domingo, 27 de abril de 2014

REALIDADE (06)


Só quem convive diretamente com a Doença de Alzheimer e assiste à transformação daqueles que nos são queridos é que consegue ter a percepção do quão devastadora e destruidora ela é. O reservatório de lembranças, bem maior da vida do ser humano, vai sendo roubado gradativamente, até perder-se por completo. Desaparece tudo ou são deixadas para trás, o que a pessoa guarda em seu cofre mental, todos os sentimentos vivenciados, a sua própria trajetória de vida.

Alzheimer, um ladrão que age sorrateiramente, chega de mansinho e ninguém percebe. É impiedoso, frio, insensível. Um inimigo cruel e calculista. Vidas vão se quebrando,tornam-se cacos, rouba a alma, o coração e a dignidade da pessoa. Tudo acaba em vida.

O seu curso é marcado por uma deterioração gradual da função intelectual, declínio na capacidade de realizar atividades de rotina da vida cotidiana e de lidar com as alterações na personalidade e também no comportamento. O Alzheimer é uma despedida vagarosa, que pode durar meses ou anos, é uma forma que os anjos nos dão para acostumarmos com aquela ausência que um dia será eterna. Você nunca saberá se aquele abraço ou o desejo de uma boa noite será repetido ou entendido no dia seguinte, é tudo imprevisível, é como se estivéssemos em um campo minado, sem saber como andar.

Quem de nós já não experimentou a súbita ausência de um ente querido? Mas mesmo com esse preparo de despedida que o Alzheimer nos proporciona, no dia da real despedida, daquela sem volta, entramos em choque, ficamos paralisados, alguns não se conformam, outros se revoltam, uns momentaneamente perdem a fé de que tanto tinham, nosso chão é tirado, ficamos sem rumo, sem lugar...

Conviver com parentes que sofrem do mal de Alzheimer requer um verdadeiro amor e um grande malabarismo, pois temos que, muitas das vezes, concordar com fatos e datas que ocorreram apenas na mente do portador de Alzheimer, precisamos ouvir com alegria as mesmas histórias repetidas vezes e dizendo que é a primeira vez que a ouvimos; concordar que aquela cadeira ou aquele móvel não estava ali minutos atrás ou que aquela mesa não cabe mais naquela sala e que deve sair dali o mais rápido possível, devemos aceitar com alegria termos nossos nomes trocados pelos nomes de outros irmãos...

Fecho os olhos, sigo o redemoinho das mais variadas sensações e começo a mergulhar no mar revolto das emoções… uma correnteza de sentimentos contraditórios me empurra para baixo, para cima, para os lados… pensamentos, imagens, lembranças, são como gigantescos icebergs, onde meus medos se chocam ou meus desejos ansiosos querem aportar… escuridão e luz – asfixia e ar – silêncio e intensos sons confusos – vazio…” (sentimentos de um cuidador).

Quem convive ou já conviveu com alguém portador de Alzheimer, com certeza concordará com este “redemoinho das mais variadas sensações...”. Facilmente entenderá que muitas vezes sentimos navegando à deriva num oceano desconhecido e misterioso. Só uma observação minuciosa, dedicada e intuitiva, pode nos servir de bússola cujo ponteiro se devidamente norteado pelo campo magnético do nosso grau de sensibilidade, apontará indícios de uma rota a ser seguida.

Sabemos que Alzheimer possui tratamento, um paliativo que permite melhorar a saúde do paciente, retarda o declínio cognitivo, trata os sintomas, controla alterações de comportamento. Com isto, proporciona algum conforto e melhora as condições de vida do idoso acometido pela doença.

Mas, e para as dores da alma? Qual a medicação recomendada? Acredito que o companheirismo aliado aos recursos da terapia do amor é um grande aliado ao tratamento das dores da alma. Os ingredientes indispensáveis: carinho e amor , dedicação e paciência, bom humor, respeito, tolerância e prudência , todos em dosagens máximas, com uso contínuo e permanente. 

Como cuidadora de minha amada mãe, procuro a cada dia aplicar os recursos da terapia do amor.

Como o amor se reveste de muitas facetas ou subtítulos, acaba deixando dúvidas em quem está cuidando. O amor que muitos dizem não conhecer, já o praticam nas mais variadas formas, porque amar, não é apenas dizer “Eu te amo” de forma automatizada, sem sentimento e de maneira irrefletida. É transparecer na expressão de uma emoção ou de um ato como um olhar, um abraço, um beijo, um aperto de mão, que representa muito mais que mil palavras. Logo, o amor é ação, é  atitude, é a alegria de viver, não só para o cuidador, mas para o doente também

E, ao estarmos cuidando, amparando, sendo os ”interpretadores” das suas necessidades, estamos praticando, sem esforço, o amor verdadeiro e, melhor, sem nos darmos conta que estamos nos deixando amar pelo nosso próximo e por Deus.

Muitas vezes, ela nem se dá conta do quanto é sublime e solidário as pequenas ações do dia a dia, um bom dia, um olhar que enxerga aquele que está na sua frente, uma escuta sensível, que é capaz de ouvir o que está por traz de um lamento. São vivências de luz, se em cada um de nós existe uma partícula divina, talvez por isso tenhamos que valorizar tanto as nossas relações, principalmente as cuidativas. Não basta cuidar pensando o outro, enquanto corpos enfermos. 

Precisamos cuidar pensando o outro, enquanto uma alma enferma. Somos, sim, um feixe de luz. Cuidar é iluminar a escuridão do outro. O verdadeiro Amor que você agregar às suas tarefas do seu dia a dia, realmente será a única saída para você suportar o que eu tenho enfrentado.

A cada sorriso que eu tiro dos lábios da minha amada mãe; a cada feridinha que eu ajudo a curar no corpo dela; a cada resultado positivo dos exames de rotina que recebo; a cada noite que a vejo cheirosinha, a dormir mais uma noite de sono tranquilo, o meu Ser se enche de Paz, por mais um dia de dever cumprido em minha vida.

Enfim, a cada dia que a minha amada mãe vive ao meu lado é um grande “troféu” que recebo por estar conseguindo combater esse Mal com todo o Bem.

Apesar dos conflitos familiares cada vez mais dolorosos, o grande amor que tenho pela minha amada mãe, me leva a transpor todas as barreiras, e uma certeza maior, sinto a presença do grande mestre Jesus em minha vida. A ele, somente a ele a minha gratidão!.

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