sábado, 31 de maio de 2014

ALZHEIMER - REPERCUSSÕES NA VIDA DO FAMILIAR CUIDADOR


A necessidade de assistência permanente ao doente leva o cuidador familiar a dedicar um número de horas ao cuidado, que pode levá-lo à exaustão e a dispender esforço físico além de suas possibilidades.

É um trabalho de 24 horas contínuo. E vai ser assim até no dia em que ela chegar a ficar de cama, até um dia falecer. Porque daqui pra frente ainda vai ser pior. Porque assim, como o Alzheimer vai... é uma doença que não tem cura, ela é degenerativa, vai chegar um ponto que ela vai ficar de cama. O médico já explicou isso, dela voltar à posição fetal, como uma criança dentro do útero."

Não é mole você pegar (diz o nome do marido) e dar banho nele, segurando ele."

Minha filha, estou com a saúde em pandarecos. (...) Quando eu fiquei com essa perna assim (mostra a perna inchada), eu chorava muito porque dizia: Meu Deus não me deixe ficar paralítica; depois que ele morrer, eu posso morrer até sem andar, sem nada, mas eu tenho que ter força agora para ficar com ele o tempo todo."

Diante desse contexto, percebe-se que o cuidado desempenhado por uma pessoa idosa, que já está com sua própria saúde fragilizada, compromete também o tipo de assistência prestada ao familiar doente, uma vez que quanto mais dependente for o paciente, maior será sua demanda de cuidado. Ademais, devido à sua saúde ficar em segundo plano, o cuidador pode tornar-se uma pessoa dependente,  e passível de também adoecer.

Outro aspecto relevante diz respeito a fatores que dificultam o sono do familiar cuidador, uma vez que os portadores de DA podem apresentar insônia ou agitação durante a noite. Neste sentido, a pesquisa corrobora investigação sobre os fatores que prejudicam o sono dos familiares cuidadores, pois além da interrupção do sono para prestar o cuidado, existe também a preocupação de que algo de ruim aconteça com o paciente durante a noite.

“(Risos) Eu durmo com o olho assim (mostra um olho fechado e outro aberto) (...) Porque não tenho coragem de pegar no sono e encontrar (diz o nome do marido) fazendo besteira, porque ele ainda se levanta sozinho”

Agora ela está mais calma. Porque quando ela não tomava a medicação ela ficava agitada: agredia, mordia ,arranhava, ela não dormia à noite. Eu moro em uma casa que tem escada. Eu ficava sentado na escada, a noite todinha, para ela não subir a escada, porque ela ficava da cozinha para a sala, da sala para o terraço, até dar sono. Quando dava sono, ela ia pra sala se deitava no sofá, já eram cinco, seis horas da manhã.”

Eu já não durmo mais na minha cama por causa dela. Por quê? Se ela se levantar eu vou perceber pela cama, né? Se eu estiver no meu quarto fecho a porta e não vejo, aí justamente estou dormindo com ela.”

Uma das características do paciente com DA são as alterações do ciclo sono-vigília, sendo comuns padrões irregulares de sono, como a deambulação noturna, conforme relatou o entrevistado . Alguns pacientes dormem mais durante o dia e começam a se agitar ao anoitecer, fato conhecido como síndrome do pôr do sol ou do entardecer , que se caracteriza por alterações no comportamento do idoso e momentos de confusão mental. Ao entardecer, o paciente pode não reconhecer a sua própria casa e tenta sair, ficando agressivo quando é impedido. São esses episódios de agitação noturna que trazem mudanças no ciclo sono-vigília e fazem com que se desregule o ritmo circadiano, aumentando assim o tempo em que o paciente permanece acordado durante a noite. 

(Risos) Aí mudou tudo, porque passei a não, não ter mais tempo pra mim, sabe? Eu esqueci de (diz o
próprio nome) e agora só lembro de (diz os nomes dos pais), entendeu?."

Afetou em tudo. Até em relacionamento, porque até em conhecer uma pessoa, em ter um relacionamento com alguém, eu não tenho nem como ter. Afetou em tudo. “

Rapaz, mudou muita coisa... Até quando eu vou para o trabalho eu fico preocupado. Não sei o que ela tá fazendo em casa, não sei se ela já comeu, se já se banhou... Tem que tá sempre acompanhando ela. E realmente mudou muita coisa. Eu era uma pessoa que gostava muito de sair. Não estou podendo mais sair, tenho que estar sempre com ela no final de semana, porque agora ela tá realmente dependendo da gente, né?".

