A doença
de Alzheimer por enquanto é incurável, degenerativa e causa danos
estruturais no cérebro, levando o idoso a necessitar do apoio contínuo
no atendimento às suas necessidades básicas de sobrevivência. Assim, a
família passa a ser o elemento central com importante papel no cuidado
ao mesmo, o que acaba repercutindo na dinâmica familiar, pois ocorrem
mudanças na rotina que vão gerar conflitos e dúvidas para aqueles que
passam a assumir a responsabilidade desse cuidado no ambiente
domiciliar.
Caminhando para o desconhecido...
O
familiar que cuida do idoso com Alzheimer no domicilio passa a ter
muitas duvidas e dificuldades desde quando passa a observar mudanças no
comportamento do seu parente, e é ai que começa o caminho rumo ao
desconhecido.
No
início, os sintomas da doença de Alzheimer podem ser confundidos com
"problemas da velhice" e por isso talvez seja tão difícil para a família
identificar os sintomas como sinais de alarme de que algo não vai bem
com o idoso. O esquecimento leve, a desorientação e as variações de
humor são geralmente as características mais precoces da doença e essas
podem ser confundidas com os efeitos decorrentes do processo de
envelhecimento. Muitos idosos ficam inquietos durante o dia, alguns
dormem mal à noite, acordando desorientados e angustiados. Ocorre também
uma alteração no comportamento social e o autocuidado pode ser
negligenciado. Além disso, a família pode começar a observar mudanças na
personalidade do idoso com freqüente exagero de características menos
favoráveis.
No caso
deste estudo, a maioria dos sujeitos disse que os sintomas no seu
parente começaram a ser percebidos através de esquecimentos, surtos de
perda de memória, mudanças de personalidade e de comportamento que
evoluíram para situações onde não reconheciam as pessoas com as quais
sempre conviveram. Alguns sujeitos relataram que o idoso às vezes falava
sozinho, apresentava episódios de alucinações, quadro de agitação e
alterações na forma de andar. Segundo os depoimentos, esses sintomas
surgiram aos poucos ou de forma repentina.
Tudo começou de repente, esquecimentos, surtos de perda de memória, mudanças de comportamento e de memória [...] (Alice).
Um dos
sujeitos relatou que começou a perceber os sintomas na sua mãe quando,
ao ir ao banco para fazer o pagamento de uma conta, ela não soube como
fazer isso, pois não reconhecia mais o valor do dinheiro.
Ela não estava mais conhecendo dinheiro, dava 50 reais para o filho da empregada e achava que estava dando um real (Vanda).
As
pessoas com Alzheimer podem apresentar rápidas variações de humor, desde
a calmaria às lágrimas e, subitamente, podem ter acessos de raiva sem
nenhuma razão aparente. Sendo assim, alguém que antes era calmo, gentil e
amável pode tornar-se rude, irritado e grosseiro 2. Essas mudanças foram percebidas e descritas pela familiar Cláudia:
Ela está ficando uma pessoa agitada, agressiva. Está perdendo o sono, não está tendo um sono tranqüilo. Ela também não está andando direito, está se arrastando muito.
A
evolução e a repetição dessas situações aliadas às dificuldades de
controle das mesmas acabam despertando os familiares para a necessidade
de procurar ajuda de um profissional especializado que conheça, entenda e
esclareça o que está acontecendo. Existe, então, uma necessidade de
buscar ajuda para explicar todas essas mudanças principalmente na
personalidade, nas atitudes e no humor do idoso.
E aí, quando ela chegou a meter a mão no prato para apanhar a comida, eu entrei em desespero... Aí foi que eu pensei em procurar ajuda (Vanda)
As
mudanças no comportamento do idoso percebidas pelos sujeitos do estudo
ilustram as dificuldades que eles enfrentam antes de reconhecer a
necessidade de procurar apoio médico e, ao tomar a iniciativa de
procurar apoio médico a família passa a vivenciar uma nova etapa na
trajetória com esse idoso. Uma etapa na qual será necessário fortalecer,
ou mesmo resgatar, os laços de união na família. Um momento difícil
enfrentado pelos familiares do idoso é saber do diagnóstico da doença de
Alzheimer nele. Ao vivenciar esse momento, eles disseram que "ficaram arrasados, "tristes", "assustados" e passaram a ter dificuldades para encarar ou mesmo aceitar essa situação:
Lá em casa foi difícil, o pessoal não aceitou não, foi muito difícil (Vanda).Eu fiquei muito arrasada quando ele disse pra mim que ela estava com Alzheimer. (Alice)
Apesar da
dificuldade do diagnóstico conclusivo de demência, é a partir dele que a
família passa a conviver com a realidade de que é necessário realizar
mudanças na rotina domiciliar e dos membros da família para atender às
necessidades crescentes do idoso que, com a evolução da doença, passa a
ficar cada vez mais dependente de outras pessoas para desenvolver suas
atividades de vida diária mais simples, como tomar banho e alimentar-se. Nesse
sentido, o cotidiano do familiar que assume os cuidados desse idoso
passa por transformações que muitas vezes fazem com que ele "abra mão da sua vida" para poder assumir os cuidados com o idoso no domicilio.
