Estudos
apontam que geralmente a função de cuidador é assumida
por uma única pessoa a quem cabe a tarefa de cuidar do idoso e, na
maioria dos casos, esse papel cabe a uma mulher que é cônjuge ou
filha. Isto reflete o padrão cultural de que prestar cuidados é uma
função feminina. Outro fator importante é que o familiar cuidador
pode chegar a dispender oito vezes mais horas por mês de dedicação
aos cuidados, ou o equivalente há 60 horas semanais, quando
comparado a um cuidador profissional.
Por
sua vez, a sobrecarga faz com que os cuidadores desempenhem funções
além de suas capacidades, resultando em uma forma de cuidado
desequilibrada, sendo freqüentemente acompanhada de resultados
insatisfatórios para o atendimento das necessidades do seu familiar. Outro aspecto importante no
processo de cuidar é que a qualidade de vida do paciente está
relacionada ao bem-estar do cuidador.
O processo de cuidar
Dentre
alguns motivos que levam a pessoa a se assumir como cuidador está a
sua história de vida ou mesmo a composição familiar. Para ilustrar esta assertiva, destacam-se as seguintes
falas:
“Minhas
irmãs têm um conceito sobre mim, que eu acho que é errado, é...
(diz o próprio nome) tem mais tempo de ficar com minha mãe, por
que (diz o próprio nome) não tem marido, entendeu? “
“O
processo se deu assim neste sentido, porque todo mundo se casou, foi
fazer sua vida. Então no caso, eu também era bem mais novo, quando
aconteceu isso. “
Pelos
relatos acima, pode-se constatar que esse lugar de cuidador não foi
uma escolha dessas pessoas, mas muitas vezes foi dado por outros
membros da família ou por condições familiares que antecederam a
própria doença. Segundo alguns autores, existem fatores que
influenciam essa decisão como: ser mulher (esposa, filha ou nora),
ser o cônjuge, mais raramente outros membros da família.
Com
relação a esse tema, observa-se que essa
“escolha”
geralmente não se faz sem conflito,
pois com
freqüência somente um dos familiares é eleito como o “dono
do doente”, e, muitas vezes, não conta com a ajuda de outros
membros da família . O relato a
seguir sinaliza essa condição:
"Porque
é o seguinte, como ela tomou conta de todo mundo, aí você para e
analisa: Poxa, por que só eu
que tenho obrigação? Todo mundo não tem obrigação? Ela não
tomou conta dos outros? Por que é que os outros não quer? Aí
ficava um pouco de revolta!”
"E
eu gosto de cuidar, sabe? Eu sou um pouco mãe mesmo, eu sempre
gostei de cuidar, sabe, de todo mundo
de casa.”
“Olhe,
o cuidado que eu tenho é porque eu tenho consciência que a
gente... Quem não vive para servir,
não serve para viver. Você serve até um estranho, entendeu?
Quanto mais a uma mãe, quer seja
boa ou não, você tem obrigação. O cuidado é mais obrigação, a
gente tem que dizer a verdade, é obrigação...
Não é assim por amor.”
Sentimentos
que permeiam o adoecer
O
familiar cuidador pode experimentar diversos sentimentos diante das
perdas que envolvem o adoecer, mas diante da DA também vive as
inquietudes pelo fato do paciente não poder dar um feedback
adequado. Entre outras consequências da
doença, a perda da memória faz com que ela seja devastadora para a
família.
"É
muito triste, eu acho, né? Você está convivendo com uma pessoa, é
filho daquela pessoa, está convivendo com ela e chegar ao ponto
dela não conhecer você e perguntar: Quem é você? Aí você vai
responder o quê? Sou seu filho? Ela pode se lembrar no momento, mas
depois ela esquece. Aí fica
aquela coisa triste, uma angústia de ver que sua mãe esqueceu
você."
Os
familiares de pacientes com doenças degenerativas freqüentemente
utilizam a expressão “morte
em vida”, uma vez que elas
comprometem tanto psíquica como
funcionalmente o indivíduo. Dessa maneira, as famílias, ao
enfrentarem o processo de demência, experimentam muito desconforto
uma vez que a dor que os familiares vivenciam é por se tratar da
“morte antes da própria morte”. Sentimentos de perda, como se o doente morresse um
pouco a cada dia, vivendo assim um luto antecipado.
“Vem
um sentimento de perda, pra mim é de perda. Porque aí eu tenho
certeza de que eu tô perdendo a minha
mãe, entendeu? É como se eu visse que ela está morrendo, sabe,
aos pouquinhos. “
“Ontem
mesmo eu tava na televisão, aí eu fiquei pensando, eu digo cá
comigo, né? Jesus já está me dando
esse negócio dele ir embora de mim assim vivo mesmo. “
Presente algumas vezes do sentimento de
impaciência decorrente do
estresse e da dificuldade para lidar com alguém que tem as suas
funções cognitivas afetadas. O perigo é que daí pode decorrer a
violência contra o doente.
