agente do cuidado do idoso dependente no domicílio.
Os cuidadores podem ser classificados, ainda, como: formais - os profissionais
e instituições que realizam o cuidado sob forma de prestação de serviços; e os
informais - os familiares, amigos, vizinhos e outros elementos da comunidade
que podem realizar o cuidado.
Os idosos com demência do tipo
Alzheimer dependem de cuidadores, na maioria informais, que muitas vezes não
têm o devido preparo para estimular os exercícios indicados e os cuidados
específicos a esses idosos. Ainda, as orientações de cuidados dirigidas aos
cuidadores familiares frequentemente não apresentam estratégias efetivas
direcionadas à prática educativa. Sabe-se que eventos de descompensação, que
acometem os idosos com doença de Alzheimer, podem estar relacionados ao
comportamento inadequado dos cuidadores, em razão do déficit de conhecimento
associados à doença.
"O cuidado no domicílio
muitas vezes acarreta para o cuidador exaustão física e mental, deterioração da
saúde, conflitos relacionais intrafamiliares, exaustão de recursos materiais e
econômicos". O cuidador familiar tende a acumular atividades e somá-las ao
cuidado do idoso portador da doença de Alzheimer, acarretando sobrecarga física
e emocional. É comum encontrar familiares cuidadores sofrendo de depressão como
resposta à exposição prolongada a uma situação de desgaste físico e emocional
potenciamente geradora de estresse.
Em estudo realizado com cuidadores familiares de idosos
demenciados, demonstrou-se que transtornos físicos ou psicológicos são
responsáveis pela busca de medicamentos antidrepessivos, ansiolíticos e
antihipertensivos e que, com o passar do tempo, a tendência é aumentar a
quantidade de medicações ingeridas pelos cuidadores familiares. O cuidado ao
cuidador é fundamental nesse contexto, visto que a sobrecarga física, mental e
emocional torna o familiar cuidador vulnerável ao comprometimento de sua saúde.
• Domínio 1 - Cuidados
de proteção e estímulo em consequência da não aceitação da doença
Um dos sintomas da doença de
Alzheimer é o progressivo déficit cognitivo, que pode variar desde a
dificuldade nos relatos autobiográficos à desorientação espacial. São comuns os
acidentes domésticos e de trânsito, além da perda de objetos e dinheiro, o que
pode acarretar impaciência, desconfiança e distúrbios do comportamento.
Nesse contexto, os familiares não
sentem segurança para deixar o idoso portador da demência de Alzheimer sozinho,
nem mesmo dentro do domicílio, dados os riscos que podem emergir das ações
realizadas pelos idosos e posteriormente esquecidas. A desorientação espacial também impede que o paciente se
locomova sozinho em ambientes conhecidos. Há grande risco de que o idoso não
consiga retornar ao domicílio ou que se envolva em acidentes de trânsito.
As tarefas de lidar continuamente
com o banho, vestimenta, higiene do idoso e a administração dos distúrbios
comportamentais são consideradas desgastantes, mesmo quando realizadas há pouco
tempo. As ações de banho, higiene e
vestimenta são consideradas atividades de vida diária (AVDs), no qual apenas os
idosos totalmente independentes são capazes de desempenhar. São ações que
invadem a privacidade do portador de DA e que requerem do cuidador esforço
físico e psicológico, visto que por vezes este não coopera com essas atividades
e não reconhece mais os cuidados prestados pelo familiar. Os distúrbios
comportamentais do idoso são agravos da própria doença e são fatores
determinantes e condicionantes para o grau de relacionamento entre o idoso e o
cuidador familiar, bem como o desgaste físico e emocional deste.
A doença de Alzheimer modifica o
cotidiano familiar. Os cuidadores deparam com inúmeros fatores, incluindo a
aceitação do diagnóstico, o estresse cada vez maior, conflitos familiares,
depressão, dentre outros, tornandoos vítimas da doença. À medida que a doença
avança, a situação se agrava, os cuidados tornam-se mais complexos e a
preocupação dos cuidadores com o doente aumenta, transformando ainda mais as
relações familiares e o equilíbrio necessário para o bem viver e o cuidar.
• Domínio 2 - Os
sintomas da doença geram desgaste para o cuidador
Constata-se que os cuidadores
familiares apresentam déficit de conhecimentos sobre os sintomas e cuidados
relativos à doença de Alzheimer e, como consequência, demonstram um conjunto de
comportamentos que os levam ao conflito interior e constante estresse.
O idoso portador da doença de
Alzheimer pode apresentar perda da memória, por isso tende a tornar-se repetitivo,
conta os mesmos casos ou faz as mesmas perguntas. O idoso com demência do tipo
Alzheimer não percebe a perda cognitiva, característica da patologia. Essa
perda de memória pode trazer desgaste significativo para o cuidador familiar,
por exigir paciência, compreensão, orientação e supervisão infinita e
constante.
A doença de Alzheimer, por suas
características, traz consequências significativas para a dinâmica familiar,
interfere diretamente na qualidade de vida das famílias envolvidas, levando o
indivíduo afetado a uma situação de total dependência desses familiares. Nesse
caso, o evento estressante não é um fato isolado, mas uma situação que resulta
da deterioração e da dependência do paciente.
No estudo apontou-se que, frequentemente,
as atividades de cuidado são concentradas em apenas uma pessoa da família do
portador da demência de Alzheimer. Quando os membros familiares não dividem as
tarefas, o cuidador também adoece, em virtude das dificuldades com as quais
depara ao cuidar do idoso com demência. Dessa forma, "o trabalho da
cuidadora no domicílio é um ato solitário e permanente, agravado pela
precariedade de recursos físicos, econômicos e de apoio social, evidenciando os
limites de um fazer que se concretiza no cotidiano, entremeado por relações de
afetividade, compromisso e dedicação".