Mudou tudo e tive que parar de trabalhar porque ficava cuidando dela 24 horas por dia (Alice)Fui obrigada a largar tudo pra me dedicara ela (Vanda)
As
adaptações e mudanças no ambiente domiciliar da família que cuida do
idoso com Alzheimer passam a ser crescentes à medida que o quadro da
doença progride. Nesse sentido, podem acontecer situações nas quais é
necessário tomar medidas drásticas para preservar a segurança e
integridade do idoso e da própria família tais como: como trancar a
porta da cozinha da casa e trazer o idoso para morar junto com a
família, pois este vai perdendo a noção de que pode correr risco de
morte ou mesmo colocar a vida de outras pessoas em perigo, como ilustram
os relatos abaixo:
[...] foram esquecimentos absurdos, de deixar comida no fogão, incendiar o apartamento e ter que chamar o corpo de bombeiros (Maria).[...] ela teve que ir morar com a minha irmã, porque não tinha mais como ela morar sozinha estava ficando perigoso (Alice).
Essas
mudanças de comportamento do idoso com Alzheimer podem gerar
constrangimentos para os familiares e situações de estresse difíceis de
serem enfrentadas no dia-a-dia. São comportamentos freqüentes no idoso
que demência: furtar e esconder objetos, agitação na hora de dormir,
reações catastróficas provocadas por multidões e locais barulhentos,
pela mudança da sua rotina conhecida, explosões pela falta de repouso,
fugas de casa, perambulações, recusa de banho, higiene corporal e
alimentação, ataques de pânico, comportamento potencialmente perigoso e
ameaçador, alucinações, agitação, delírio. Para cada um desses problemas
existem estratégias de enfrentamento possíveis, e estas estratégias
precisam ser discutidas junto com o familiar cuidador.
Assim, o
cotidiano do familiar que cuida do idoso com Alzheimer no domicilio
passa a representar um contínuo estado de alerta para atender às suas
necessidades e prover as condições básicas de segurança durante todo o
dia o que além de gerar um desgaste físico e mental muito grande para o
familiar que assume tais responsabilidades, pode também repercutir tanto
na qualidade dos cuidados desenvolvidos quanto na saúde daquele que
está cuidando e sendo cuidado. Nesse sentido, toda essa energia
dispensada poderá resgatar no familiar o prazer em cuidar, retirando-o
do ambiente das impossibilidades, fazendo-o acreditar no seu potencial
como ser; devolvendo-lhe a dignidade de ser humano, o poder de ser
agente e autor do seu destino, transformando de forma efetiva o que
deseja ser transformando, resgatando a magia e o orgulho de ser cuidador.
Essas
mudanças na rotina e na vida do familiar que cuida do idoso com
Alzheimer requer ajuda de profissionais especializados para que ele
possa exercer essa função com mais qualidade a partir de orientações
sobre como pode estar cuidando melhor de si e do idoso, para o bem-estar
de ambos. Até
porque a sobrecarga física, emocional e socioeconômica do cuidado a um
familiar demenciado é muito grande. Assim, como não podemos esperar que
eles entendam e executem as técnicas básicas de enfermagem corretamente,
é preciso que o enfermeiro oriente esse familiar quanto aos cuidados de
higiene e alimentação proporcionando apoio freqüente para que ele
compreenda melhor os sentimentos de culpa, frustração, raiva, depressão e
outros sentimentos que acompanham essa responsabilidade.
Vivendo e cuidando do idoso com Alzheimer...
