“E
agora, meu velho? – O
trabalho acabou, os filhos se foram, as dores chegaram, arre! Se
continuarmos impotentes a enxergar a velhice como o fim dos projetos,
o vazio do presente e a saudade do passado, seremos cúmplices da
epidemia de depressão que se instala. Um novo velho está nascendo,
não tanto o da experiência, como se dizia, mas o da criatividade:
passado o tempo do embate pela vida, chega o momento de viajar na
bagagem selecionada e de visualizar novos campos de pouso, longe dos
asilos do mundo anterior. A psicanálise pode nos dar pistas.”
Velhice, pra que te quero? - Impressões de Daniela Gatto Rossi
Jorge Forbes, bem ao seu estilo, iniciou com a leitura
de um texto de Shakespeare, onde aparece a velhice como decadência,
como fim. Diante disso, a forma mais tradicional de lidar com a
velhice é a negação. E continuou... a inquietação fundamental do
homem é a morte, que está muito ligada à velhice.
Primeiro, como é tradicional, como esperado,
Forbes “junta” morte com velhice para em seguida, separá-las: “A morte é sempre uma surpresa! E nunca estamos
preparados!” Citou Heidegger: “Um minuto de vida é tempo
suficiente para morrer”. Completou: “Nunca fazemos esta
associação, a idade é o nome da morte. Isto é importante para que
possamos suportar o amor. Como amar as pessoas que amamos pensando
que podemos perdê-las a qualquer momento?”
Foi bom acompanhá-lo quando descreveu através de
nossos estudos dos livros de Luc Ferry, as formas do homem lidar com
a morte ao longo da história. Na primeira delas, com os gregos, o
que ordenava o mundo era a natureza, então a morte era natural como
parte da natureza. Em seguida vem o cristianismo com a promessa de
vida eterna, há vida após a morte. Depois, com a ciência e o
iluminismo, vem a razão e o homem torna-se o centro. A partir de
Nietzsche, “com seu martelo” dizendo que nada disto serve, vem a
desconstrução.
Nos nossos estudos, tínhamos como foco a
salvação, as formas do homem lidar com a morte. Na sua fala, Forbes
inclui aí, junto com a morte, a velhice.
Hoje vivemos o momento após a desconstrução.
Estamos em frente a um novo amor, uma outra forma de viver e amar, e
existe uma incompatibilidade da velhice como a conhecemos e como se
vive hoje. E assim não se tem mais idéia do que é ser velho. Fica
a pergunta se há uma saída. Há uma nova forma de lidar com a
morte?
Não existe mais a aposentadoria calma aos (60?),
para esperar a morte aos (70?). Ganhamos tempo de vida, com a
ciência, e o que fazer com esse “tempo a mais” é desconhecido.
Não é mais possível seguir o protocolo de como se deve ser velho,
as pessoas não suportam serem todas iguais.
Jorge escolheu três personalidades singulares:
Oscar Niemeyer, Fernando Henrique Cardoso e Chico Buarque. Falou
deles como homens que inventaram a sua velhice, que responderam eles
mesmos às suas perguntas. Da platéia, um homem, de cabelos cinzas, lhe
perguntou algo sobre a subjetividade do tempo. A resposta foi bela:
“Todo velho se pergunta o que fazer com suas rugas, com seu corpo
estranho. A criança também se pergunta isto. O jovem também. Nosso
corpo é estranhíssimo para nós desde que nascemos. Não existe
harmonia entre nós e nosso corpo. O corpo é sempre uma questão
para nós”.
Gostei muito da forma como Forbes desenvolveu este
trabalho, ao falar de amor, corpo, velhice e morte. Fui tocada pelas
suas palavras e alguns pensamentos surgiram. Duas passagens tiveram pra mim uma escuta
especial. A primeira, logo no início quando disse que “um minuto
de vida é tempo suficiente para morrer”, mas como amar quem amamos
se podemos perdê-los a qualquer momento? Para suportar o amor
precisamos então eternizá-los... pelo menos até a velhice. Considerando o que lemos em Ferry sobre a
importância do amor nesses nossos tempos, dá pra dizer que esta
forma de lidar com a morte está ligada ao novo amor, à nova forma
de laço social?
A outra passagem é quando lembra que o corpo não
é uma questão somente na velhice, passamos a nossa vida nos
perguntando sobre o nosso corpo. Lembro que quando criança, era comum entre nós,
apelidos, brincadeiras e provocações do tipo dentuço,
cabeção, bambu-de-cutucar-estrelas, Zé-bola,
zaroio, quatro-olhos e tantos outros. Nomes
inventados sempre para lembrar aquilo que chamava a atenção no
outro. Claro que era doído e gerava muita confusão, mas fico
pensando o que essas brincadeiras causavam nas crianças, se as
ajudavam a se darem conta do seu corpo como diferente de outro corpo.
Hoje, brincadeiras assim são muito mal vistas, normalmente são
tratadas como bullying. Não se deve apontar nada no outro,
pega mal.
Além das brincadeiras, as cantigas de ninar
também sofreram alterações, não se pode mais cantar “boi da
cara preta, pega essa criança que tem medo de careta”, apavora a
criança. Letras de canções infantis foram alteradas no intuito de
“não dizer coisas ruins”. Nas escolas não existe mais reprovação. Tapa no
bumbum é péssimo, traumatiza.
Estes são alguns dos muitos exemplos que revelam,
a meu ver, como as crianças têm sido poupadas de seus
enfrentamentos. Os jovens vivem a fantasia, ou exigência do corpo
magro e perfeito, tão clichê que até parece que não é sério,
mas trata-se de uma resposta comum, não singular, frente a algumas
questões do corpo.
A velhice que se vive hoje é nova, ainda não se
sabe muito bem dela, mas já vem acompanhada de alguns protocolos... Acontece que o Real do corpo é outra coisa. Esta
pergunta que passamos a vida toda nos fazendo sobre nosso corpo
estranho, não tem uma resposta que seja igual pra todos. Faz muita
diferença quando uma pessoa procura suas próprias respostas, é
algo que interfere na forma de amar, de viver, como Forbes fez
questão em marcar com os exemplos das vidas singulares que trouxe.
Acredito que uma pessoa consegue dar suas
respostas quando é tocada pelo Real e disto faz uma causa. Sabemos
que uma análise faz isso. Também acredito que evitar que as crianças
tenham seus enfrentamentos favorece a que procurem por respostas
generalizadas. Talvez prossigam buscando igual na juventude e na
velhice... E penso que quando se “toca a vida como todo mundo faz”,
a velhice, a morte e a vida parecem mais assustadora.
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