Cientistas identificam substância-chave para o desenvolvimento da doença. Em animais, conseguem impedir sua ação e restaurar a memória das cobaias
Cilene Pereira
Pesquisadores da Universidade de Yale,
nos Estados Unidos, anunciaram a realização de mais um passo importante
no combate à doença de Alzheimer, caracterizada pela perda progressiva
da memória e de outras funções cerebrais. Em experiência executada em
animais, os cientistas conseguiram restaurar o funcionamento do sistema
de armazenamento das lembranças após o uso de uma medicação parecida com
outra já em desenvolvimento. O remédio impede a atuação de uma proteína
que os estudiosos acreditam ser peça-chave para o desencadeamento da
enfermidade. O artigo descrevendo a façanha foi publicado na última
edição da revista científica “Neuron”, uma das mais respeitadas da área
da neurologia.
A proteína identificada pelos pesquisadores chama-se mGluR5. Ao que
tudo indica, ela tem papel importante em um dos mecanismos que estão
associados à morte gradual de neurônios – fenômeno característico da
enfermidade e que explica o aparecimento de seus sintomas. A ciência já
havia constatado que um dos fatores envolvidos nesse processo é o
acúmulo sobre as células nervosas de uma proteína conhecida como
amiloide. Tempos atrás, o mesmo grupo de Yale responsável pelo
experimento agora divulgado descobriu que, ao se depositar sobre os
neurônios, a amiloide junta-se a outro grupo de proteínas (prion),
tornando-se, dessa maneira, tóxica – os neurônios acabam perdendo a
capacidade de se comunicar uns com os outros e morrem.
O que na ocasião não havia ficado esclarecido era de que maneira essa
combinação, ocorrida do lado de fora do neurônio, infligia mudanças no
lado de dentro das células nervosas, e fortes o suficiente para levá-las
à morte. O estudo publicado na semana passada demonstra que a proteína
mGluR5 é esse link. Ou seja, ela é a responsável por fazer com que a
combinação amiloide-prion efetivamente destrua os neurônios.
AVANÇO
Strittmatter (de marrom) e sua equipe já haviam elucidado parte
do processo da enfermidade que leva à morte dos neurônios
Os cientistas foram além da constatação do papel da substância. Em
animais, eles verificaram que a administração de um remédio semelhante a
outro que está sendo criado contra a síndrome do X-Frágil (doença
genética que compromete o desenvolvimento intelectual) bloqueia a ação
da mGluR5. O resultado é que as cobaias tiveram restaurado o sistema de
registro e armazenamento de informações. Também foi aumentado o número
de sinapses (ligações entre os neurônios, por meio das quais são
transmitidas as informações). “O que é muito excitante nesta pesquisa é
que, de todos os links dessa cadeia molecular, esta é a proteína que
mais facilmente pode ser acessada por remédios”, disse Stephen
Strittmatter, líder do estudo. “Isso nos dá uma forte esperança de que
poderemos achar um medicamento que irá funcionar para reduzir os
prejuízos do Alzheimer.”
O próprio cientista, no entanto, adota tom de cautela quando se pensa
em cura da enfermidade por meio dessa estratégia. “Ainda há muito mais
trabalho a ser feito para explorarmos essa possibilidade”, disse à
ISTOÉ. “Conseguimos recuperar a memória e as sinapses em animais. Mas
não sabemos se isso ocorrerá em humanos”, ponderou. Além disso, o
pesquisador esclareceu que a estratégia poderá ser útil para impedir os
efeitos nocivos causados pelo acúmulo de placas de amiloide sobre os
neurônios, mas não reduzirá o tamanho das placas. De qualquer maneira, é
inegável que a informação trazida à luz pela pesquisa do grupo de Yale
adiciona mais um dado fundamental para o melhor entendimento de como se
desencadeia e se desenvolve a doença.“O estudo nos ajuda a entender mais
sobre esses processos”, afirmou Jess Smith, representante da Sociedade
Britânica de Alzheimer.
Na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, cientistas apresentaram,
também na última semana, outra informação a respeito da enfermidade. De
acordo com trabalho coordenado por Molly Fox, existe uma associação
entre o alto nível de higiene e o aparecimento da doença. Eles chegaram à
conclusão após analisarem os índices de saúde de 192 países. Os
pesquisadores verificaram que quanto menor o risco de doenças
infecciosas (relacionado, por exemplo, à cobertura de saneamento
básico), maior o número de pacientes com Alzheimer.
Segundo o levantamento, habitantes de nações desenvolvidas, como a
Inglaterra, apresentam 10% mais chances de serem vítimas da enfermidade
do que os moradores de países pobres, onde as condições de higiene são
precárias. Na opinião dos estudiosos, o que explicaria a relação seria o
fato de que a falta de exposição a agentes infecciosos promove um
desequilíbrio no sistema imunológico. O problema desencadeia um processo
inflamatório, igual ao encontrado em portadores da doença.
http://www.istoe.com.br/
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