Torna-se imprescindível voltar a
atenção aos cuidadores familiares de idosos com doença de Alzheimer, visto que
o desgaste físico, emocional e financeiro pode transformar o cuidador em um
doente em potencial. Essa atenção exige um olhar atento para as orientações a
respeito da doença e sua evolução, bem como para indicar o caminho adequado dos
auxílios, das redes sociais de apoio. Além disso, deve-se buscar e implementar
estratégias para estimular o cuidado de si, dentre outras ações que visem
minimizar o impacto na vida dos cuidadores familiares.
• Domínio 3 -
Modificações na vida familiar decorrentes da doença de Alzheimer
Em um estudo realizado na cidade de Florianópolis, com 115
cuidadores de idosos portadores de doença crônica, foi apontado que uma das
consequências da tarefa de cuidar é a restrição na vida profissional das
cuidadoras, ocorrendo desde a redução da jornada de trabalho até a sua
renúncia.
As perdas das capacidades
funcionais observadas em idosos com doença crônico-degenerativa implicam
reorganização do núcleo familiar no sentido de redefinir papéis e
responsabilidades, além de desarticular a dinâmica familiar e desestabilizar as
relações interpessoais experimentadas no cotidiano.
Os cuidadores do estudo relatam que houve muitas
interferências na vida, a iniciar pela falta de tempo para realizar atividades
pessoais, principalmente o lazer, o que reafirma a vivência de eventos
estressantes significativos. O acúmulo de atividades, aliado à
falta de colaboração de outros membros da família, gera um sentimento de
impotência e o desgaste pessoal do cuidador principal. Diante desse quadro,
pode-se afirmar que há um despreparo no que diz respeito ao planejamento para o
cuidado dos doentes com doença de Alzheimer, pois no corpo familiar poucas
pessoas se dispõem a assumir essa tarefa. As redes de apoio não oferecem
serviços capazes de suprir a demanda de assistência integrada a essa
enfermidade.
Uma consequência da sobrecarga
física e emocional desse cuidado é o comprometimento da saúde do cuidador.
Alguns sentimentos são bem comuns, como medo, preocupação, raiva, frustração,
tristeza, culpa, isolamento social e fadiga. Os profissionais de saúde precisam
estar atentos a esses sinais apresentados pelos cuidadores, para que possam
intervir antes do surgimento de uma patologia no cuidador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, apontou-se que as mulheres, em sua maioria
cônjuges dos pacientes, pertencendo à mesma faixa etária deles, ainda são as
principais responsáveis pelo cuidado domiciliar. Por conseguinte, isso se torna
motivo de preocupação, pois são idosos cuidando de idosos e muitas vezes sem
condições de saúde para desempenhar o cuidado. A maioria deles aponta doenças
crônicas, como hipertensão, diabetes mellitus, artrose, patologias que, se
agravadas, podem deixar o cuidador tão debilitado, ou mais, que o próprio
paciente.
O conhecimento dos cuidadores familiares a respeito da
doença de Alzheimer é limitado, e isso pode dificultar o planejamento dos
cuidados ao idoso e potencializar a sobrecarga do cuidador. O cuidado é
desenvolvido por meio de um conjunto de opiniões e modos de sentir, impostos
pela tradição familiar. São cuidados geralmente aceitos de modo acrítico,
advindos do senso comum.
Entende-se como estratégia necessária fornecer informações
apropriadas aos cuidadores para o emponderamento deles. As técnicas de
orientações que oferecem o estímulo e poder para o bem cuidar irão favorecer a
autonomia e a tomada de decisão no momento de prestar o cuidado ao idoso.
Quando o cuidador realiza os cuidados essenciais ao doente de Alzheimer, poderá
protelar agravos à doença e, consequentemete, amenizar-lhe os sofrimentos.
Os cuidadores familiares são os protagonistas do cuidado ao
idoso, demandam atenção dispensada exclusivamente ao doente, o que lhes imprime
sobrecarga física, financeira e emocional como: sentimentos que geram excessiva
ansiedade e estresse e que podem culminar em patologias; aumento dos gastos
financeiros com sistemas de proteção/segurança; redução ou renúncia da jornada
profissional de trabalho; concentração dos cuidados em um único familiar, o que
dificulta os procedimentos na fase mais avançada da doença, na qual o portador
se apresenta totalmente dependente do cuidador.
Esses são dados importantes para o profissional de
enfermagem e requer olhar atento ao cuidador, no sentido de oferecer-lhe
suporte profissional nos cuidados consigo mesmo. Diante de possíveis
sobrecargas, considera-se fundamental nortear os riscos à saúde de cada
cuidador. É preciso planejar estratégias para minimizar a sobrecarga do
familiar, como a redução da jornada de trabalho, a divisão de responsabilidade
e tarefas no ambiente familiar e nos grupos de apoio. Cuidar do cuidador é uma
tentativa de garantir o almejado cuidado ao idoso portador da doença de
Alzheimer.
O estudo foi relevante por apresentar os inúmeros desafios
que envolvem o cuidador ao assumir o cuidado. É visível a carência de suporte
profissional, de uma equipe multidisciplinar e de redes de apoio, com o intuito
de minimizar o deficitário conhecimento sobre a doença e, sobretudo, o impacto
na dinâmica familiar e na qualidade de vida do cuidador. (Scheilla Cristina da
Silva)
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