sexta-feira, 16 de maio de 2014

ALZHEIMER: LIMITES E POSSIBILIDADES NO COTIDIANO FAMILIAR


A doença de Alzheimer por enquanto é incurável, degenerativa e causa danos estruturais no cérebro, levando o idoso a necessitar do apoio contínuo no atendimento às suas necessidades básicas de sobrevivência. Assim, a família passa a ser o elemento central com importante papel no cuidado ao mesmo, o que acaba repercutindo na dinâmica familiar, pois ocorrem mudanças na rotina que vão gerar conflitos e dúvidas para aqueles que passam a assumir a responsabilidade desse cuidado no ambiente domiciliar

Caminhando para o desconhecido...
O familiar que cuida do idoso com Alzheimer no domicilio passa a ter muitas duvidas e dificuldades desde quando passa a observar mudanças no comportamento do seu parente, e é ai que começa o caminho rumo ao desconhecido.

No início, os sintomas da doença de Alzheimer podem ser confundidos com "problemas da velhice" e por isso talvez seja tão difícil para a família identificar os sintomas como sinais de alarme de que algo não vai bem com o idoso. O esquecimento leve, a desorientação e as variações de humor são geralmente as características mais precoces da doença e essas podem ser confundidas com os efeitos decorrentes do processo de envelhecimento. Muitos idosos ficam inquietos durante o dia, alguns dormem mal à noite, acordando desorientados e angustiados. Ocorre também uma alteração no comportamento social e o autocuidado pode ser negligenciado. Além disso, a família pode começar a observar mudanças na personalidade do idoso com freqüente exagero de características menos favoráveis.

No caso deste estudo, a maioria dos sujeitos disse que os sintomas no seu parente começaram a ser percebidos através de esquecimentos, surtos de perda de memória, mudanças de personalidade e de comportamento que evoluíram para situações onde não reconheciam as pessoas com as quais sempre conviveram. Alguns sujeitos relataram que o idoso às vezes falava sozinho, apresentava episódios de alucinações, quadro de agitação e alterações na forma de andar. Segundo os depoimentos, esses sintomas surgiram aos poucos ou de forma repentina.
Tudo começou de repente, esquecimentos, surtos de perda de memória, mudanças de comportamento e de memória [...] (Alice).
Um dos sujeitos relatou que começou a perceber os sintomas na sua mãe quando, ao ir ao banco para fazer o pagamento de uma conta, ela não soube como fazer isso, pois não reconhecia mais o valor do dinheiro.
Ela não estava mais conhecendo dinheiro, dava 50 reais para o filho da empregada e achava que estava dando um real (Vanda).
As pessoas com Alzheimer podem apresentar rápidas variações de humor, desde a calmaria às lágrimas e, subitamente, podem ter acessos de raiva sem nenhuma razão aparente. Sendo assim, alguém que antes era calmo, gentil e amável pode tornar-se rude, irritado e grosseiro 2. Essas mudanças foram percebidas e descritas pela familiar Cláudia:
Ela está ficando uma pessoa agitada, agressiva. Está perdendo o sono, não está tendo um sono tranqüilo. Ela também não está andando direito, está se arrastando muito.
A evolução e a repetição dessas situações aliadas às dificuldades de controle das mesmas acabam despertando os familiares para a necessidade de procurar ajuda de um profissional especializado que conheça, entenda e esclareça o que está acontecendo. Existe, então, uma necessidade de buscar ajuda para explicar todas essas mudanças principalmente na personalidade, nas atitudes e no humor do idoso.
E aí, quando ela chegou a meter a mão no prato para apanhar a comida, eu entrei em desespero... Aí foi que eu pensei em procurar ajuda (Vanda)
As mudanças no comportamento do idoso percebidas pelos sujeitos do estudo ilustram as dificuldades que eles enfrentam antes de reconhecer a necessidade de procurar apoio médico e, ao tomar a iniciativa de procurar apoio médico a família passa a vivenciar uma nova etapa na trajetória com esse idoso. Uma etapa na qual será necessário fortalecer, ou mesmo resgatar, os laços de união na família. Um momento difícil enfrentado pelos familiares do idoso é saber do diagnóstico da doença de Alzheimer nele. Ao vivenciar esse momento, eles disseram que "ficaram arrasados, "tristes", "assustados" e passaram a ter dificuldades para encarar ou mesmo aceitar essa situação:
Lá em casa foi difícil, o pessoal não aceitou não, foi muito difícil (Vanda).
Eu fiquei muito arrasada quando ele disse pra mim que ela estava com Alzheimer. (Alice)
Apesar da dificuldade do diagnóstico conclusivo de demência, é a partir dele que a família passa a conviver com a realidade de que é necessário realizar mudanças na rotina domiciliar e dos membros da família para atender às necessidades crescentes do idoso que, com a evolução da doença, passa a ficar cada vez mais dependente de outras pessoas para desenvolver suas atividades de vida diária mais simples, como tomar banho e alimentar-se. Nesse sentido, o cotidiano do familiar que assume os cuidados desse idoso passa por transformações que muitas vezes fazem com que ele "abra mão da sua vida" para poder assumir os cuidados com o idoso no domicilio.
Mudou tudo e tive que parar de trabalhar porque ficava cuidando dela 24 horas por dia (Alice)
Fui obrigada a largar tudo pra me dedicara ela (Vanda)
As adaptações e mudanças no ambiente domiciliar da família que cuida do idoso com Alzheimer passam a ser crescentes à medida que o quadro da doença progride. Nesse sentido, podem acontecer situações nas quais é necessário tomar medidas drásticas para preservar a segurança e integridade do idoso e da própria família tais como: como trancar a porta da cozinha da casa e trazer o idoso para morar junto com a família, pois este vai perdendo a noção de que pode correr risco de morte ou mesmo colocar a vida de outras pessoas em perigo, como ilustram os relatos abaixo:
[...] foram esquecimentos absurdos, de deixar comida no fogão, incendiar o apartamento e ter que chamar o corpo de bombeiros (Maria).
[...] ela teve que ir morar com a minha irmã, porque não tinha mais como ela morar sozinha estava ficando perigoso (Alice).
Essas mudanças de comportamento do idoso com Alzheimer podem gerar constrangimentos para os familiares e situações de estresse difíceis de serem enfrentadas no dia-a-dia. São comportamentos freqüentes no idoso que demência: furtar e esconder objetos, agitação na hora de dormir, reações catastróficas provocadas por multidões e locais barulhentos, pela mudança da sua rotina conhecida, explosões pela falta de repouso, fugas de casa, perambulações, recusa de banho, higiene corporal e alimentação, ataques de pânico, comportamento potencialmente perigoso e ameaçador, alucinações, agitação, delírio. Para cada um desses problemas existem estratégias de enfrentamento possíveis, e estas estratégias precisam ser discutidas junto com o familiar cuidador.

