Envelhecer acarreta a perda neurológica da memória. Mas a psicanálise pode indicar caminhos por onde a bagagem vai além do depósito de referências literais ao passado e se torna um campo de criatividade , abrindo-se para novos significados e possibilidades
Desde que Darwin
propôs a teoria evolucionista, a viagem da neurociência pelo Homo
Sapiens trata de fenômenos fundamentais da vida, como a cognição,
a percepção e a memória, que ganham sentido a partir da teoria
evolucionista. Hoje é possível afirmar que a memória não possui
um único locus. Diferentes estruturas cerebrais estão envolvidas na
aquisição, armazenamento e evocação das diversas informações
adquiridas por aprendizagem.
Atualmente
temos uma porção significativa da população acima dos 50 anos que
sofre de alguma forma de alteração da memória. A forma mais comum
de demência é a doença de Alzheimer, na qual predomina a perda
gradativa da memória, onde ocorrem lesões inicialmente nas
áreas cerebrais responsáveis pela memória declarativa, seguidas de
outras partes do cérebro.
Por que
você se lembra do primeiro beijo e não se recorda do que comeu
ontem? Como processamos informações, aprendemos, recebemos novos
estímulos, raciocinamos e nos tornamos conscientes de nossa
condição? Um dos maiores quebra-cabeças na neurociência é a
maneira pela qual o nosso cérebro armazena informação. Nenhuma
relação de correspondência direta foi detectada entre uma
determinada célula cerebral ou grupo de células e um pensamento
particular ligado à memória.
Atualmente,
a grande pergunta médica sobre o tema é: podemos prevenir a perda
da memória? A ciência busca essa resposta por tratamentos de
diversas formas, como novas medicações que retardam em muito o
aparecimento e evolução do Mal de Alzheimer.
Porém,
para a psicanálise, o termo memória tem uma conceitualização
diferente do que para a medicina e o senso comum. A memória está
relacionada ao inconsciente, ao recalque, aos afetos, às
experiências vividas e à linguagem. Na evocação das lembranças,
no falar das marcas do passado, o desejo possibilita um rearranjo da
memória e uma mudança da pessoa em relação à sua história.
Com os
impasses trazidos pelo aumento da longevidade, é pertinente a
pergunta, trabalhada por Jorge Forbes no Café Filosófico da CPFL
Cultura: “E agora, meu velho? – O trabalho acabou, os filhos se
foram, as dores chegaram, arre! Se continuarmos impotentes a enxergar
a velhice como o fim dos projetos, o vazio do presente e a saudade do
passado, seremos cúmplices da epidemia de depressão que se instala.
Um novo velho está nascendo, não tanto o da experiência, como se
dizia, mas o da criatividade: passado o tempo do embate pela vida,
chega o momento de viajar na bagagem selecionada e de visualizar
novos campos de pouso, longe dos asilos do mundo anterior. A
psicanálise pode nos dar pistas.”
Diferente
do aspecto biológico da memória, onde os neurocientistas pesquisam
com exames de imagens e laboratoriais as alterações na arquitetura
celular cerebral e alterações bioquímicas do encéfalo,
a psicanálise pesquisa uma outra memória: a memória do
desejo, a memória na sua estrutura de linguagem presente no
inconsciente. No tratamento pela palavra a possibilidade dela tocar o
corpo e vivificá-lo.
O enfoque não é do que se esqueceu ou do que
se deve lembrar, mas do que se pode inventar para se ter histórias
para viver e contar. (Italo Venturelli)
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