terça-feira, 20 de maio de 2014

A NOVA MEMÓRIA DA VELHICE

Envelhecer acarreta a perda neurológica da memória. Mas a psicanálise pode indicar caminhos por onde a bagagem vai além do depósito de referências literais ao passado e se torna um campo de criatividade , abrindo-se para novos significados e possibilidades

Desde que Darwin propôs a teoria evolucionista, a viagem da neurociência pelo Homo Sapiens trata de fenômenos fundamentais da vida, como a cognição, a percepção e a memória, que ganham sentido a partir da teoria evolucionista. Hoje é possível afirmar que a memória não possui um único locus. Diferentes estruturas cerebrais estão envolvidas na aquisição, armazenamento e evocação das diversas informações adquiridas por aprendizagem.  

Atualmente temos uma porção significativa da população acima dos 50 anos que sofre de alguma forma de alteração da memória. A forma mais comum de demência é a doença de Alzheimer, na qual predomina a perda gradativa da memória, onde  ocorrem lesões inicialmente nas áreas cerebrais responsáveis pela memória declarativa, seguidas de outras partes do cérebro.

Por que você se lembra do primeiro beijo e não se recorda do que comeu ontem? Como processamos informações, aprendemos, recebemos novos estímulos, raciocinamos e nos tornamos conscientes de nossa condição? Um dos maiores quebra-cabeças na neurociência é a maneira pela qual o nosso cérebro armazena informação. Nenhuma relação de correspondência direta foi detectada entre uma determinada célula cerebral ou grupo de células e um pensamento particular ligado à memória. 

Atualmente, a grande pergunta médica sobre o tema é: podemos prevenir a perda da memória? A ciência busca essa resposta por tratamentos de diversas formas, como novas medicações que retardam em muito o aparecimento e evolução do Mal de Alzheimer.

Porém, para a psicanálise, o termo memória tem uma conceitualização diferente do que para a medicina e o senso comum. A memória está relacionada ao inconsciente, ao recalque, aos afetos, às experiências vividas e à linguagem. Na evocação das lembranças, no falar das marcas do passado, o desejo possibilita um rearranjo da memória e uma mudança da pessoa em relação à sua história.

Com os impasses trazidos pelo aumento da longevidade, é pertinente a pergunta, trabalhada por Jorge Forbes no Café Filosófico da CPFL Cultura: “E agora, meu velho? – O trabalho acabou, os filhos se foram, as dores chegaram, arre! Se continuarmos impotentes a enxergar a velhice como o fim dos projetos, o vazio do presente e a saudade do passado, seremos cúmplices da epidemia de depressão que se instala.

Um novo velho está nascendo, não tanto o da experiência, como se dizia, mas o da criatividade: passado o tempo do embate pela vida, chega o momento de viajar na bagagem selecionada e de visualizar novos campos de pouso, longe dos asilos do mundo anterior. A psicanálise pode nos dar pistas.”

Diferente do aspecto biológico da memória, onde os neurocientistas pesquisam  com exames de imagens e laboratoriais as alterações na arquitetura celular cerebral  e alterações bioquímicas do encéfalo,  a psicanálise pesquisa  uma outra memória: a memória  do desejo, a memória na sua estrutura de linguagem presente no inconsciente. No tratamento pela palavra a possibilidade dela tocar o corpo e vivificá-lo. 

O enfoque não é do que se esqueceu ou do que se deve lembrar, mas do que se pode inventar para se ter histórias para viver e contar. (Italo Venturelli)
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