Assim, o cotidiano do familiar que cuida do idoso com Alzheimer no domicilio passa a representar um contínuo estado de alerta para atender às suas necessidades e prover as condições básicas de segurança durante todo o dia o que além de gerar um desgaste físico e mental muito grande para o familiar que assume tais responsabilidades, pode também repercutir tanto na qualidade dos cuidados desenvolvidos quanto na saúde daquele que está cuidando e sendo cuidado. Nesse sentido, toda essa energia dispensada poderá resgatar no familiar o prazer em cuidar, retirando-o do ambiente das impossibilidades, fazendo-o acreditar no seu potencial como ser; devolvendo-lhe a dignidade de ser humano, o poder de ser agente e autor do seu destino, transformando de forma efetiva o que deseja ser transformando, resgatando a magia e o orgulho de ser cuidador. 

Essas mudanças na rotina e na vida do familiar que cuida do idoso com Alzheimer requer ajuda de profissionais especializados para que ele possa exercer essa função com mais qualidade a partir de orientações sobre como pode estar cuidando melhor de si e do idoso, para o bem-estar de ambos. Até porque a sobrecarga física, emocional e socioeconômica do cuidado a um familiar demenciado é muito grande. Assim, como não podemos esperar que eles entendam e executem as técnicas básicas de enfermagem corretamente, é preciso que o enfermeiro oriente esse familiar quanto aos cuidados de higiene e alimentação proporcionando apoio freqüente para que ele compreenda melhor os sentimentos de culpa, frustração, raiva, depressão e outros sentimentos que acompanham essa responsabilidade.

