sexta-feira, 4 de abril de 2014

DOSES PEQUENAS DE VELHICE

 
 
Alzheimer, uma luta eterna de lembranças
Já não sei onde fica minha casa. Não me contaram em que século estou desde que esqueci como comer. Não me dizem que estou bonita, as crianças riem de mim. Já não sei mais como cheguei aqui, a estranha no espelho que me saúda não é mais aquela que eu via ontem. 
Não sei onde meu marido foi, só me lembro dele correndo para fora de casa numa tarde chuvosa e não ter mais voltado. Aquelas lembranças antigas voltando à tona, tenho um vislumbre rápido de quando era criança e dava meus joelhos a serem beijados por minha mãe, não sei porque, mas quando me olho no espelho não vejo mais a criança de cabelos compridos que eu era. 
Não sinto mais vontade de fumar, também porque não me compram mais cigarros. Acho que preferem deixar-me jazida nesta cama feito um órgão morto do corpo que é extraído em cirurgia. 
Se morrer dormindo, sorte daqueles que me cuidam. Meu neto ontem perguntou qual era a raiz quadrada de quatro, eu, tão boa em matemática, não soube o que responder. Disse algo sobre cavalos. “Raiz de quatro não são cavalos, vó”, reclamou ele pisando forte. Mas a culpa não é minha. Só não me lembro quem eu sou, ou o que estou fazendo, ou quais eram meus planos. Me esqueceram, e nem eu faço questão de me lembrar.
Jovens, vocês tem sorte.
Não estraguem a juventude de vocês… E… Sobre o que estava falando mesmo? Ah sim. Cavalos. Aqueles que galopam e levam em frente, aqueles que não vêem quem está ao seu lado por conta dos cabrestos, aqueles que não lembram nem o que comeram no jantar. Virei um cavalo; de carne dura, imprópria pra consumo. Um peso, uma carga. E quem sou eu? Já não sei nem mais como me chamo., (Tamires Carvalho)  http://extratrex.tumblr.com/

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