De todos os meus medos, o
maior é o esquecimento. Temo olhar para alguém que amo e não me lembrar
do seu nome, pegar uma fotografia e não me recordar do estava vivendo
naquele instante, ler uma dedicatória em um livro e não entender suas
entrelinhas. Temo o destino que alguns de meus familiares estão
trilhando. É o mesmo destino trilhado por muitos idosos de um tempo em
que a Medicina já consegue multiplicar o número de centenários, mas
ainda não é capaz de lhes oferecer tratamentos para curar as doenças
ocasionadas pela idade, como o Mal de Alzheimer, a doença do
esquecimento. Também é a doença que, ao que parece, está no código
genético de minha família, apagando nosso passado e sendo legada de
geração em geração.
Frequentemente, pego-me diante do
espelho, olhando meu rosto e temendo um dia não entender o significado
de cada expressão que carrego. É como se eu me colocasse na iminência de
perder tudo aquilo que passo os dias tentando descobrir: quem sou eu.
Em vão. O Mal do esquecimento parece não ser “evitável”. Embora sua
causa ainda não tenha sido totalmente explicada, fortes são as
evidências genéticas. Não há explicações definitivas sobre a doença,
tampouco remédio para curá-la. Há medicamentos que retardam a perda de
memória. Diminuem a velocidade com que cada história, cada pessoa, cada
lugar será tirado do paciente.
Enquanto isso, cerca de 900 mil
pessoas, apenas no Brasil, já foram identificadas com Alzheimer pelo
Ministério da Saúde. Nesses, minha familiar, que passa os dias olhando
para o nada, sem se lembrar de qualquer coisa. Para ela, é como se nada
existisse, se nada tivesse existido, se não houvesse futuro. Lembro-me
de que, certo dia, olhando pessoas a rodeando e ela não respondendo a
nada conscientemente, concluí que a vida não é só o momento que se vive,
é também a lembrança que carregamos dele. A vida é o tremor do primeiro
beijo e o arrepio de sua recordação; é enfrentar uma rua de terra pela
primeira vez em uma bicicleta sem rodinhas e ter a habilidade para não
cair mais depois dali; é a dor de perder alguém que amamos e a saudade
que levaremos dela. É um agora, somado ao que carregamos dele. Um
acumulado de histórias e de suas emoções. É ação e representação.
Perder a memória é ir se
desfazendo da própria história. Do arrepio do primeiro beijo, da
habilidade de andar de bicicleta sem rodinhas, da dor de se despedir de
alguém. É ir deixando de ser sensível ao mundo, ao passado, a si mesmo. É
abdicar de qualquer recordação do que está pela frente. É ir se
apagando de si mesmo, diante de todos.
É, inconscientemente, ir
desconstruindo todo o mundo ao seu redor até chegar a um momento em que
não há fronteiras entre o passado, o presente e o futuro, entre a
realidade e o sonho, entre o mundo e a alucinação.
No fim, despido de qualquer
recordação, tudo é uma lousa em branco, um mundo sem sentido, diante do
qual, sem razão, emite-se um grito ou uma risada ou se mantém em
silêncio. E a pessoa ao lado diz, sem se importar: é loucura.
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