quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

REALIDADE (03)


A cada dia que passa a evolução da DA de minha amada mãe é visível. Bastante repetitiva, sem a mínima noção de temporalidade. O "aqui e agora" não mais existe. Como isto é sofrido. Tenho a sensação de perda a cada dia que passa. A dependência é total. Um corpo físico perdendo o seu comando e uma memória fragmentada, com poucos momentos da realidade.

As transformações em minha vida são também evidentes. De Assistente Social em plena atividade, cujo projeto de aposentadoria não estava nos planos atuais, passei a desempenhar um novo papel: "Cuidadora".

O sentimento é de total impotência diante do avanço da DA. As relações familiares para minha "surpresa" estão desgastadas, não existe diálogo, não existe um compartilhar de sentimentos. A sensação que tenho é de uma solidão profunda. Quando deveríamos estar cada vez mais unidos para ajudar a minha amada mãe, ocorre justamente o contrário.

Para um melhor entendimento, o nosso núcleo familiar é composto por 04 filhos, sendo 03 mulheres e 01 homem.  A minha amada mãe mora com a filha mais velha, a qual possui  um temperamento muito difícil de lidar no dia a dia. Infelizmente é uma pessoa que não sabe demonstrar carinho, amor, dar um sorriso, um abraço.  É uma pessoa totalmente "cristalizada" em seus sentimentos.

A outra irmã é casada e tem duas lindas crianças, o que significa pouca disponibilidade para compartilhar comigo o cuidado com a minha amada mãe. No entanto, a ajuda dela é muito importante, tipo levar sempre aos passeios que ela pede e acompanhar nas consultas médicas, dentre outras atividades das quais não tenho condições de realizar em função de algumas ausências minhas para resolver problemas do cotidiano. É uma pessoa meiga e carinhosa, na qual me identifico muito. As crianças são muito amadas pela vovó, que apesar do avanço da DA, ainda não foram apagados de sua memória.

O único irmão mora fora com a família. O acompanhamento é realizado através de contatos telefônicos e algumas vezes em viagem até a casa de minha amada mãe.

Moro sozinha, no entanto em função da DA de minha amada mãe, passo todos os dias com ela, retornando somente à noite para o meu apartamento.

Com muito sofrimento hoje percebo que a "Inutilidade" de minha amada mãe não está sendo compartilhada com amor. Sinto muita tristeza em meu coração. Para não cair em um abismo profundo em função da depressão, passei a tomar medicamentos antidepressivos.

A sobrecarga emocional e física que estou vivenciando é bastante sofrida. Passei por vários sentimentos: incerteza, medo, fragilidade, impotência e depressão, associada a uma dor insuportável. Não uma dor física, mas uma dor emocional. A “dor da alma”, até então desconhecida por mim. É uma dor tão profunda, que nos aperta, nos sufoca e que ninguém consegue tirar. É da alma e que ninguém alivia, porque não há remédio para ela.

A angústia ao sentir a perda da minha amada mãe a cada dia mobiliza sentimentos intensos que, se não compartilhados, podem acarretar sérios problemas de saúde.

Sem contar com a dependência de minha amada mãe comigo. Houve uma total inversão de papéis , de filha passei a ser a sua "mãe "  . Quando chego a sua casa, sou recebida com um grande abraço e um sorriso que me fortalece no meu dia a dia. Nossos sentimentos é de muito amor e muita cumplicidade. É uma constante muitos abraços, muitos beijos, carinhos e frases de "eu te amo muito”, ditas muitas vezes ao dia.

Convivendo com mamãe, percebo as perdas de autonomia, de memória, mas percebo também que há uma maior e mais intensa susceptibilidade emocional. Vejo-a mergulhada numa efervescência de múltiplos sentimentos e confusa sob a névoa de lembranças que se embaralham numa complexa mistura espaço temporal.  A sensação que tenho é de que ela está a viver no universo genuíno do sentir, apenas SENTIR sem a explicação lógica do que sente.

Aquela que um dia foi provedora, a cuidadora dos filhos, agora necessita de cuidados, de amor, de carinho.

Sei que a desconexão gradual da minha amada mãe será cada vez mais intensa, será como um mergulho na escuridão, uma morte lenta, onde somente o corpo físico permanecerá com toda a sua fragilidade e dependência. Sei que ela não estará mais presente em minha vida o que acarretará um “perda” antecipada da pessoa que ela foi e o que representa em minha vida.


Quero tornar as palavras do Padre Fabio em Falando sobre a velhice e o amor em uma oração  que será lida e absorvida todos os dias de dedicação a minha amada mãe. "Eu não vivo sem você independente da sua inutilidade!"

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