A
necessidade de assistência permanente ao doente leva o cuidador
familiar a dedicar um número de
horas ao cuidado, que pode levá-lo à exaustão e a dispender
esforço físico além de suas possibilidades.
“É
um trabalho de 24 horas contínuo. E vai ser assim até no dia em
que ela chegar a ficar de cama, até um dia falecer. Porque daqui
pra frente ainda vai ser pior. Porque assim, como o Alzheimer vai...
é uma doença que não tem cura, ela é degenerativa, vai chegar um
ponto que ela vai ficar de cama. O médico já explicou isso, dela
voltar à posição fetal, como uma criança dentro do útero."
“Não
é mole você pegar (diz o nome do marido) e dar banho nele,
segurando ele."
“Minha
filha, estou com a saúde em pandarecos. (...) Quando
eu fiquei com essa perna assim (mostra a
perna inchada), eu chorava muito porque dizia: Meu
Deus não me deixe ficar paralítica; depois que
ele morrer, eu posso morrer até sem andar, sem nada,
mas eu tenho que ter força agora para ficar com
ele o tempo todo."
Diante
desse contexto, percebe-se que o cuidado desempenhado por uma pessoa
idosa, que já está com sua própria saúde fragilizada, compromete
também o tipo de assistência prestada ao familiar doente, uma vez
que quanto mais dependente for o paciente, maior será sua demanda
de cuidado. Ademais, devido à sua saúde ficar em segundo plano, o
cuidador pode tornar-se uma pessoa dependente, e passível de também adoecer.
Outro
aspecto relevante diz respeito a fatores que dificultam o sono do
familiar cuidador, uma vez
que os portadores de DA podem apresentar insônia ou agitação
durante a noite. Neste sentido, a pesquisa
corrobora investigação sobre os fatores que prejudicam o sono dos
familiares cuidadores, pois além da interrupção do sono para
prestar o cuidado, existe também a preocupação de que algo de
ruim aconteça com o paciente durante a noite.
“(Risos)
Eu durmo com o olho assim (mostra um olho
fechado e outro aberto) (...) Porque não tenho coragem
de pegar no sono e encontrar (diz o nome do
marido) fazendo besteira, porque ele ainda se levanta
sozinho”
“Agora
ela está mais calma. Porque quando ela não tomava
a medicação ela ficava agitada: agredia, mordia
,arranhava, ela não dormia à noite. Eu moro
em uma casa que tem escada. Eu ficava sentado
na escada, a noite todinha, para ela não subir
a escada, porque ela ficava da cozinha para a sala,
da sala para o terraço, até dar sono. Quando dava
sono, ela ia pra sala se deitava no sofá, já eram
cinco, seis horas da manhã.”
“Eu
já não durmo mais na minha cama por causa dela.
Por quê? Se ela se levantar eu vou perceber pela
cama, né? Se eu estiver no meu quarto fecho a porta
e não vejo, aí justamente estou dormindo com ela.”
Uma
das características do paciente com DA são as alterações do
ciclo sono-vigília, sendo comuns padrões
irregulares de sono, como a deambulação noturna, conforme relatou o
entrevistado . Alguns
pacientes dormem mais durante o dia e começam a se agitar ao
anoitecer, fato conhecido como
síndrome do pôr do sol ou do entardecer , que se caracteriza por
alterações no comportamento do idoso e momentos de confusão
mental. Ao entardecer, o paciente pode não reconhecer a sua própria
casa e tenta sair, ficando agressivo quando é impedido. São esses
episódios de agitação noturna que trazem mudanças no ciclo
sono-vigília e fazem com que se desregule o ritmo circadiano,
aumentando assim o tempo em que o paciente permanece acordado durante
a noite.
“(Risos)
Aí mudou tudo, porque passei a não, não ter mais tempo pra mim,
sabe? Eu esqueci de (diz o
próprio
nome) e agora só lembro de (diz os nomes dos pais), entendeu?."
“Afetou
em tudo. Até em relacionamento, porque até em
conhecer uma pessoa, em ter um relacionamento com
alguém, eu não tenho nem como ter. Afetou em tudo.
“
“Rapaz,
mudou muita coisa... Até quando eu vou para
o trabalho eu fico preocupado. Não sei o que ela
tá fazendo em casa, não sei se ela já comeu, se já
se banhou... Tem que tá sempre acompanhando ela.
E realmente mudou muita coisa. Eu era uma pessoa
que gostava muito de sair. Não estou podendo
mais sair, tenho que estar sempre com ela no
final de semana, porque agora ela tá realmente dependendo
da gente, né?".
