No entanto, esta atividade nem sempre é fácil e segura, principalmente
para indivíduos que cursam com algum tipo de doença que afeta de forma
importante a dinâmica da deglutição. Algumas vezes o próprio indivíduo
ou seus familiares percebem que há algo de errado neste processo, mas
consideram essas alterações parte do envelhecimento.
Qualquer problema no processo de deglutição que impeça ou dificulte uma alimentação normal chama-se disfagia.
A disfagia pode levar à aspiração (entrada de alimentos / saliva /
líquidos na via respiratória), que gera risco de pneumonias aspirativas,
desnutrição e/ou desidratação. Em alguns casos, a disfagia pode levar
a graves consequências. Portanto, é importante sua identificação de
forma precoce e para isso, compreender a dinâmica da deglutição normal é
essencial.
COMO OCORRE A DEGLUTIÇÃO?
A deglutição é uma complexa ação neuromuscular que ocorre
aproximadamente 1000 vezes ao dia e que tem como função transportar o
conteúdo da cavidade bucal (saliva, alimentos, líquido ou medicamento)
para o estômago. Os eventos orofaríngeos que ocorrem no processo da deglutição são
correlacionados e a separação em fases é didática para facilitar a
compreensão
Fase antecipatória
A fase antecipatória caracteriza-se por um preparo para o início da
deglutição, incluindo o estímulo sensorial visual que nos permite
perceber a forma de apresentação, a cor do alimento e sua textura. O
olfativo nos permite sentir o aroma da comida.
Fase preparatória
A fase preparatória é voluntária, ou seja, depende da vontade de cada
um. Compreende a preparação do alimento, envolvendo ações dos lábios,
língua, mandíbula, palato, bochechas, dentre outras.
Na fase preparatória ocorrem as seguintes subfases: captação, preparo, qualificação, organização.
A captação consiste na preensão do alimento, na retirada do alimento do
utensílio. Nesta fase, os lábios tem um papel importante. Após a entrada
do alimento, os lábios permanecem fechados evitando que haja escape
pela boca.
No estágio do preparo, o alimento é manipulado, mastigado. A boca possui
várias terminações nervosas que são fundamentais para percebermos o
sabor do alimento, consistência, forma, tamanho e temperatura.
No estágio de qualificação que se interpenetra com o de preparo, o bolo é
percebido em seu volume, consistência, grau de umidificação,
temperatura e sabor. Neste estágio definimos se ainda restam pedaços
dentro da cavidade oral que precisam ser mastigados ou retirados, e se o
alimento já está suficientemente umedecido pela saliva. Nesta fase
também se programa a força de ejeção do bolo (empurrar o bolo para a
faringe pela ação da língua).
O estágio da organização é aquele no qual o bolo é posicionado
normalmente sobre o dorso da língua, e as estruturas
osteo-músculo-articulares organizam-se para a ejeção oral.
Fase oral
A fase oral também é voluntária e compreende o transporte do bolo para a
faringe. Para que a ejeção oral aconteça é necessário o ajuste da
cavidade oral para mantê-la pressurizada, ou seja, a língua faz
movimentos ondulatórios contra o céu da boca, comprimindo o bolo e
levando-o em direção à garganta dando início à fase faríngea da
deglutição.
Fase faríngea
Na fase faríngea, que é involuntária, o bolo é transportado da faringe
até o esôfago através da contração dos músculos da faringe. O alimento
passa por uma região crítica (laringofaringe), por ser uma área
coincidente tanto para a via respiratória quanto para a via digestiva.
Para que a deglutição ocorra de forma segura não pode haver a entrada de alimento, saliva ou líquidos na via respiratória.
A segurança desse processo está diretamente relacionada à coordenação entre as fases oral e faríngea da deglutição.
Fase esofágica
Nesta fase, também involuntária, o bolo segue pelo esôfago até o
estomago.
O esôfago se contrai levando o bolo alimentar em direção ao esfíncter
esofágico inferior que se abre permitindo a passagem do bolo para o
estômago. Após a passagem do bolo, o esfíncter se fecha impedindo o
retorno do alimento para o esôfago (refluxo gastro esofágico).
Terminada a deglutição, a laringe retorna à posição normal e a respiração volta a ocorrer.
Doença de Alzheimer (DA) e disfagia:
A doença de Alzheimer é a causa mais comum de demência. É uma doença
degenerativa do sistema nervoso central, de caráter lento e progressivo,
que acomete inicialmente a memória e progride para outros domínios
cognitivos.
À medida que a DA evolui, os pacientes tornam-se cada vez mais
dependentes. Iniciam-se as dificuldades de locomoção, a comunicação se
torna inviabilizada e passam a necessitar de cuidados e supervisão
integral.
As alterações na deglutição dos pacientes com DA iniciam-se com queixa
de engasgos durante a ingestão de alimentos, principalmente líquidos.
Com a progressão da doença o paciente pode ter dificuldades com outras
consistências, o que leva ao comprometimento da condição nutricional.
Há relatos de dificuldades de gerenciamento da deglutição nas fases
iniciais, porém os problemas mais expressivos apresentam-se nas fases
moderada e grave da DA.3
Fase inicial:
Não se observa queixas específicas de alteração da deglutição. Há relatos de mudanças de hábitos alimentares.
Fase moderada:
É caracterizada por mudanças significativas nas habilidades cognitivas, que impactam na autoalimentação e deglutição.