“E
tem hora que eu perco até a paciência, sabe? Aí na mesma hora eu
digo: se eu perder a paciência com ela,
ela não tem culpa. Por que às vezes o que ela faz, que ela tenta
me agredir, parece que eu quero revidar, sabe? Aí eu disse não,
porque não é minha mãe que tá fazendo, é a doença."
“Eu,
eu... fiquei grosseira. Tinha hora que eu perdia a paciência,
sabe? Aí eu sei que eu fiquei assim muito nervosa.
(...) Eu fiquei sem paciência com ele, das teimosias,
tá entendendo? (...) Aí eu disse: Dr. eu tô
sendo agressiva com (diz o nome do marido). E quando
é de noite eu tô chorando e pedindo perdão a
Deus. (... ) Porque tinha hora que eu extrapolava mesmo,
quando era de noite é como eu estava lhe dizendo,
eu ia rezar e pedir perdão. (Risos) Mas Deus
disse a mim que já estava cansado de tanto eu
tá pedindo perdão e fazendo a mesma coisa.”
“Se
você não tiver uma cabeça boa, você acaba agredindo,
você perde a paciência. Muitas vezes eu
cheguei a gritar, não vou dizer que eu fui santo, né?
(...) Aí quando eu via que... Que eu começava a
gritar, que eu perdia a paciência, saia de junto. Chamava
minha irmã e dizia: fica com ela, porque eu
não quero gritar não, porque possa ser que eu perca
a paciência, sem querer vou pegar nela, machuco,
posso até... Sei lá, não sei o que vai passar
pela minha cabeça...”
Identificou-se,
em outros recortes, o sentimento de pena pelo idoso estar em um
estado de dependência e de fragilidade.
“Meu
sentimento? (voz trêmula) Ah... Eu fico, às vezes, assim olhando
pra ele, aquele olhar tão perdido,
me dá uma pena...”
“Olhe,
eu sinto o seguinte: eu sinto pena dela. Pena dela
pela.... Pelo que ela mostrava, o que ela era pra
gente. Assim... de...de vigor, de saúde...(...) Aí assim,
eu fico muito triste, eu fico com muita pena dela
e fico imaginando a situação dela em cima de uma
cama."
Constata-se
que os familiares cuidadores vivenciam diversos sentimentos diante
das frustrações que
a doença traz. Por um lado, sentem pena por ver seu ente querido em
um estado de total dependência, mas devido à pressão psicológica
a que estão sendo submetidos, em alguns momentos sentem que estão
perdendo o controle. Ainda relacionado a esses recortes, no processo
de cuidar de um ente próximo que se torna dependente existe uma
“turbulência de sentimentos”, que se originam a partir de
sentimentos que envolvem defrontar-se com a fragilidade e a
finitude do ser humano.
Defrontar-se
com uma doença progressiva de uma pessoa tão próxima, que leva
inevitavelmente a perder
a sua própria identidade e sua independência funcional, faz
aflorar sentimentos de medo de adoecer também e de tristeza devido
à possibilidade de perder seu familiar. A verbalização abaixo
confirma o que foi dito:
“Eu
tenho medo de ter Alzheimer, porque eu ando muito
esquecida... (Risos) Eu tenho medo que eu tenha
essa doença... E eu não quero nem pensar, sabe,
porque eu sei que vou ficar à míngua. (...) E eu
estou sentindo que eu estou ficando esquecida também.
Eu leio uma coisa, às vezes quero me lembrar
e eu não consigo, entendeu? Eu digo: Meu Deus
será que estou com esse problema de mamãe? "
“Estou
de pés e mãos amarrados e sei que a doença está
evoluindo, evoluindo. E assim... Às vezes eu tenho
vontade de perguntar a Dr. (diz o nome do médico
assistente) : Dr., quanto tempo mais ou menos?.
Mas que pergunta difícil de ser feita... Mas
eu sei que está chegando ao fim doutora, eu sei
disso. (Chorando) E isso está me matando..."
No
caso em que um membro de um casal é o portador da demência, um
sentimento também apontado foi o de solidão: “Me
sinto sozinha, né? Por que ele só faz dormir, não conversa mais.
“
Neste
aspecto, salienta-se que, das pessoas que participaram do estudo,
existe apenas um cônjuge, uma senhora também idosa que residia
sozinha com seu marido. Acredita-se que este fato, além da pouca
atividade de lazer em seu cotidiano, contribui para seu sentimento
de solidão. Os cônjuges são os que sofrem um maior impacto ao
cuidar de um paciente demenciado .
( FONTE:: Revista Psicologia e Saúde).
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