Todo mundo quer viver bastante, mas quem consegue isso e
chega à velhice se desespera
Envelhecer é um pesadelo para as pessoas. Há uma luta inútil
e muitas vezes patética pela juventude eterna. E uma indústria prospera por
trás dessa batalha: dos cirurgiões plásticos aos fabricantes de tintura para
cabelos. Um medicamento afirma poder devolver a potência da juventude a homens
de meia idade ou anciões, outro promete deter a queda dos cabelos e até
restabelecer franjas que o tempo levou. A mídia, compreensivelmente, uma vez
que o tema é campeão de audiência, dá um amplo espaço aos vendedores de
juventude. Basicamente, o que explica tudo isso é a angústia que nos toma
quando percebemos que não somos tão jovens assim. Temos uma opinião negativa da
velhice. Daí a origem da nossa aflição, que não é um assunto novo.
Desde sempre a humanidade se deixou atormentar por esse
fantasma. Muitos filósofos se detiveram sobre o tema e se esforçaram para nos
ajudar a lidar melhor com a passagem do tempo. Um deles foi Marco Túlio Cícero
(106 – 43 a.c.), estadista e pensador romano que se transformou no símbolo supremo
da oratória. Em sua obra Saber Envelhecer (L&PM), Cícero enumera as
vantagens desprezadas da velhice. Na dedicatória, ele diz: “Senti tal prazer em
escrever que esqueci dos inconvenientes dessa idade; mais ainda, a velhice me
pareceu repetidamente doce e harmoniosa”.
Cícero comenta um fato incontestável: “Todos os homens
desejam avançar a velhice, mas ao ficarem velhos se lamentam. Eis aí a
conseqüência da estupidez”. Depois ele toca em outro ponto crucial, que vale
para tudo na vida: uma vez que somos submetidos a obstáculos e desafios, e que
a sorte instável ora nos ergue e ora nos derruba, o que muda mesmo é a maneira
com que cada um de nós lida com sua cota de agruras. Um mesmo aborrecimento é
leve para uns e insuportável para outro. Afirma Cícero: “Os velhos
inteligentes, agradáveis e divertidos suportam facilmente a idade, ao passo que
a acrimônia, o temperamento triste e a rabugice são deploráveis em qualquer
idade”.
Cícero é mordaz e divertido. Quando toca na questão da
alardeada perda de memória dos anciões, ele contrapõe: “A memória declina se
não a cultivarmos ou se carecemos de vivacidade de espírito. Os velhos sempre
se lembram daquilo que interessa: promessas, identidade dos seus credores e
devedores, etc”. Permanecer intelectualmente ativo é uma forte recomendação
dele.
Cícero lembra que Sófocles em idade avançada ainda escrevia suas
tragédias. No fim da vida, Sócrates aprendeu a tocar lira. Catão, na velhice,
descobriu a literatura grega. “Acaso os adolescentes deveriam lamentar a infância
e depois, tendo amadurecido, chorar a adolescência? A vida segue um curso
preciso e a natureza dota cada idade de suas qualidades próprias. Por isso, a
fraqueza das crianças, o ímpeto dos jovens, a seriedade dos adultos, a
maturidade da velhice são coisas naturais que devemos apreciar cada uma em seu
tempo.”
Ler Cícero vale muito mais que qualquer botox.
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