Vivendo e cuidando do idoso com Alzheimer...
A doença de Alzheimer é uma doença que muda significativamente o cotidiano das famílias. Por apresentar uma evolução extremamente personalizada e produzir um quadro insidioso, progressivo e crônico, com grande repercussão emocional e socio-econômica sobre as famílias, as demandas físicas, emocionais, econômicas e sociais podem tornar alguns membros da família exaustos, deprimidos e estressados, especialmente aqueles que assumem com maior intensidade a função de cuidador, com conseqüências sobre sua saúde física e mental 10.
A sobrecarga física e emocional é muito grande no dia-a-dia de quem está cuidando de um idoso demenciado no ambiente domiciliar, principalmente porque geralmente uma pessoa tende a assumir essa função, o que poderia ser amenizado se fosse compartilhado com outros membros da família, já que essa é uma situação que pode se estender por muitos anos7.
O cuidar é um ato nobre, mas requer muita força de vontade, dedicação, atenção e amor, ainda mais se esse cuidar gera sobrecarga física e emocional para quem está cuidando. A maioria dos sujeitos do estudo relatou que a tarefa de cuidar desse idoso é "muito difícil", "muito pesada", e dela emergem sentimentos de compaixão e pena:
Eu me sinto assim mais no sentido de pena dela porque, coitada da minha mãe, ela trabalhou tanto por nós (Alice).
Está sendo uma experiência muito difícil viver tudo isso, porque eu nunca passei por isso (Cláudia)
Diferente dos demais sujeitos do estudo, um familiar alegou que era mais fácil cuidar de sua mãe do que resolver seus outros problemas do dia-a-dia:
Ultimamente tem sido mais fácil cuidar dela do que dos meus outros problemas. Não é um bicho de sete cabeças. É só você passar para o mundo dela, aprender a conviver e aprender que as necessidades dela são tão fáceis de serem resolvidas que, se você resolve você vai ter ao teu lado uma pessoa quase que feliz e satisfeita (José).
Dessa forma, ao assumir o cuidado desse idoso, o familiar passa a realizar e/ou auxiliar nos cuidados pessoais, tais como: higiene, troca do vestuário, administração de medicamentos, curativos, controle da dieta, alimentação, controle das eliminações, auxilio na movimentação e nas caminhadas e banhos de sol. Entretanto, nessa rotina, o familiar passa a vivenciar conflitos que podem ser percebidos como sendo uma inversão de papéis:
Você perde suas referências, porque você passa a ser mãe e filha, não filha e mãe, né? É uma inversão de papéis. Eu tento me equilibrar no sentido do conhecimento, na orientação sobre a doença. E se você não se cuidar, você adoece também (Maria)
Em relação ao cotidiano desses cuidadores, na medida em que a pessoa vai demenciando, há uma mudança de papéis dos membros da família. Assim, se o idoso é um dos pais, os filhos adultos assumem a função de decidir e tomar as responsabilidades dos pais. O filho que passa a ser o cuidador ficará sobrecarregado com essa função que se soma às atribuições familiares e seu emprego.

Todos os entrevistados sabiam que a doença não tem cura e sim tratamento. Para eles o importante era não perder a esperança, embora achassem que os demais membros da família deveriam se interessar e conhecer mais sobre a doença para poderem aceitar e entender o que acontecia com o idoso, o que poderia contribuir para a convivência e harmonia no ambiente domiciliar.
Eu tento entender que, embora a mamãe esteja viva, eu não tenho mais minha mãe. É uma pessoa completamente diferente. Ela não lembra de nada mais (Maria)
Eu sinto que é uma doença que não tem cura, mas que, com o tratamento ela vai melhorar e está melhorando a cada dia, e ela vai chegar num ponto bom (Alice).
As falas acima mostram que o familiar que cuida do idoso com Alzheimer no ambiente domiciliar nutre a esperança de melhora no seu quadro de saúde, embora percebam que ele já não é o mesmo. Com a convivência com o idoso, eles foram percebendo que, à medida que a doença progredia, aumentava também a sua dependência em relação à família que se via tendo que enfrentar os desafios de ultrapassar os próprios limites, para proporcionar melhores condições de vida para o seu idoso.