A doença
de Alzheimer é uma doença que muda significativamente o cotidiano das
famílias. Por apresentar uma evolução extremamente personalizada e
produzir um quadro insidioso, progressivo e crônico, com grande
repercussão emocional e socio-econômica sobre as famílias, as demandas
físicas, emocionais, econômicas e sociais podem tornar alguns membros da
família exaustos, deprimidos e estressados, especialmente aqueles que
assumem com maior intensidade a função de cuidador, com conseqüências
sobre sua saúde física e mental 10.
A
sobrecarga física e emocional é muito grande no dia-a-dia de quem está
cuidando de um idoso demenciado no ambiente domiciliar, principalmente
porque geralmente uma pessoa tende a assumir essa função, o que poderia
ser amenizado se fosse compartilhado com outros membros da família, já
que essa é uma situação que pode se estender por muitos anos7.
O cuidar é
um ato nobre, mas requer muita força de vontade, dedicação, atenção e
amor, ainda mais se esse cuidar gera sobrecarga física e emocional para
quem está cuidando. A maioria dos sujeitos do estudo relatou que a
tarefa de cuidar desse idoso é "muito difícil", "muito pesada", e dela emergem sentimentos de compaixão e pena:
Eu me sinto assim mais no sentido de pena dela porque, coitada da minha mãe, ela trabalhou tanto por nós (Alice).Está sendo uma experiência muito difícil viver tudo isso, porque eu nunca passei por isso (Cláudia)
Diferente
dos demais sujeitos do estudo, um familiar alegou que era mais fácil
cuidar de sua mãe do que resolver seus outros problemas do dia-a-dia:
Ultimamente tem sido mais fácil cuidar dela do que dos meus outros problemas. Não é um bicho de sete cabeças. É só você passar para o mundo dela, aprender a conviver e aprender que as necessidades dela são tão fáceis de serem resolvidas que, se você resolve você vai ter ao teu lado uma pessoa quase que feliz e satisfeita (José).
Dessa
forma, ao assumir o cuidado desse idoso, o familiar passa a realizar
e/ou auxiliar nos cuidados pessoais, tais como: higiene, troca do
vestuário, administração de medicamentos, curativos, controle da dieta,
alimentação, controle das eliminações, auxilio na movimentação e nas
caminhadas e banhos de sol. Entretanto, nessa rotina, o familiar passa a
vivenciar conflitos que podem ser percebidos como sendo uma inversão de
papéis:
Você perde suas referências, porque você passa a ser mãe e filha, não filha e mãe, né? É uma inversão de papéis. Eu tento me equilibrar no sentido do conhecimento, na orientação sobre a doença. E se você não se cuidar, você adoece também (Maria)
Em
relação ao cotidiano desses cuidadores, na medida em que a pessoa vai
demenciando, há uma mudança de papéis dos membros da família. Assim, se o
idoso é um dos pais, os filhos adultos assumem a função de decidir e
tomar as responsabilidades dos pais. O filho que passa a ser o cuidador
ficará sobrecarregado com essa função que se soma às atribuições
familiares e seu emprego.
Todos os
entrevistados sabiam que a doença não tem cura e sim tratamento. Para
eles o importante era não perder a esperança, embora achassem que os
demais membros da família deveriam se interessar e conhecer mais sobre a
doença para poderem aceitar e entender o que acontecia com o idoso, o
que poderia contribuir para a convivência e harmonia no ambiente
domiciliar.
Eu tento entender que, embora a mamãe esteja viva, eu não tenho mais minha mãe. É uma pessoa completamente diferente. Ela não lembra de nada mais (Maria)Eu sinto que é uma doença que não tem cura, mas que, com o tratamento ela vai melhorar e está melhorando a cada dia, e ela vai chegar num ponto bom (Alice).
As falas
acima mostram que o familiar que cuida do idoso com Alzheimer no
ambiente domiciliar nutre a esperança de melhora no seu quadro de saúde,
embora percebam que ele já não é o mesmo. Com a convivência com o
idoso, eles foram percebendo que, à medida que a doença progredia,
aumentava também a sua dependência em relação à família que se via tendo
que enfrentar os desafios de ultrapassar os próprios limites, para
proporcionar melhores condições de vida para o seu idoso.
Assim, a
finalidade do cuidar do idoso com Alzheimer passa a ser não a cura da
doença e sim a possibilidade de promover conforto e ajuda continua em
suas necessidades, preservando sua segurança e dignidade humana através
da participação em grupos com outros idosos e com a implementação do
tratamento adequado supervisionado e orientado por uma equipe
multiprofissional de saúde preparada para orientar e apoiar o idoso e
sua família, visando proporcionar uma melhoria na qualidade de vida de
ambos.