Alterações da memória podem levar o indivíduo a esquecer o que comeu, quando comeu e qual o horário da próxima refeição.
Dificuldades perceptuais e espaciais resultam em dificuldade para localizar louça e talheres e reconhecer comida e utensílios.
Apraxia de membros e apraxia oral podem levar à dificuldades na
utilização de talheres e realização de ações voluntárias como abrir a
boca e manipular o alimento na cavidade oral.
Alterações da linguagem podem levar à dificuldade em expressar as
preferências alimentares e compreender instruções dadas durante as
refeições.
Nesta fase é importante identificar a segurança da deglutição e
gerenciar a capacidade de manutenção da dieta via oral. A cognição é um
fator importante para considerar se o paciente terá condições de
aprender a estratégias que minimizem os riscos.
Os familiares/cuidadores devem ser orientados e treinados quanto a
melhor consistência de dieta a ser oferecida, o utensílio utilizado para
oferta dos alimentos, o volume oferecido, manobras ou posturas
utilizadas para a deglutição (a depender da condição cognitiva) e o
ritmo de oferta dos alimentos.
É importante que todos estejam familiarizados com o processo de evolução
da doença para que futuramente tenham condições e oportunidade de
participar das decisões.
Fase grave:
Nesta fase, a quantidade de alimento ingerido pode ser insuficiente.
O tempo de refeição aumenta de forma significativa.
A indicação de uma via alternativa de alimentação pode ser necessária
(quando a via oral ocorrer de forma insuficiente ou quando a mesma
representar risco para aspiração). Esta indicação deve ser criteriosa e
depende da decisão conjunta da equipe multiprofissional e
familiares/cuidadores.
Algumas orientações e condutas podem permitir ao paciente disfágico uma alimentação via oral mais segura.
Estas orientações estão relacionadas à:
1- Consistência dos alimentos:
A consistência dos alimentos é modificada, ao longo do curso da doença, se necessário.
A umidificação dos alimentos é indicada para a maioria dos pacientes.
Em geral, a dieta de menor risco é a consistência pastosa homogênea (consistência de creme).
O importante é a garantia de um desempenho seguro (sem a entrada de
saliva/ alimentos/líquidos no pulmão) durante todas as refeições.
2-Uso de espessantes alimentares
São produtos industrializados que modificam instantaneamente a textura e consistência dos alimentos, não alterando o sabor.
São bastante utilizados para espessamento de líquidos, pois tendem a ser
a consistência mais difícil por exigir adequado controle oral,
agilidade e coordenação da musculatura envolvida na deglutição.
Figura I: Representação de diferentes viscosidades de alimentos/líquidos
Na avaliação funcional da deglutição o fonoaudiólogo definirá a
consistência mais segura de acordo com a dinâmica de deglutição do
paciente.
3- Posicionamento durante a alimentação
Uma posição correta durante a alimentação dificulta a entrada dos alimentos nos pulmões, deixando a alimentação mais segura.
Durante as refeições é importante que o paciente permaneça sentado, com o
tronco reto e a cabeça erguida. Caso não seja possível, tente manter o
tronco o mais reto que puder ou pelo menos a 45º (figura abaixo). Use
como apoio, travesseiros, almofadas, rolos de toalhas ou lençóis
4- Ambiente
O ambiente onde o paciente será alimentado deverá ser calmo, oferecer o
mínimo de distratores assim como televisores e rádios deverão ser
desligados. Conversas paralelas deverão ser evitadas.
5- Higiene oral
Pacientes com precário estado de conservação dentária estão mais propensos a broncopneumonias.
Para manutenção adequada da higiene oral e para retirada da placa
bacteriana é necessária a ação mecânica de escovação dos dentes.
O uso de uma pasta que tenha boa ação bactericida é indicada quando ainda o paciente tem condições de fazer “bochecho”.
Caso esteja em uma fase que já não consegue bochechar, sugere-se a
utilização da própria escova e de um antisséptico a base de clorexidina a
0,12% sem álcool, não sendo necessário o enxágue.
6- Via alternativa de alimentação
A nutrição enteral é indicada a pacientes que possuem risco para
aspiração ou para aqueles com ingestão alimentar insuficiente por via
oral.
Cabe à equipe médica optar pela sonda naso-enteral (SNE) ou gastrostomia
(GTT).
A sonda naso enteral é um tubo flexível inserido no nariz. Recomenda-se
que seja usada no máximo por um mês, mas na prática clínica isso não
acontece.
Para pacientes sem condições de manutenção de via oral exclusiva (se
alimentar somente por boca), a gastrostomia é indicada. É um
procedimento simples e realizado por via endoscópica.
Figura 1 - Paciente com sonda naso enteral e gastrostomia
Sinais de alerta
1- Tosse ou engasgo com alimento ou saliva;
2- Pneumonias de repetição;
3- Refluxo gastro-esofágico;
4- Febre sem causa aparente;
5- Sensação de bolo na garganta;
6- Recusa alimentar;
7- Sonolência durante as refeições;
8- Presença de sinais clínicos de aspiração: dispnéia (falta de ar), voz molhada (som borbulhante)
A constatação desses sinais de alerta, isoladamente ou em conjunto, são
essenciais para definição da conduta em relação à manutenção da dieta VO
(por boca).
Em caso de dúvida, peça orientação para um profissional especializado.
http://www.doencadealzheimer.com.br/