Constata-se
que ao assumir esse papel, o familiar cuidador também alterou o
seu estilo de vida, consistindo,
entre outras coisas, numa diminuição das atividades de lazer ou
mesmo numa ruptura em
seu convívio social.
“(...)
Eu tava até pensando nisso um dia desses... Eu
esqueci de mim, sabe? Esqueci mesmo. Eu não
marco nada pra mim, eu não vou na casa de ninguém,
eu não visito ninguém. Minha vida social acabou,
acabou."
“Hoje
em dia não sou mais nada, eu só vivo pra ele.
Eu não saio pra canto nenhum minha filha."
“(...)
Mexe em tudo, mexe em tudo como um todo. Por
exemplo, no lazer, num fim de semana, num feriado,
eu ia pra outro lugar, agora não vou, fico com
ela."
“Não
tenho tempo de ler, de fazer um curso, de... De viver
só de meu beneficio hoje, entendeu? Que a gente
não pode parar, né? Ás vezes eu quero fazer um
curso, quero fazer alguma coisa e não tenho condições
de fazer... Porque você sabe, o cansaço bate,
né? Tem horas que você quer fazer as coisas e não aguenta, porque é muita preocupação, não é? Muita
preocupação”
Apesar
das queixas e preocupações, esse familiar mostrou certa
resignação porque está prestando cuidado a uma pessoa querida e
significativa em sua vida:
“Então
veja só, eu já perdi... Não é que perdi seis anos
da minha vida, na verdade eu não perdi, eu ganhei.
Eu ganhei porque eu aprendi a tomar conta de
uma pessoa que estava morando comigo e que está
doente. Mas assim, eu também tenho que fazer a
minha vida. Então, é difícil, é uma coisa muito difícil
assim de lhe explicar o sentimento que a gente
tem assim de... de... de... Por ela, por a gente mesmo.
É uma coisa que eu não sei daqui pra frente como
vai ser."
“Quando
ela está muito agitada eu também perco as sensações,
sabe? É como se eu estivesse vivendo o
que
ela tá vivendo, sabe? "
“Quando
eu vou pro trabalho fica aquele estresse porque
eu não sei o que ela está fazendo lá (na casa
deles), aí eu fico assim com uma tensão muito maior."
“Muito
estresse na minha vida, muito estresse, muito estresse
mesmo. Tem hora que eu não agüento, tenho
vontade de ir embora, de sumir."
Essa
sobrecarga contínua de tarefas e de pressão emocional predispõe
a que essas pessoas apresentem um elevado risco de também
adoecerem, pois não contam, em sua maioria, com o apoio necessário
que facilite o cuidado com o familiar doente.
“Tá
interferindo na minha saúde. Eu emagreci, eu era
mais forte, eu perdi peso (...) Eu estou notando que
eu estou precisando de um acompanhamento médico.
Minha necessidade maior agora é um
acompanhamento médico sabe, pra mim. “
Segundo
Diogo e Duarte (2002), nos países desenvolvidos, os familiares
cuidadores de idosos possuem preparo para a função que
desempenham, contando inclusive com a ajuda de uma equipe em
situações de crises. Além disso, estimulam situações que
promovem uma maior participação dos
familiares no cuidado aos idosos como, por exemplo, a identificação
dos pontos frágeis e fortes encontrados
no sistema familiar, além de encorajá- los a expressar seus
sentimentos.
No Brasil
os familiares carecem de um maior preparo e ainda há poucos
recursos sociais de apoio, em que pese a criação de grupos para
familiares, que tem a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAZ)
como incentivadora. Observa-se também que existe uma carência
para atendimentos voltados especificamente para cuidadores na rede
pública e não há como as pessoas de baixa renda recorrerem
aos profissionais da rede privada , porque os tratamentos são
muito caros (Felgar, 2004).
Diante
dessa realidade, percebe-se que os familiares cuidadores que
participaram deste estudo,
são confrontados com diversas situações que prejudicam sua
qualidade de vida, pois seu cotidiano foi totalmente alterado pela
existência da doença. Além disso, sabe-se que, com o tempo, as
demandas se tornarão maiores, uma vez que o paciente se tornará
mais dependente, precisando cada vez mais de ajuda nas suas
atividades de vida diária. Desta forma, é imprescindível que
essas pessoas recebam mais apoio e que haja uma divisão de tarefas
de forma que elas se dediquem a outras atividades, além do cuidado
ao paciente. Assim, elas poderão renovar suas energias e ter mais
condições de propiciar a atenção que o mesmo necessita. (FONTE: Revista Psicologia)
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