Olhando para o horizonte...
Frente ao
diagnostico da Doença de Alzheimer no idoso, a família vive momentos
conturbados marcados pela surpresa, medo e insegurança em saber que a
partir daí estarão diante de uma nova realidade que irá trazer sérias
repercussões para a dinâmica e rotina familiar. Tal situação leva as
famílias a tentarem soluções para o cuidado de seus idosos, visando
evitar uma provável institucionalização. Essas soluções, que nem sempre
são as melhores ou as desejadas, podem ser as únicas possíveis enquanto
as novas alternativas de atenção ao idoso já previstas em legislação
específica, não se tornarem realidade.
Os
sujeitos desse estudo verbalizaram uma esperança de dias melhores, um
olhar para o horizonte com expectativas em relação ao futuro. Na maioria
dos casos, as expectativas eram otimistas em relação ao futuro, pois
cuidando do idoso passaram a perceber "que ele melhorou perto do que era".
Havia uma esperança de que a doença não progredisse e que com o
tratamento e o apoio do grupo de profissionais da equipe de saúde ele
melhorasse. Nesse contexto, achavam que com a participação no grupo de
cuidadores eles estavam aprendendo a conviver e entender melhor a doença
e seus efeitos no idoso:
Acho que nesse caso tem que aprender a lidar com a doença (Cláudia)Eu não tenho nenhuma expectativa em relação ao futuro, eu costumo dizer que na doença de Alzheimer são só perdas (Maria).
Cuidar
para esses familiares constituía, na maioria das vezes, um ato solitário
e cansativo que nem sempre gerava os resultados esperados para o idoso e
por isso aqueles que assumem esta função, na maioria mulheres, precisam
do apoio de profissionais especializados que viabilizem espaços de
convivência onde eles possam expressar seus sentimentos, conflitos e
dificuldades, como é o caso do que é desenvolvido no Programa de
Geriatria e Gerontologia da Universidade.
Essas
pessoas necessitam da orientação e apoio dos profissionais de saúde e da
colaboração de outros parentes próximos, para que esta função não
sobrecarregue apenas uma pessoa. Essa tarefa de cuidar do idoso precisa
ser dividida e compartilhada com outros membros da família, para atenuar
o desgaste e o estresse gerados pela convivência com uma pessoa que a
cada dia vai precisar de mais cuidado e atenção no ambiente domiciliar.
Assim,
embora seja importante estimular e orientar a família sobre como cuidar
do idoso com Alzheimer no domicílio, é preciso também considerar que
cuidar de uma pessoa incapacitada durante 24 horas, sem pausa, é uma
tarefa que exige apoio e ajuda de dos membros da família e de
profissionais de saúde sensíveis à problemática que envolve esse
familiar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cuidado
no ambiente domiciliar vem sendo cada vez mais incentivado porque, além
de reduzir a necessidade de hospitalização, também dá ao idoso a
possibilidade de estar em um ambiente familiar, cujas pessoas são
conhecidas, e ele pode estar próximo de objetos pessoais que trazem
recordações, lembranças de uma vida que, com a progressão da doença, vão
sendo perdidos na sua memória.
O
diagnóstico da doença de Alzheimer para a família é um momento de
impacto com a realidade que demarca a necessidade de enfrentar a nova
situação em família. A partir de então, surgem as dificuldades diante da
tarefa de cuidar desse idoso, que muitas vezes passa a ser solitária,
cansativa e sem o apoio necessário dos demais membros da família.
Assim,
concluímos que a família precisa ser ouvida e compreendida nas suas
necessidades e dificuldades e nesse sentido, é fundamental que os
enfermeiros incluam a família no planejamento e execução de suas ações
junto ao cliente, seja no âmbito hospitalar ou domiciliar, pois o
cuidado independe de espaço e tempo. Cuidado envolve compromisso,
competência e responsabilidade do enfermeiro com a melhoria da saúde e
qualidade de vida das pessoas sejam elas crianças, adultos ou idosos.
FONTE DE PESQUISA: Artigo - Limites e possibilidades no cotidiano do familiar que cuida do idoso com Alzheimer no ambiente domiciliar ( Poliana de França Albuquerque Paes; Fátima Helena do Espírito Santo).
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