Constata-se que ao assumir esse papel, o familiar cuidador também alterou o seu estilo de vida, consistindo, entre outras coisas, numa diminuição das atividades de lazer ou mesmo numa ruptura em seu convívio social. 

(...) Eu tava até pensando nisso um dia desses... Eu esqueci de mim, sabe? Esqueci mesmo. Eu não marco nada pra mim, eu não vou na casa de ninguém, eu não visito ninguém. Minha vida social acabou, acabou."

Hoje em dia não sou mais nada, eu só vivo pra ele. Eu não saio pra canto nenhum minha filha."

(...) Mexe em tudo, mexe em tudo como um todo. Por exemplo, no lazer, num fim de semana, num feriado, eu ia pra outro lugar, agora não vou, fico com ela."

Não tenho tempo de ler, de fazer um curso, de... De viver só de meu beneficio hoje, entendeu? Que a gente não pode parar, né? Ás vezes eu quero fazer um curso, quero fazer alguma coisa e não tenho condições de fazer... Porque você sabe, o cansaço bate, né? Tem horas que você quer fazer as coisas e não aguenta, porque é muita preocupação, não é? Muita preocupação”

Apesar das queixas e preocupações, esse familiar mostrou certa resignação porque está prestando cuidado a uma pessoa querida e significativa em sua vida:

Então veja só, eu já perdi... Não é que perdi seis anos da minha vida, na verdade eu não perdi, eu ganhei. Eu ganhei porque eu aprendi a tomar conta de uma pessoa que estava morando comigo e que está doente. Mas assim, eu também tenho que fazer a minha vida. Então, é difícil, é uma coisa muito difícil assim de lhe explicar o sentimento que a gente tem assim de... de... de... Por ela, por a gente mesmo. É uma coisa que eu não sei daqui pra frente como vai ser."

Quando ela está muito agitada eu também perco as sensações, sabe? É como se eu estivesse vivendo o
que ela tá vivendo, sabe? "

Quando eu vou pro trabalho fica aquele estresse porque eu não sei o que ela está fazendo lá (na casa deles), aí eu fico assim com uma tensão muito maior."

Muito estresse na minha vida, muito estresse, muito estresse mesmo. Tem hora que eu não agüento, tenho vontade de ir embora, de sumir."

Essa sobrecarga contínua de tarefas e de pressão emocional predispõe a que essas pessoas apresentem um elevado risco de também adoecerem, pois não contam, em sua maioria, com o apoio necessário que facilite o cuidado com o familiar doente.

Tá interferindo na minha saúde. Eu emagreci, eu era mais forte, eu perdi peso (...) Eu estou notando que eu estou precisando de um acompanhamento médico. Minha necessidade maior agora é um acompanhamento médico sabe, pra mim. “

Segundo Diogo e Duarte (2002), nos países desenvolvidos, os familiares cuidadores de idosos possuem preparo para a função que desempenham, contando inclusive com a ajuda de uma equipe em situações de crises. Além disso, estimulam situações que promovem uma maior participação dos familiares no cuidado aos idosos como, por exemplo, a identificação dos pontos frágeis e fortes encontrados no sistema familiar, além de encorajá- los a expressar seus sentimentos.

No Brasil os familiares carecem de um maior preparo e ainda há poucos recursos sociais de apoio, em que pese a criação de grupos para familiares, que tem a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAZ) como incentivadora. Observa-se também que existe uma carência para atendimentos voltados especificamente para cuidadores na rede pública e não há como as pessoas de baixa renda recorrerem aos profissionais da rede privada , porque os tratamentos são muito caros (Felgar, 2004).

Diante dessa realidade, percebe-se que os familiares cuidadores que participaram deste estudo, são confrontados com diversas situações que prejudicam sua qualidade de vida, pois seu cotidiano foi totalmente alterado pela existência da doença. Além disso, sabe-se que, com o tempo, as demandas se tornarão maiores, uma vez que o paciente se tornará mais dependente, precisando cada vez mais de ajuda nas suas atividades de vida diária. Desta forma, é imprescindível que essas pessoas recebam mais apoio e que haja uma divisão de tarefas de forma que elas se dediquem a outras atividades, além do cuidado ao paciente. Assim, elas poderão renovar suas energias e ter mais condições de propiciar a atenção que o mesmo necessita. (FONTE: Revista Psicologia)

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