O
CUIDADO NO ACOLHER HISTÓRIAS!
Apesar
de toda a cultura que permeia as relações no século XXI, falta muito
acolhimento. Acolher significa hospedar, agasalhar, receber, atender, aceitar,
dar ouvidos a, abrigar. Quando você abraça alguém, divide com este alguém o seu
espaço pessoal e abraça toda a sua história.
Talvez seja por isso que tantas pessoas não conseguem se entregar ao
contato físico do abraço, pois é preciso ter lugar dentro de si para ceder ao
outro.
Todo
corpo é repleto de memórias. Cuidar do Ser é cuidar do outro que tem uma face –
um corpo que tem um semblante único. Ao mobilizar seus conteúdos, é preciso
delicadeza. Há corpos que não permitem aproximações devido a traumas de maus
cuidados. Tais aproximações só existirão se ele conseguir compartilhar sua
história e para isto será preciso o acolhimento de alguém.
Como
exercer o cuidado se quem precisa não quer saber de cuidados? O movimento em
direção ao outro não é fácil. O cuidador que não sabe dos próprios registros
que carrega no seu corpo-memória, que segurança terá para ceder espaço interno
ao outro?
Um
cuidador necessita conhecer para compreender, auxiliar, proteger. Medo, raiva,
mágoas ou outro sentimento negativo guardado por alguém, que deveria ter sido
cuidado algum dia, poderão aflorar em hora imprópria. O
cuidador está o tempo todo dando e recebendo informações. Seja na troca de
olhares, seja na troca de uma roupa da pessoa que cuida. Ela percebe o cuidador
pelo olhar, pelo movimento, pelo tom de voz. Por isto, há pessoas que rejeitam
certos cuidadores, porque eles não lhe passam o que precisam sentir: segurança
e afeto, alívio para suas dores através de alimento, remédios, higiene,
atenção.
O
ato de acolher é demonstrado em toda expressão corporal. No abraço, partilha-se
a energia capaz de sanar dores psíquicas e/ou aliviar enfermidades. E, ao
acolher a história do outro, também se recebe vida e energia do outro,
transfere-se energias, faz-se uma “transfusão de almas, quando se pode
transmitir uma mensagem de reconhecimento do valor e excelência daquele
indivíduo.
Além disto, o abraço reafirma a confiança nos próprios sentimentos. O cuidador precisa ser abraçado antes de
abraçar, ser cuidado antes de cuidar, ser acolhido antes de acolher, ser
alimentado antes de alimentar. Ter seu continente conhecido e estimado antes de
penetrar no continente do outro.
Quem
abraça, também é abraçado. O colo. Tão necessário para que nos energizemos para
continuar a enfrentar o nosso cotidiano. Ouvir o simples: venha... estou aqui, palavras
sem rebuscamento algum, que são ditas por qualquer pessoa. Acolher não depende
de classe social e nem de cultura. Abraçar é dar de si. Mas mais ganha quem dá.
Reconhecer a simplicidade desse ato reside em vida e sabedoria.
Quando
nos faltam as palavras, resta o corpo a abraçar. O corpo pode falar muito mais
do que muitas frases. Até porque nem sempre a palavra dita é a adequada àquele
momento, mas o abraço é universal, possui linguagem própria, provoca alterações
fisiológicas positivas em quem toca e em quem é tocado, reduz a sensação de
isolamento, de depressão e de ansiedade.
O
abraço pode dar segurança, importante para todos as pessoas, e muito mais para
as crianças e idosos, que são quem mais depende de quem os rodeia. Quando o
medo se sobrepõe ao desejo de participar de algum desafio da vida com entusiasmo,
é importante receber do cuidador a confiança necessária para avançar. Essa
dependência é o que pensamos real.
No
caso do cuidador esgotado no ato de cuidar, não há idade. Quem assume filhos
especiais cuidará a vida inteira. Daí que é preciso compreender para poder
cuidar dessas pessoas que se dedicam intermitentemente. Então podemos citar o
mito de Sísifo (2009). Uma mãe nunca descansa, não pára de gastar sapatos,
carrega o filho para todo o sempre.
Como
estimular o cuidado a um cuidador? Se ele direciona toda a sua energia para
cuidar do outro e não cuida de si mesmo, como auxiliá-lo? É preciso valorizar e
cuidar dos cuidadores, pois cada vez a sociedade dependerá mais deles. São
muitas as variáveis. Afirma SCLIAR (2008, p.5) que, além de vocação, o ato de
“cuidar não é apenas questão de generosidade, é questão de técnica, de
conhecimento. E exige dedicação.” Conhecer como os outros funcionam é
importante se este conhecimento trouxer o autoconhecimento.
A palavra
cuidador não está em qualquer dicionário. Mas ser cuidador é novidade? Seu
significado está lá nas escrituras: os pastores que cuidavam de seu rebanho. A
metáfora do cuidador: o papel dos familiares, dos professores, dos religiosos,
dos avós, dos amigos, de todos os profissionais que cuidam de alguém e de
tantos outros.
Hoje,
a quebra de paradigma está em olhar não para quem precisa de cuidados, mas
“para quem
cuida” e adoece no processo de cuidar. Acolher, abraçar e compreender, aceitar
também suas dores, seus sentimentos de impotência, de raiva e de angústia, pois
como todo ser humano, um cuidador também sente dores e tem suas mazelas. É
preciso estimulá-lo a cuidar de si para que possa cuidar dos demais, pois um
cuidador bem cuidado saberá cuidar melhor! (COSTI, 2008)
Os
cuidadores, quando acolhem, autopreservam-se da dor? Esvaziados devido ao ato
de doar-se continuamente, tornam-se uma árvore oca, frágil, pronta a tombar. Os
cuidadores têm o direito ao autocuidado, tem direito de perseguir seus desejos
e de seguir seus sonhos. Ir atrás dos desejos mais íntimos traz saúde mental,
afirma Leloup (2007).
Um
dos princípios do acolhimento é qualificar a relação trabalhador-usuário, que
deve dar-se por parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania. O
cuidador precisa receber, alimentar-se de humanidade, desenvolver a
sensibilidade, qualificar-se, conhecer seus sentimentos de empatia e saber
lidar com eles, antes de se doar. Quem não tem condições de se colocar no lugar
do outro, não pode trabalhar na área da saúde. Mas empatia demais pode gerar
sofrimento. Mas como ter empatia e compaixão
sem sofrer? Para cuidar, é preciso respeitar a si mesmo, reconhecendo os
próprios limites. (Marilice Costi).
http://www.ocuidador.com.br
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