terça-feira, 8 de abril de 2014

FAXINA MENTAL





Apesar de serem interligados, os circuitos da memória são independentes. Isso explica o caso de pessoas que sofrem determinadas lesões cerebrais e por conseqüência não são mais capazes de formar nenhuma memória nova, apesar de poderem evocar perfeitamente lembranças antigas. "Se você mostrar uma lista de palavras a uma pessoa com uma lesão no giro angular, ela pode não lembrar de nenhuma delas logo em seguida. No entanto, se você perguntar 10 ou 20 minutos depois, ela talvez se recorde de algumas", ilustra o neurofisiologista Gilberto Xavier, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. As memórias são formadas por sinapses, ou conexões entre os neurônios (ver abaixo). Quando as sinapses não são utilizadas, atrofiam-se, e as lembranças ligadas a elas podem enfraquecer e até desaparecer completamente. Isso acontece quando você não vê alguma pessoa há muito tempo e a imagem dela vai se "apagando" do seu cérebro até que chega a ser quase impossível recordar as feições de seu rosto.

É como um músculo que não é exercitado e fica fraco. Seja por falta de uso ou por degeneração causada por doenças como o Alzheimer, é assim que ocorre o esquecimento real. Os outros mecanismos de falhas na evocação de memórias caracterizam-se mais precisamente como omissão de lembranças. Desses, um dos mais estudados é a repressão, processo descrito originalmente por Freud. "A repressão é uma idéia freudiana de que existe uma força ativa no cérebro que tenta impedir que material desagradável venha à consciência. Não há evidência científica disso, o que existe é evidência de supressão", acredita James McGaugh. Porém, outros cientistas acreditam que repressão e supressão sejam nomes diferentes para o mesmo fenômeno.

O esquecimento no cérebro
As memórias são formadas por sinapses (conexões entre os neurônios). Esse mecanismo consiste na justaposição entre os prolongamentos neuronais chamados axônios e dendritos. A ilustração mostra o terminal de um neurônio (A) em contato com outro neurônio (B). Entre os dois há a fenda sináptica, onde o primeiro neurônio deposita os neurotransmissores que serão reconhecidos pelos receptores do segundo.

1. Córtex entorrinal (laranja): também afetado pelo Alzheimer, como o hipocampo (azul), é fundamental para a evocação de memórias já consolidadas
2. Córtex pré-frontal: tem papel fundamental na repressão
3. Amígdala: importante no funcionamento da memória de trabalho
4. Hipocampo: peça-chave em todos os processos da memória, é afetado pelo Alzheimer e é fortemente ligado ao processo de extinção, mecanismo que também é processado pela amígdala e córtex pré-frontal

Fonte: Iván Izquierdo

Esquecer é viver
Michael Anderson, da Universidade de Oregon, é um dos maiores especialistas nesse campo. Duas pesquisas suas, uma publicada em 2001 e a outra em 2004, demonstraram que o mecanismo de repressão descrito por Freud é real. Anderson fez testes com voluntários nos quais os fazia associar pares de palavras aleatórias e depois os estimulava a lembrar apenas da primeira palavra de cada par e a esquecer a segunda. O resultado foi que os indivíduos tiveram dificuldade em recordar as palavras reprimidas, mesmo quando lhes ofereciam dinheiro por isso. "Eu não diria que eu apaguei as memórias, mas os voluntários as inibiram, tornando-as mais difíceis de serem lembradas quando desejado", explicou Anderson a Galileu. Assim como tudo o que acontece no organismo, o mecanismo de repressão tem suas funções, como suprimir lembranças dolorosas e até garantir a sobrevivência da espécie humana. "Sem a repressão nenhuma mulher teria mais de um filho, porque estaria relembrando continuamente a dor do parto", esclarece o neurocientista Iván Izquierdo, do Centro da Memória do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Deu branco!
Conheça melhor os mecanismos de esquecimento e falhas na retenção e evocação das memórias
Esquecimento real (amnésia)
Ocorre quando as sinapses neuronais atrofiam e morrem por falta de uso, por morte celular decorrente do envelhecimento (amnésia senil benigna), intoxicação por drogas, traumatismo, enfarte cerebral e doenças degenerativas como o Alzheimer. A situação na qual alguém sofre um trauma ou acidente e esquece tudo (inclusive o próprio nome), retratada em filmes com freqüência, é rara. Porém, pode ser o caso do "Homem do Piano", um jovem entre 20 e 30 anos encontrado em uma praia da Inglaterra em abril. Ele não pronuncia nenhuma palavra, mas passa horas tocando piano com grande habilidade.

Bloqueio de aquisição
Quando a memória não chega a se consolidar acontece o bloqueio de aquisição. Pode acontecer por intoxicação: uma pessoa altamente alcoolizada, por exemplo, provavelmente não vai conseguir aprender informações novas. É muito comum isso acontecer por traumatismo, típico no caso de acidente de automóvel. O indivíduo bate o carro, desmaia, acorda e não tem a menor idéia nem de que estava dirigindo. Seu cérebro destruiu aquela informação, quando estava no processo de arquivamento ocorreu o traumatismo que o impediu de gravar.

Repressão
Também pode ser voluntária ou involuntária. Acontece quando nosso cérebro "decide" ou nós mesmos resolvemos acabar com uma memória que nos perturba muito, como um trauma. Também chamada de supressão, reprime a lembrança de fatos desagradáveis, como conseqüência da negação ou da inibição de uma memória prejudicial, negativa ou má, principalmente as de dor ou de humilhações. Às vezes fazemos força para não lembrar, mas o sistema é mais 
eficiente quando inconsciente.

Bloqueio de evocação
É o famoso "branco", quando queremos lembrar de algo e não podemos porque estamos muito nervosos ou distraídos. "Em um momento de alto estresse e ansiedade, seu cérebro acha muito mais importante que você se defenda do que esteja causando isso em detrimento de que você passe no vestibular, por exemplo", explica Izquierdo. Outros fatores que embaralham a memória são disfunções hormonais, distúrbio de ansiedade, depressão, tumores, uso de drogas e deficiência de vitamina B12. Estudo recente da Universidade de Michigan mostrou que fumar cigarro diminui o fluxo sanguíneo em áreas envolvidas na formação de memórias.

Extinção
Acontece quando há uma desassociação de estímulos. Na ocasião dos ataques terroristas ao World Trade Center em 2001, provavelmente a maioria das pessoas associou a imagem das torres gêmeas em chamas com perigo e morte, mas com o tempo, depois que o impacto já passou e que assistimos à imagem repetidas vezes, passamos a associar esse evento com outros estímulos, "apagando" o primeiro. Outro exemplo é quando uma pessoa que conhecemos se casa e muda de nome. A princípio associaremos aquele indivíduo com seu nome de solteiro, mas aos poucos a lembrança do novo nome se tornará mais forte e acabará substituindo a outra.
http://revistagalileu.globo.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário