Nas últimas semanas, vivemos o
apelo emocional para as demonstrações do amor filial. Data marcada, lojas
abarrotadas de produtos e de gentes se atropelando para a escolha do melhor
presente, propagandas em todas as mídias a oferecer-nos todo tipo de vantagem
nas compras, enfim, um corre-corre desenfreado para que não deixemos de
homenagear nossas mães. Breve, será a vez do papai, depois Natal, e por aí vai…
Muito legal, isso, porque motiva
as reuniões familiares! Nessa labuta diária que nos envolve, não mais sobra
tempo para dedicarmo-nos às relações afetivas: da convivência companheira, do
bate-papo cotidiano com nossos entes queridos.
Dessa forma, graças ao alardeado
dia das mães no domingo passado, em diversos lares brasileiros – de uma forma
ou de outra, com ou sem presente – as mamães viveram o dia em que os filhos, de
perto ou de longe, buscaram um tempinho para prestar a justa homenagem! Apesar
de não mais ‘saber’ o significado de datas como natal, aniversários, etc. minha
mãe também viveu as homenagens do dia dela!
Enquanto o dia avançava,
surpreendi-me imersa numa série de reflexões sobre os efeitos do Alzheimer na
vida diária dos seus portadores e de todos ao seu redor. Logo pela manhã, ao acordarmos,
beijei-a muito dizendo que aquele era o dia dela – o dia dedicado às mães!
Percebi que se entregava dengosa aos meus beijos, mas quanto às informações que
lhe passava sobre aquela data especial, nenhuma reação demonstrava de entendimento
ou de importância para ela.
Mais tarde, quando meus irmãos
chegaram trazendo-lhe presentes, seu foco de interesse era disperso e buscava
mais interagir de alguma forma com eles do que interessar-se pelo presente
recebido. Meu irmão, com muito bom humor, observou: “ela gostou mais do papel
colorido que envolvia a bolsa que lhe dei!” De fato, mesmo sendo louca por
bolsas, o papel que envolveu o presente foi o grande alvo de seu interesse,
segurando-o firmemente e exclamando: “que beleza!”, tornando-se vãos nossos
apelos para que, ao menos, olhasse para a bolsa.
E foi assim que observando as
embalagens dos presentes, lembrando os delicados arranjos de flores, meus
pensamentos detiveram-se nos belos laços que os enfeitam ou prendem e, por
analogia, me vieram à mente os laços afetivos que nos unem e nos embelezam a
alma e o coração.
Eis alguns dos ensinamentos sobre
a essência do viver e sobre as relações afetivas que, particularmente, acho que
podemos assimilar ao conviver com os portadores do Alzheimer: primeiramente,
minha atenção voltou-se para os nossos costumes sociais e a importância que
damos ao cumprimento deles e de seus rituais.
Vejamos: em datas comemorativas,
impossível não pensar numa reunião conjunta para o almoço ou jantar; igualmente
fora de cogitação não se preocupar em comprar algo que agrade àquele que amamos
e ofertar-lhe como presente. Tudo isso é muito bom, prazeroso e mais uma das
muitas formas que encontramos para expressar o nosso afeto.
Convivendo com mamãe, percebo as
perdas de autonomia, de memória, mas percebo também que há uma maior e mais
intensa susceptibilidade emocional. Vejo-a mergulhada numa efervescência de
múltiplos sentimentos e confusa sob a névoa de lembranças que se embaralham
numa complexa mistura espaço temporal. A sensação que tenho é de que ela está a
viver no universo genuíno do sentir, apenas SENTIR sem a explicação lógica do
que sente.
Todos os dias, para ela, são
datas especiais porque tudo parece sempre que está sendo visto pela primeira
vez. É então que somos estimulados a adquirir um novo olhar sobre todas as
coisas que nos habituamos a acreditar que já sabemos ou que já conhecemos.
Curiosamente, isso nos exercita a encontrar novas formas de explicar o já
explicado, de ensinar o já aprendido e, conseqüentemente, rever tudo aquilo que
já nem mais enxergávamos por nos considerarmos detentores de um saber
automaticamente internalizado.
Concluo, então, que no caso
específico dos portadores da D.A., a data mais importante é hoje e o presente
mais precioso é a presença daqueles que a eles estão ligados pelos laços do
amor. São esses laços que embelezam a delicada sensibilidade de seus corações e
prendem o foco da atenção em suas confusas mentes.
Em resumo: HOJE é sempre o dia
especial a ser comemorado; HOJE é a data que ainda posso marcar no calendário
da minha vida; HOJE é o dia em que ainda posso interagir com as pessoas que eu
amo, rever atitudes, aprender algo novo, porque hoje é o tempo que – como disse
o grande poeta Mário Quintana – “infelizmente… não voltará mais”.
Isso o Alzheimer me ensina: ao
envolvê-la nos laços do amor – com paciência, carinho e atenção – torno-me o
presente prazeroso que dá leveza e festividade ao dia-a-dia de mamãe. (Gracinha
Medeiros)
http://www.cuidardeidosos.com.br/
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