DOSES PEQUENAS DE VELHICE
Alzheimer, uma luta
eterna de lembranças
Já não sei onde fica minha casa.
Não me contaram em que século estou desde que esqueci como comer.
Não me dizem que estou bonita, as crianças riem de mim. Já não
sei mais como cheguei aqui, a estranha no espelho que me saúda não
é mais aquela que eu via ontem.
Não sei onde meu marido foi, só me
lembro dele correndo para fora de casa numa tarde chuvosa e não ter
mais voltado. Aquelas lembranças antigas voltando à tona,
tenho um vislumbre rápido de quando era criança e dava meus joelhos
a serem beijados por minha mãe, não sei porque, mas quando me olho
no espelho não vejo mais a criança de cabelos compridos que eu era.
Não sinto mais vontade de fumar, também porque não me compram
mais cigarros. Acho que preferem deixar-me jazida nesta cama
feito um órgão morto do corpo que é extraído em cirurgia.
Se
morrer dormindo, sorte daqueles que me cuidam. Meu
neto ontem perguntou qual era a raiz quadrada de quatro,
eu, tão boa em matemática, não soube o que responder. Disse algo
sobre cavalos. “Raiz de quatro não são cavalos, vó”,
reclamou ele pisando forte. Mas a culpa não é minha. Só não me
lembro quem eu sou, ou o que estou fazendo, ou quais eram
meus planos. Me esqueceram, e nem eu faço questão de
me lembrar.
Jovens, vocês tem sorte.
Não estraguem a juventude de vocês…
E… Sobre o que estava falando mesmo? Ah sim.
Cavalos. Aqueles que galopam e levam em frente, aqueles que
não vêem quem está ao seu lado por conta dos cabrestos, aqueles
que não lembram nem o que comeram no jantar. Virei um cavalo; de
carne dura, imprópria pra consumo. Um peso, uma carga. E quem sou
eu? Já não sei nem mais como me chamo., (Tamires Carvalho) http://extratrex.tumblr.com/
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