Assim, a finalidade do cuidar do idoso com Alzheimer passa a ser não a cura da doença e sim a possibilidade de promover conforto e ajuda continua em suas necessidades, preservando sua segurança e dignidade humana através da participação em grupos com outros idosos e com a implementação do tratamento adequado supervisionado e orientado por uma equipe multiprofissional de saúde preparada para orientar e apoiar o idoso e sua família, visando proporcionar uma melhoria na qualidade de vida de ambos.

Olhando para o horizonte...
Frente ao diagnostico da Doença de Alzheimer no idoso, a família vive momentos conturbados marcados pela surpresa, medo e insegurança em saber que a partir daí estarão diante de uma nova realidade que irá trazer sérias repercussões para a dinâmica e rotina familiar. Tal situação leva as famílias a tentarem soluções para o cuidado de seus idosos, visando evitar uma provável institucionalização. Essas soluções, que nem sempre são as melhores ou as desejadas, podem ser as únicas possíveis enquanto as novas alternativas de atenção ao idoso já previstas em legislação específica, não se tornarem realidade.

Os sujeitos desse estudo verbalizaram uma esperança de dias melhores, um olhar para o horizonte com expectativas em relação ao futuro. Na maioria dos casos, as expectativas eram otimistas em relação ao futuro, pois cuidando do idoso passaram a perceber "que ele melhorou perto do que era". Havia uma esperança de que a doença não progredisse e que com o tratamento e o apoio do grupo de profissionais da equipe de saúde ele melhorasse. Nesse contexto, achavam que com a participação no grupo de cuidadores eles estavam aprendendo a conviver e entender melhor a doença e seus efeitos no idoso:
Acho que nesse caso tem que aprender a lidar com a doença (Cláudia)
Eu não tenho nenhuma expectativa em relação ao futuro, eu costumo dizer que na doença de Alzheimer são só perdas (Maria).
Cuidar para esses familiares constituía, na maioria das vezes, um ato solitário e cansativo que nem sempre gerava os resultados esperados para o idoso e por isso aqueles que assumem esta função, na maioria mulheres, precisam do apoio de profissionais especializados que viabilizem espaços de convivência onde eles possam expressar seus sentimentos, conflitos e dificuldades, como é o caso do que é desenvolvido no Programa de Geriatria e Gerontologia da Universidade.

Essas pessoas necessitam da orientação e apoio dos profissionais de saúde e da colaboração de outros parentes próximos, para que esta função não sobrecarregue apenas uma pessoa. Essa tarefa de cuidar do idoso precisa ser dividida e compartilhada com outros membros da família, para atenuar o desgaste e o estresse gerados pela convivência com uma pessoa que a cada dia vai precisar de mais cuidado e atenção no ambiente domiciliar.

Assim, embora seja importante estimular e orientar a família sobre como cuidar do idoso com Alzheimer no domicílio, é preciso também considerar que cuidar de uma pessoa incapacitada durante 24 horas, sem pausa, é uma tarefa que exige apoio e ajuda de dos membros da família e de profissionais de saúde sensíveis à problemática que envolve esse familiar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cuidado no ambiente domiciliar vem sendo cada vez mais incentivado porque, além de reduzir a necessidade de hospitalização, também dá ao idoso a possibilidade de estar em um ambiente familiar, cujas pessoas são conhecidas, e ele pode estar próximo de objetos pessoais que trazem recordações, lembranças de uma vida que, com a progressão da doença, vão sendo perdidos na sua memória.

O diagnóstico da doença de Alzheimer para a família é um momento de impacto com a realidade que demarca a necessidade de enfrentar a nova situação em família. A partir de então, surgem as dificuldades diante da tarefa de cuidar desse idoso, que muitas vezes passa a ser solitária, cansativa e sem o apoio necessário dos demais membros da família.

Assim, concluímos que a família precisa ser ouvida e compreendida nas suas necessidades e dificuldades e nesse sentido, é fundamental que os enfermeiros incluam a família no planejamento e execução de suas ações junto ao cliente, seja no âmbito hospitalar ou domiciliar, pois o cuidado independe de espaço e tempo. Cuidado envolve compromisso, competência e responsabilidade do enfermeiro com a melhoria da saúde e qualidade de vida das pessoas sejam elas crianças, adultos ou idosos.


FONTE DE PESQUISA: Artigo - Limites e possibilidades no cotidiano do familiar que cuida do idoso com Alzheimer no ambiente domiciliar ( Poliana de França Albuquerque Paes; Fátima Helena do Espírito Santo).

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