quarta-feira, 16 de abril de 2014

ANTES QUE ME ESQUEÇA


Antes que me esqueça, quando vires o brilho das minhas lágrimas, não fiques inquieta – são pura emoção. Não deixes que os ventos da solidão as sequem no meu rosto. Beija-as com ternura, e olha-me como se fosse a primeira vez.

Antes que me esqueça, quando te sentares à mesa do jardim onde tantas vezes conversamos sobre o que julgamos ser a nossa vida, completa os poemas que nunca acabei – faltou-me sempre o complemento. Agora, falta-me o predicado. E o sujeito.

Antes que me esqueça, quando a cabeça te cair sobre a lareira, num misto de dormência afetiva e cansaço, lembra-te das noites em que dançamos a Sad Waltz e me pedias: “só mais uma vez”.

Antes que me esqueça, não deixes prolongar os silêncios, para nem tu nem eu ficarmos com dúvidas que poderão transformar-se em mágoas ou angústia. Acredita, não merecemos esses silêncios – não temos certezas a dividir-nos.

Antes que me esqueça, ajuda-me a afastar o cálice da tristeza. Quando descemos o rio ,iniciamos um poema ainda não concluído. A noite pertenceu-nos, desvendamos mistérios que não o eram, e acendemos uma vela para iluminar o firmamento. Desenhaste um poema com as estrelas, e vi os teus olhos cruzarem o céu. Guardo esse relance para quando voltarmos ao rio, e eternizarmos no mar toda a luz que nos iluminou.

Antes que me esqueça, quando fores velhinha, e os ventos da saudade assolarem as nossas memórias, lê, baixinho, a “Ode to the West Wind”, de Shelley, como se me tivesses ao lado: Make me thy lyre, even as the forest is: What if my leaves are falling like its own! The tumult of thy mighty harmonies Will take from both a deep, autumnal tone, Sweet though in sadness. Be thou, Spirit fierce, My spirit! Be thou me, impetuous one! Drive my dead thoughts over the universe Like withered leaves to quicken a new birth! And, by the incantation of this verse, Scatter, as from an unextinguished hearth Ashes and sparks, my words among mankind! Be through my lips to unawakened Earth The trumpet of a prophecy! O Wind, If Winter comes, can Spring be far behind?. (*). Depois, adormece, docemente – a manta de caxemira por baixo, as estrelas por cima.

Antes que me esqueça, afastemos de nós a tristeza. Deixa-me ouvir “Blowin’ in the wind” e a minha sonata preferida, de Nicolo Paganini, para violino e guitarra. Tu sabes qual é. No fim, voltamos a dançar a Sad Waltz, na varanda, com vista para o vale. Veste o vestido da primeira vez. Ficavas tão linda. Sabes, continuo a amar-te, como no tempo em que te amava.

Antes que me esqueça, meus amores, não é um adeus. É só um aceno de saudade de um coração à espera da Primavera.

Antes que me esqueça do passado, bendigo todas as luzes que me alumiaram o caminho que me trouxe até aqui, especialmente tu, que continuas a ser a luz que nunca se apagará no lugar onde guardo o que nunca pertenceu a mais ninguém. Estiveste no princípio, estarás para além de mim. Para além da Eternidade.

Antes que me esqueça, e apesar de a vida, por vezes, ser traiçoeira, lembra, até chegarem as horas tardias, todos os sorrisos que trocamos, todos os olhares que registaram a luz de cada momento, porque o nosso amor foi e será sempre o único porto de abrigo seguro das horas negras que a vida nos ofereceu.

Antes que me esqueça, pronuncio a palavra “amor” como uma espécie de santo-e-senha para descodificar tudo o que interiorizamos e alertar os distraídos ou desconfiados que o nosso segredo nunca teve outro sentido ou outro destinatário.

 Antes que me esqueça, lembra-te sempre que te guardo desde quando comecei a sonhar. Não tinha o tempo a perseguir-me. A saudade era um pensamento futuro, agora um sentimento enevoado atravessado pela luz ténue das memórias.

Antes que me esqueça, projeta sobre mim um raio de luz, para que as sombras da minha vaga existência não me impeçam de ver-te sem medo de perder-te.
(Arnaldo A. da Fonte)

(*) Faça-me tua lira, assim como a floresta é: E se as minhas folhas estão caindo, como o seu próprio! O tumulto das tuas poderosas harmonias Terá tanto um tom profundo, outonal, Doce embora em tristeza. Sê tu, Espírito feroz, O meu espírito! Ser-me tu, um impetuoso! Dirija meus pensamentos mortos sobre o universo Como secou as folhas para acelerar um novo nascimento! E, pelo encantamento deste versículo, Espalhe, a partir de uma lareira unextinguished Cinzas e faíscas, as minhas palavras entre a humanidade! Seja através dos meus lábios para não desperta Terra A trombeta de uma profecia! O vento, Se trata de Inverno, Primavera pode ser muito para trás? 

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